O papel reacionário de Kamala Harris, a vice-presidente dos EUA

Eleita junto com Joe Biden para presidir os Estados Unidos após a derrota de Donald Trump em novembro de 2020, a atual vice-presidente, Kamala Harris, trouxe euforia para o Partido Democrata, para a imprensa burguesa e para os vários movimentos identitários do país, que a vê como uma figura progressista que representará grupos minoritários na Casa Branca. O fato de Harris ser a primeira mulher a ocupar a vice-presidência dos EUA, além de ser mestiça e filha de pais imigrantes (seu pai é jamaicano e sua mãe é indiana) foi usado deliberadamente como propaganda durante toda a campanha presidencial, numa tentativa do Partido Democrata de retratar Harris como representante legítima dos trabalhadores imigrantes, negros e mulheres. Nada poderia estar mais longe da realidade.

Na verdade, Kamala Harris não passa de mais uma representante das oligarquias norte-americanas, sobretudo, do sistema penal e de inteligência dos Estados Unidos. De fato, seu papel no governo Biden é o de garantir que a Casa Branca tome medidas cada vez mais à direita, o que resultará numa administração tão violenta (ou até mesmo pior) que a de Donald Trump nos ataques à classe trabalhadora. Não é em vão que o Partido Democrata tenha escolhido Harris como a vice de Joe Biden. Seu passado político é repleto de truculências e agressões aos trabalhadores.

Harris iniciou sua carreira política em 1990 como procuradora distrital na região de Oakland, California. Não demorou muito para que Harris começasse a frequentar os círculos das elites da região. Foi lá onde conheceu e namorou brevemente Willie Brown, que futuramente se tornaria prefeito de San Francisco. Brown foi um dos que promoveu a carreira política de Kamala Harris e a introduziu aos círculos mais influentes da elite californiana, incluindo membros de grupos financeiros. Em 2003, Harris se tornou procuradora do distrito de San Francisco e seis anos mais tarde, apoiada pelo Partido Democrata, se tornou Procuradora Geral do Estado da California. Em suas campanhas para procuradoria, Harris usava o slogan “Harris, pela a Lei e pela Ordem”, o que acabou se tornando muito mais que um ideal falso moralista, mas de fato em uma política deliberada que ela tomaria ao longo dos anos.

Durante sua gestão como procuradora distrital em San Francisco, a taxa de condenações subiu de 52% em 2003 para 67% em 2006. No entanto, o alto índice de condenações, era em parte, resultado de processos fraudulentos manipulados por Harris e por seus funcionários. Em 2012, Ann-Christine Massul, uma juíza de uma corte superior, julgou que a procuradoria sob a gestão de Kamala Harris tinha cometido uma série de irregularidades, incluindo violações de direitos dos réus ao reter informações importantes que incriminavam um técnico criminalista que tinha falsificado documentos e roubado drogas de um laboratório.

Já como Procuradora Geral do Estado da California, Harris saiu inúmeras vezes contra decisões judiciais que denunciavam a superlotação dos presídios e os maus tratos cometidos contra os detentos. Harris também tentou dar um fim às inspeções de cortes federais aos presídios do estado. Em 2014, no caso Brown v. Plata, quando a Suprema Corte julgou que as prisões da California estavam superlotadas ordenando que o estado diminuísse o número de carcerários em 40.000, Harris tentou derrubar a decisão afirmando que a liberação de tantos presos prejudicaria a mão de obra da região. Um ano mais tarde, Harris não só tentou derrubar uma decisão judicial de primeira instância que considerou que a pena de morte no estado da California era cruel e desumana, como defendeu condenações realizadas de forma fraudulenta (com a inclusão de confissões falsas nas transcrições das interrogações). Kamala Harris justificou tais ações ilegais alegando que os falsos testemunhos não eram suficientes para provar que tinha havido improbidade processual.

Além de criminosa, as justificativas de Kamala Harris também beiravam o cinismo. Em uma de suas falas tentando justificar sua truculência contra os direitos humanos, dizia estar apenas defendendo seus “clientes” e que tais posições não condiziam com suas crenças políticas e sociais.

Mas um dos episódios mais emblemáticos de sua carreira na justiça foi seu apoio a uma lei que legalizava o pagamento de uma multa que poderia chegar a 2 mil dólares para pais de alunos que faltassem as aulas sem explicação e a prisão para os que não tivessem o dinheiro para pagá-las. A lei de 2010, assinada pelo então governador Arnold Schwarzenegger, tinha como objetivo “melhorar o sistema educacional do Estado da California”.

O reacionarismo de Harris não mudou quando que se tornou senadora pelo Estado da California em 2017. Com o falso discurso de “progressista”, Harris dizia apoiar “Medicare para todos”. No entanto, sempre se opôs dar um fim no sistema de seguradoras de saúde privadas no lugar de um sistema de saúde financiado pelo governo federal. Nas políticas ambientais, apoiou a participação de grandes empresas na “transição de políticas limpas para o meio ambiente”, projeto do democrata Al Gore, que na verdade não passava de uma forma de enriquecimento de grandes empresas exploradoras de recursos ambientais e que não dava nenhuma garantia de penalidade às empresas poluentes.

Mesmo sendo filha de imigrantes, Kamala Harris mostrou as garras em 2019, ao se abster da votação no Senado que aprovou 4.6 bilhões de dólares para manutenção de campos de concentração para imigrantes na fronteira entre México e Estados Unidos. A abstenção tanto de Harris quanto de outros senadores democratas não passou de uma ação tática deliberada que prova o caráter reacionário não só de Kamala Harris, mas de todo Partido Democrata.

Ao mesmo tempo, seguindo a agenda demagoga e populista do Partido Democrata, a senadora californiana apoiou a legalização federal da maconha para fins recreativos, o aumento do salário mínimo para 15 dólares a hora, e após pressões da greve dos professores em 2019, que aconteceu por todo o país, apresentou um plano que dava um adicional de 13,5 mil dólares ano para a categoria. Na verdade, Harris só estava de olho na campanha de 2020 para a corrida presidencial e já era vista como uma forte candidata pelos Democratas.

Mas a indicação de Kamala Harris para ser a vice de Joe Biden está principalmente relacionada ao fato da ex-senadora (com seu slogan de lei e ordem) servir como uma resposta às críticas do Partido Republicano de que os Democratas não são duros o suficiente contra a criminalidade. Harris serve justamente a isso – como uma justificativa do Partido Democrata para propor e apoiar pautas cada vez mais à direita.  Assim como em sua carreira no judiciário e no parlamento, a atual vice-presidente não pensará duas vezes quando precisar implementar leis que ataquem os direitos constitucionais da classe trabalhadora, incluindo prisões arbitrárias, tal como aconteceu com o plano de  encarceramento durante o governo Bill Clinton (1993-2001).

E o falso progressismo de Kamala Harris não demorará muito para ser desmascarado. Diante de uma maiores crises sanitárias da história recente, em que mais de 440 mil americanos já morreram com Covid-19 causada, sobretudo pela irresponsabilidade tanto do governo Trump quanto dos governos estaduais liderados por democratas, nem Biden e nem Harris tem respostas e ações genuínas para proteger a classe trabalhadora. Pelo contrário, Biden e Harris já preparam novos pacotes para injetar bilhões de dólares dos trabalhadores em Wall Street e no mercado financeiro, o que aprofundará ainda mais a desigualdade social e gerará mais tensões sociais. A crise do sistema capitalista, que se intensifica ainda mais com pandemia do Coronavírus, intensificará ainda mais as contradições do capitalismo nos EUA – um dos países mais desiguais do planeta. As tensões políticas e sociais que serão geradas por conta dessas contradições levarão novamente às ruas milhões de americanos. E a administração Biden não agirá tão diferente de seu antecessor Donald Trump na hora de atacar a classe trabalhadora nas ruas de todo o país. De fato, os Democratas já tem dentro da Casa Branca, a pessoa ideal para administrar tais ataques – a vice-presidente Kamala Harris.

Deixe uma resposta