De Roseana Sarney a Ciro Gomes, operações da PF mostram que podem mudar os rumos de campanhas eleitorais. Pesquisadora chama atenção também para decreto que vem permitindo ‘intercâmbio’ das forças militares, e não policiais estadunidenses, com a instituição brasileira
A operação da Polícia Federal que teve como um dos alvos o pré-candidato à presidência pelo PDT, Ciro Gomes, mostra que a instituição tem influência na disputa política do Brasil. Reportagem da Folha de S. Paulo divulgada nesta quinta-feira (16) mostra que apesar da defesa pública de pedetistas ao ex-governador do Ceará, nos bastidores haveria uma movimentação contrária à postulação de Ciro às eleições de 2022.
Ainda na manhã de ontem, após receber os agentes em sua casa, o presidenciável garantiu não ter dúvidas de que a operação era uma “ação política” ordenada pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) como forma de “intimidação”. A crítica foi reforçada por diversos setores progressistas e levou a cúpula da PF a vetar coletiva de imprensa para evitar maior exposição do caso. Mas não impediu que a possibilidade de sua candidatura seja revista. O PDT estaria defendendo uma “formação de uma grande federação entre partidos de esquerda” que seria liderada pelo PT.
Se confirmada as mudanças, o impacto da operação não será único. Em 2002, o caso Lunus, deflagrado também pela Polícia Federal, comprometeu a candidatura de Roseana Sarney à Presidência da República.
Intercâmbio de militares dos EUA
Para além da influência no processo eleitoral e das suspeitas de desvio de instituições para uso político, a pesquisadora do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e do Instituto Tricontinental, Ana Penido chama atenção para outro “movimento grave” na Polícia Federal que vem permitindo um “intercâmbio” entre as forças militares dos Estados Unidos com a PF.
A entrada vem sendo garantida por um decreto recente, publicado em outubro deste ano pelo Ministério da Defesa. O que chama atenção, contudo, é que o treinamento é realizado por militares e não pelas forças policiais estadunidenses. A avaliação é que ele coloca em xeque a função do órgão, responsável pela segurança institucional e por prender políticos do alto escalão, conforme aponta em entrevista a Glauco Faria, do Jornal Brasil Atual. “O que a Polícia Federal está querendo aprender com as forças armadas que se envolvem em guerras no planeta inteiro?”, questiona Ana.
“Diferente do Brasil, em que as forças armadas praticamente atuaram para dentro, nos Estados Unidos não. Eles vão para a guerra mesmo, a política externa deles é expansionista. Os EUA entendem que têm que levar para o mundo inteiro o que eles entendem como o melhor para eles e se envolvem em guerras no mundo todo. (…) Então acho que tem uma dimensão muito problemática do ponto de vista da finalidade, para que serve de fato cada uma das forças que atuam no Brasil? Hoje está tudo misturado. E isso passa a entender que eventualmente civis brasileiros se tornem inimigos e nesse sentido passíveis de eliminação e criminalização”, adverte a pesquisadora.
Inimigo interno e garantia de ordem
O alerta leva em conta a lógica histórica do “inimigo interno” que vem sendo usada desde o alinhamento do Exército brasileiro aos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Quando os militares estadunidenses assumiram a responsabilidade de “cuidar do continente”, enquanto as forças armadas latino-americanas estariam encarregadas do “controle da ordem interna”. O que contribuiu para que ao longo dos anos a tarefa de defesa nacional e segurança ficasse em uma eterna “penumbra”.
“Mas em termos de finalidade é completamente diferente. Quando você treina um militar para defesa, você está treinando ele para que, em última instância, tire a vida de uma outra pessoa. Você vai para a guerra e vai eliminar uma outra pessoa. Isso exige um preparo psicológico. No caso da segurança pública, a finalidade da atuação é identificar um criminoso, prendê-lo e submetê-lo aos regramentos da legislação de seu país. Você não elimina, nenhum crime é passível de eliminação pela nossa legislação. O Brasil não tem pena de morte em termos escritos, embora possa ter em termos práticos”, completa Ana.
O partido militar no Brasil
Além dessa dimensão “problemática”, em entrevista ao Jornal Brasil Atual a pesquisadora também analisa o impacto dessa cultura militar na produção de milícias. Ela é autora de um artigo recém-publicado no Relatório dos Direitos Humanos no Brasil pelo Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP), sob o título “Problematizando o controle civil sobre a violência”. O levantamento é também assinado pelo pesquisador Rodrigo Lentz.
O texto apresenta duas hipóteses de interpretação da relação entre os militares e o atual governo. Uma sobre o governo das milícias, conceito trabalhado pelo jornalista Bruno Paes Manso. E outra da ascensão do chamado partido militar que também é um conceito articulado por diversos analistas. No artigo, os pesquisadores advertem contra a naturalização do termo “partido militar”. Uma vez que esse tipo de organização é proibida pela Constituição, pelo risco que oferece quanto a responsabilidade pelo uso de armas e emprego da violência, a falta de horizontalidade pela dimensão hierárquica e de disciplina das forças armadas e do corporativismo que leva em conta apenas os interesses dos militares.
Fonte: Rede Brasil Atual