Na Comissão Especial da PEC 32, Paulo Guedes manobra, mente ou não sabe do que fala, veja você mesmo
O ministro da Economia do governo de Jair Bolsonaro (sem partido), Paulo Guedes, esteve nessa quarta-feira, 7, em audiência pública da Comissão Especial da Câmara dos Deputados que debate a reforma administrativa (PEC 32/2020). Em sua apresentação, que durou cerca de 25 minutos, Guedes mentiu, manobrou e/ou deu provas de que não conhece a proposta que o governo tenta aprovar (o que não acreditamos).
O ministro demonstrou que o governo se encontra em dificuldades para aprovar a reforma, mas também deixou claro que não abrirá mão de acabar com os concursos públicos e com a estabilidade dos servidores e servidoras. Também não pretende recuar das “parcerias” com o setor privado a partir de vouchers, terceirizações e da transferência de recursos e serviços para Organizações Sociais (OS’s), pilares da PEC.
As manifestações de rua, a crise social, política e sanitária e as novas denúncias de corrupção colocam Bolsonaro contra a parede e têm tornado a defesa da PEC mais difícil. Porém, mesmo em meio à turbulência, o governo tem conseguido fazer avançar projetos como a privatização dos Correios e da Eletrobrás. A PEC 32 está no mesmo plano.
Em meio à confusão de ideias e manobras, a fala de Guedes na Comissão tinha um sentido claro: em uníssono com o relator da matéria, deputado Arthur Maia (DEM-BA), buscava fazer crer que a PEC não terá efeitos para os atuais servidores e que o objetivo do governo é melhorar a qualidade dos serviços públicos. Duas mentiras que o Sintrajufe/RS já vem demonstrando em diversas matérias nos últimos meses. Veja no quadro abaixo:
Por que é mentira que a reforma não atinge os atuais servidores e servidoras?
Ativos: A PEC 32/2020 transforma os atuais concursados em carreiras em extinção, afeta a rotina e a distribuição de trabalho dos servidores e deve gerar, na prática, um congelamento salarial eterno, já que estarão balizados pelos novos, contratados de forma precária e com salários menores. A PEC também cria novas formas de avaliação de desempenho que serão aplicadas aos atuais servidores e poderão resultar em demissões. Portanto, é errado acreditar que a estabilidade seria um direito adquirido, como o governo tenta fazer pensar. Estabilidade mesmo somente para “carreiras exclusivas”, via de regra os mais altos salários.
Aposentados e pensionistas: O fim da estabilidade e as novas formas de contratação balizam o futuro e afetam os ganhos de aposentados, aposentadas e pensionistas, que terão prejudicada a efetivação de seu direito à paridade e à integralidade, já que não haverá salários equânimes para tomar por base.
Por que é mentira que a PEC irá melhorar a qualidade dos serviços públicos?
Se aprovada, a reforma irá reduzir e piorar os serviços oferecidos à população. O fim dos concursos públicos, a contratação de apadrinhados indicados pelos políticos e as ameaças de demissão por pressão de gestores com o fim da estabilidade vai escancarar as portas para a corrupção e precarização ainda maior dos serviços. Além disso, os vouchers (cheques dados individualmente aos cidadãos) vão turbinar, por exemplo, um mercado de planos de saúde precários em detrimento do Sistema Único de Saúde (SUS), que possui amplo espectro de atendimento, da saúde da família até atendimentos de alta complexidade, como internações e transplantes.
O que o governo chama de avaliação dos usuários também é uma farsa: como avaliar um professor que tem seu salário congelado por sete anos e não consegue sequer garantir o sustento de sua família? É uma arapuca para culpar os servidores pelo desmonte dos serviços públicos gerado pelos próprios governantes.
Guedes disse que ele e Bolsonaro “eram contra a redução de salários dos servidores”; deram o tapa e esconderam as mãos
Aproveitando-se do contexto de pandemia, Bolsonaro e Guedes queriam cortar investimentos e gastos e até mesmo reduzir salários dos servidores em 25% (com a EC 186/2019). Não conseguiram aprovar tudo o que gostariam, mas muitos estragos estão sendo feitos, pois atrelaram concursos, nomeações e reajustes às dívidas da União, estados e municípios (EC 109/2021), fora os efeitos da EC 95/2016, que congelou o orçamento público até 2036.
Na Comissão, Guedes disse que o objetivo é “modernizar” os serviços públicos e que o governo tem um “pacto pela preservação dos direitos adquiridos” dos atuais servidores. Como se vê no quadro acima, isso não é verdade. Ele ainda lamentou não poder fazer uma reforma ainda mais “radical”, como admitiu que gostaria.
“Entra e ganha estabilidade”; onde, Paulo Guedes?
Mentiras também em relação à estabilidade: Guedes disse, por exemplo, que o servidor passa no concurso e já ganha estabilidade imediatamente. Também deu a entender que, por mais erros ou “desonestidades” que o servidor possa cometer, não será demitido graças à estabilidade. Nenhuma das duas afirmações é verdadeira, já que a estabilidade hoje não é absoluta, mas sim uma garantia de continuidade da prestação dos serviços e do trabalho dos servidores sem interferências políticas e com autonomia para garantir a prestação à população e resistir, isso sim, a quem busca corrompê-lo. Servidores desonestos podem e devem ser processados e demitidos. A atual legislação já prevê isso, diferente do que disse o ministro.
Carreiras típicas e exclusivas, recado para os de cima ficarem tranquilos
Em sua fala, Guedes também buscou criar uma confusão entre carreiras exclusivas e carreiras típicas de Estado, ao dizer quem quer salvar: uma das mudanças sugeridas pelo relator é quanto à adoção do conceito de carreiras exclusivas de Estado, em vez da expressão “típicas de Estado”. Guedes lembrou que existem cerca de 270 carreiras no serviço público e citou algumas que considera exclusivas. “Embaixador, membros das Forças Armadas, do Judiciário e do Legislativo: são Poderes ou carreiras típicas. E, mais do que típicas, exclusivas. Então, são realmente especiais e, por isso, temos que garantir que os serviços também sejam de alta qualidade. Nós não mandamos [o texto] dizendo que é a carreira A ou B: isso vai ser definido pelo próprio Congresso”, disse. Ou seja, Guedes quer ampliar a distribuição de coletes salva-vidas para os velhos protegidos de sempre.
A reforma, na prática, atingirá trabalhadores da educação, da saúde, da Justiça, entre outros, mas deixará sem ameaças os “de cima”, os de sempre. O caráter elitista da reforma ficou claro mais uma vez na fala do ministro da Economia, que pretende remeter a uma lei infraconstitucional a definição sobre o que são carreiras típicas ou exclusivas de Estado, as únicas que manterão seus direitos. Já sabemos quem vai ganhar e quem vai perder.
Se Guedes fosse obrigado a falar a verdade na Comissão, sairia preso
A única saída, assim, é derrotar a PEC em sua totalidade. Trata-se de uma proposta que não pode ser remendada suficientemente a ponto de não mais prejudicar tanto servidores quanto a população que acessa os serviços públicos. Para garantir os direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras, é preciso impedir a aprovação da PEC 32, um projeto defendido na base de mentiras, já que o governo não ousa admitir seus reais efeitos.
Em campanhas de conscientização e em sua política mais ampla, o Sintrajufe/RS vem defendendo que os serviços públicos devem ser ampliados e qualificados, não reduzidos e precarizados. Essa segunda opção é a escolhida pelo governo e a que está expressa na PEC. Com mentiras reiteradas sobre a estabilidade, sobre quem será atingido e sobre as consequências da PEC, uma conclusão se faz imprescindível: se Guedes fosse obrigado a falar a verdade na Comissão, sairia preso.
Fonte: Sintrajufe RS