Pablo Gomes – Jornalista e cineasta

No último dia 13 de abril, o presidente dos EUA, Joe Biden, anunciou que as tropas americanas ainda remanescentes no Afeganistão começariam a sair do país a partir do dia 1 de maio. O objetivo é que o procedimento de retirada das tropas termine até o dia 11 de setembro de 2021, dia que se comemora os 20 anos do atentado às torres gêmeas e ao pentágono.

Embora os dados oficiais apontem que haja 2.500 soldados americanos no Afeganistão e cerca de 6.500 soldados da OTAN, dados da imprensa apontam que o número real de soldados dos EUA no país chegue a 3.500. Isso sem levar em conta o número de agentes da CIA e mercenários, que deverão continuar no país servindo aos interesses imperialistas e dando apoio ao regime do presidente afegão Ashraf Ghani, que não passa de um fantoche do imperialismo.

A saída das tropas dos EUA também não garante que o Afeganistão ficará livre de ataques de drones americanos, como é o caso de outros vários países na Ásia, Oriente Médio e norte da África que mesmo não tendo oficialmente tropas americanas em seus territórios, continuam sendo alvos de ataques. A saída das tropas também não signfica dizer que o pentágono não continuará bombardeando locais estratégicos no país, considerados por Washington “abrigos para organizações terroristas”. O anúncio de Biden sobre a retirada das tropas tampouco garante que não haja alguma reviravolta e o país volte a ocupar o Afeganistão por motivos de segurança maior. Pedidos da CIA para que Biden mantivesse a retirada das tropas a menos que fosse através de uma série de condições acabou sendo rejeitada pelo presidente, que segundo fontes de um oficial da adminstração Biden, “quer evitar qualquer tipo de desculpa para que os EUA acabem ficando no Afeganistão para sempre”. No entanto, não é difícil imaginar que qualquer ataque do Talibã às forças americanas ou às forças da ONU nesse período de retirada, acabará sendo motivo de desculpas para uma permanência prolongada da ocupação na região.

O anúncio da retirada do exército americano do Afeganistão foi recebido tanto com críticas quanto com elogios por ambos partidos no congresso americano. Enquanto a ala do partido democrata composta por Bernie Sanders e Elizabeth Warren aplaudiram a retirada, alas mais próximas ao militares, incluindo Adam Smith, que é presidente do Comitê das Forças Armadas na câmara dos deputados, foram mais cautelosos em elogiar a decisão do presidente americano. Já a senadora Jeanne Shaheen, que faz parte do Comitê de Relações Internacionais, declarou estar “muito desapontada” com a medida e que a retirada das tropas provocará a queda do atual regime.

Republicanos também ficaram divididos com a notícia. A ala mais próxima do ex-presidente Donald Trump, como os senadores Ted Cruz e Josh Hawley, aplaudiram a medida enquanto o líder da minoria no senado, Mitch McConnell, denunciou em uma sessão do senado, que a retirada das tropas afetará o poder de liderança dos EUA na região sem sequer ter derrotado o inimigo.

Enquanto setores da mídia tentaram criar a impressão de que a decisão do governo americano de sair do Afeganistão é uma atitude progressista do presidente Biden, e que o atual governo esteja preocupado em resolver questões internas como o combate à pandemia, à pobreza e à desigualdade social, a retirada das tropas americanas é resultado de um plano de ofensiva ainda mais agressivo. A provável desocupação total no Afeganistão está ligada ao fato de que os EUA mudará seu foco de agressão imperialista para a China, Rússia e Irã. Washington pretende gastar forças com esses três países, que hoje são considerados a maior ameaça à estratégia de controle do imperialismo norte americano na Ásia e Eurásia.

Depois de duas décadas de invasões no Oriente Médio, e, sobretudo, das invasões do Iraque e Afeganistão, o imperialismo americano se vê sem nenhum saldo positivo dessas empreitadas. Pelo contrário, a atual gestão no Afeganistão se vê completamente perdida, dividida entre escândalos de corrupção e sem nenhum avanço político. Anthony Cordesman, do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS) escreveu recentemente, que o Talibã tem ganhado força e que o regime de Ashraf Ghani está “sem esperança, dividido, corrupto e ineficiente”.

Durante o discurso de Biden, em nenhum momento foi falado das consequências trágicas da ocupação americana no país, que já matou 100 mil afegãos, além dos milhares de soldados americanos mortos em combate, isso sem falar na destruição da infraestrutura do país que desencandeou uma crise sanitária e política que raramente será resolvida com o atual governo do país, que é totalmente alinhado aos interesses do imperialismo norte-americano.

A guerra no Afeganistão, que se iniciou em outubro de 2001, um mês após os ataques de 11 de setembro, foi vendida para o mundo como uma resposta dos EUA à guerra ao terror. No entanto, a invasão do Afeganistão já estava sendo desenhada muito tempo antes dos atentados em Nova York e Washington. De fato, a guerra no Afeganistão se iniciou em dezembro de 1979 na administração Jimmy Carter, que ajudou a financiar junto com o Paquistão e Arábia Saudita, grupos fundamentalistas islâmicos contrários à invasão de grupos pró-soviéticos ao Afeganistão. Entre esses grupos guerrilheiros financiados pela Arábia Saudita e apoiado pela CIA, estava o recém criado Al Qaeda, liderado por Osama Bin Laden, que décadas depois, se tornaria o inimigo número um de Washington.

Com a queda da União Soviética no início da década de 90 e a implantação do Talibã no Afeganistão, Washington chegou a endorsar o novo regime como forma de “estabilidade” na região. Entre 1996 e 2001, as relações dos EUA com o Afeganistão giraram em volta de negociações para construção de gasodutos vindos da região do mar Caspio (que é bastante rica em petróleo e equivale a 20% das reservas mundiais, além de gás natural, que conta com uma das maiores reservas do planeta). De fato, o interesse dos EUA no Afeganistão tem a ver com sua aproximidade ao mar Cáspio, que serve não somente como uma estratégia geográfica, mas também econômica.

A invasão dos EUA ao Afeganistão em 2001 se dá em um momento de intensa crise do imperialismo americano no Oriente Médio, que se inicia com a Guerra do Golfo em 1991 e se extende até o fim da década de 90. A Guerra ao Terror como resposta aos ataques de 11 de setembro foram apenas pretextos para os EUA invadir o Afeganistão e logo mais, o Iraque, expandindo uma onda de terror por todo o Oriente Médio e norte da África, que já dura duas décadas, e que já matou centenas de milhares de pessoas criando uma crise humanitária de proporções somente vistas na I e II Guerra Mundial.

Biden é o terceiro presidente dos EUA a prometer a saída definitiva dos americanos do solo afegão. Mesmo que isso aconteca, Washington não desistirá de sua agressão contra a China, Rússia e Irã, o que pode provocar uma crise muito maior e mais sangrenta na Eurásia, Ásia e Oriente Médio, inclusive, desencadeando uma guerra entre as maiores potências nucleares (Rússia, China, Irã e EUA) e um risco de uma nova guerra mundial.

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