‘Decisão é mais política que técnica’. Para pesquisador, esse será o grande debate das eleições municipais deste ano. Modelo que se baseia na remuneração por passageiro é ultrapassado, afirma
O país já tem mais de 100 municípios que adotaram a tarifa zero no transporte público. A lista, agora com 101 cidades, acaba de ser atualizada pelo pesquisador Daniel Santini, mestre em Planejamento Urbano e Regional na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), da Universidade de São Paulo (USP). A população nessas cidades soma aproximadamente 4,8 milhões.
O ano passado foi o de maior número de adoções do sistema: 36. Neste início de 2024, a lista incluiu Machado (MG). Os números consolidam uma visão de que a ideia é viável. Anos atrás, lembra o pesquisador, havia uma leitura de que se tratava de uma política “irreal, juvenil até”, mas isso tem mudado. “Tarifa zero é uma decisão política, mais do que técnica.”
Efeitos positivos
Santini não tem dúvida de que este será o grande debate das eleições municipais de outubro. “O que a gente tem visto é que as cidades (que adotam o sistema) não revertem”, afirma o também coordenador da Fundação Rosa Luxemburgo. Segundo ele, a adoção da tarifa zero universal tem trazido resultados positivos sob vários aspectos – econômicos, sociais, ambientais e humanos.
Ele cita alguns exemplos, como Caucaia, no Ceará, a cidade mais populosa da lista (veja relação ao final do texto), com 356 mil habitantes, que desde 2021, ano da implementação, reduziu consideravelmente o trânsito. Ou Maricá (RJ), que além do incremento no comércio adotou uma rede de bicicletas compartilhadas. Ali, a experiência já vai completar 10 anos.
Modelo atrasado
Os municípios adotam diferentes modelos – e a pauta, originalmente identificada como dos setores progressistas, foi adotada também por partidos conservadores. “Manter esse modelo atrasado, ineficiente, de remuneração por passageiro transportado é uma bomba-relógio”, afirma Santini. “O sistema baseado na receita da catraca faliu.” A cidade de São Paulo, por exemplo, perdeu 1 bilhão de passageiros em uma década.
Na média, as cidades que adotaram Tarifa Zero têm em torno de 50 mil habitantes. Apenas 11 municípios têm mais de 100 mil. O menor, Santana do Deserto (MG), não chega a 4 mil. O pesquisador concorda que é mais fácil implementar o sistema em locais menores, mas identifica crescimento em cidades mais populosas. “É preciso considerar que as possibilidades (nessas áreas) são muito maiores”, pondera.
Sistema Único de Mobilidade
Na Câmara, a deputada Luiza Erundina (Psol-SP) apresentou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 25/2023, que propõe a criação do Sistema Único de Mobilidade. O projeto autoriza União, Distrito Federal e municípios a instituir contribuição pelo uso do sistema viário a proprietários de veículos. Esse recursos seriam destinados ao custeio do transporte público coletivo urbano. Em 12 de dezembro, o relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), deputado Kiko Celeguim (PT-SP), apresentou parecer favorável.
Ainda no PT, Erundina era prefeita de São Paulo (1989 a 1992) quando foi apresentado o projeto da Tarifa Zero na capital paulista. A discussão foi intensa, mas o projeto não chegou a ser discutido na Câmara Municipal. “As pessoas se locomovem no espaço urbano para ir para o trabalho, para um serviço de saúde, para uma atividade de lazer, para visitar um parente, para fazer uma compra. E são condições indispensáveis na vida das pessoas que enfrentam a dificuldade do custo da tarifa. Não é justo que tudo seja pago diretamente pelo usuário do serviço. Tem que ser bancado e pago pelo conjunto da sociedade”, disse Erundina em novembro, durante reunião da Subcomissão da Tarifa Zero, vinculada à Comissão de Finanças e Orçamento da Câmara paulistana.
Sem tarifa aos domingos
O debate remete a iniciativa recente da prefeitura de São Paulo, que desde dezembro adotou a Tarifa Zero aos domingos. A gratuidade também será aplicada no feriado do próximo dia 25, aniversário da cidade. A medida ampliou o acesso ao transporte, mas ainda é vista com cautela.
O que a gente verifica, e eu tenho dados sobre isso, é que a quantidade de pessoas que não se locomovem na cidade adequadamente são, sobretudo, mulheres, pessoas que não têm emprego com direito a pagamento de vale-transporte e trabalhadores da livre-iniciativa de pequeno porte. Essas pessoas é que sofrem mais com a ausência do transporte coletivo gratuito”, observou em entrevista recente à Agência Pública o engenheiro e pesquisador Lúcio Gregori, secretário de Transportes na gestão Erundina.
Cidades que já adotaram a tarifa zero
- Abaeté (MG)
- Agudos (SP)
- Anicuns (GO)
- Aquiraz (CE)
- Araçariguama (SP)
- Araranguá (SC)
- Arceburgo (MG)
- Arcos (MG)
- Arthur Nogueira (SP)
- Aruanã (GO)
- Assis (SP)
- Balneário Camboriú (SC)
- Balneário Piçarras (SC)
- Belo Vale (MG)
- Bombinhas (SC)
- Brumadinho (MG)
- Cacoal (RO)
- Caeté (MG)
- Campo Belo (MG)
- Capão Bonito (SP)
- Carambeí (PR)
- Carmo (RJ)
- Casimiro de Abreu (RJ)
- Caucaia (CE)
- Cerquilho (SP)
- Cianorte (PR)
- Claudio (MG)
- Clevelândia (PR)
- Comendador Levy Gasparian (RJ)
- Conceição de Macabu (RJ)
- Conchas (SP)
- Costa Rica (MS)
- Dourado (SP)
- Eusébio (CE)
- Faxinal (PR)
- Formosa (GO)
- Forquilhinha (SC)
- Garopaba (SC)
- Goiás (GO)
- Governador Celso Ramos (SC)
- Guapimirim (RJ)
- Holambra (SP)
- Ibaiti (PR)
- Ibaté (SP)
- Ibirité (MG)
- Ilha Solteira (SP)
- Itapetininga (SP)
- Itapeva (SP)
- Itararé (SP)
- Itatiaiuçu (MG)
- Ituiutaba (MG)
- Ivaiporã (PR)
- Jales (SP)
- Jeceaba (MG)
- Lagoa da Prata (MG)
- Leopoldina (MG)
- Lins (SP)
- Luziânia (GO)
- Macatuba (SP)
- Machado (MG)
- Mariana (MG)
- Maricá (RJ)
- Mario Campos (MG)
- Mata de São João (BA)
- Matinhos (PR)
- Monte Carmelo (MG)
- Monte Mor (SP)
- Morungaba (SP)
- Muzambinho (MG)
- Nazaré Paulista (SP)
- Ouro Branco (MG)
- Palmas (PR)
- Pirapora do Bom Jesus (SP)
- Potirendaba (SP)
- Paracambi (RJ)
- Paranaguá (PR)
- Parobé (RS)
- Pedro Osório (RS)
- Piedade (SP)
- Pirapora (MG)
- Pitanga (PR)
- Piumhi (MG)
- Porto Feliz (SP)
- Presidente Kennedy (ES)
- Quatro Barras (PR)
- Santa Isabel (SP)
- Santana do Deserto (MG)
- Santa Rita do Passa Quatro (SP)
- São Caetano do Sul (SP)
- São João da Barra (RJ)
- São Joaquim de Bicas (MG)
- São José da Barra (MG)
- São Lourenço (MG)
- São Lourenço da Serra (SP)
- São Sebastião do Alto (RJ)
- Silva Jardim (RJ)
- Tambaú (SP)
- Tanguá (RJ)
- Tietê (SP)
- Vargem Grande Paulista (SP)
- Wenceslau Braz (PR)
Fonte: Rede Brasil Atual