A disputa política em Alagoas já vem há muito tempo sendo capitaneada por dois flancos, um liderado pelos Calheiros, o outro por Arthur Lira. Mas recentes acontecimentos podem fazer surgir um terceiro campo eleitoral.
O prefeito de Maceió, João Henrique Caldas, conhecido por JHC – ainda no PL, mas podendo retornar ao PSB a qualquer momento –, chega ao final de maio rompido com Arthur Lira (PP), ex-presidente da Câmara dos Deputados e ainda uma das figuras mais fortes em Brasília. Contudo, os sinais de que o prefeito da capital alagoana de aproximação com os Calheiros, ao que consta, teve a fiação cortada.
JHC e Arthur Lira se aproximaram em virtude das eleições de 2022, quando se aliaram para enfrentar o campo que os Calheiros como centro de gravidade. Lira precisava de um nome para disputar o Governo do Estado, após o acordo em torno no nome para a sucessão indireta de Renan Filho – que renunciou para concorrer ao Senado naquele – foi para o brejo.
Havia um acordo de consenso em torno do nome de Paulo Dantas, atual governador de Alagoas e reeleito em 2022. Paulo Dantas estava entre os que migrariam em peso para o União Brasil, que seria comandando pelo presidente da Assembleia Legislativa, deputado Marcelo Victor. Mas o então deputado Paulo Dantas ficou muito próximo ao então governador Renan Filho e mais distante de Arthur Lira, fazendo o então presidente da Câmara dos Deputados “tomar” o partido do grupo de deputados estaduais liderados por Marcelo Victor.
Daí, todos esses parlamentares migraram para o MDB, hipertrofiando a legenda e dando a ela 14 dos 27 deputados estaduais da Assembleia Legislativa de Alagoas. Para quem tem mais dificuldade em fazer conta de cabeça, isso é metade mais um do parlamento estadual. Ou seja, o grupo, se considerar somente os que estão sob o guarda-chuva partidário do MDB, tem força para fazer o que bem entender na Casa.
Diante desse cenário, pragmaticamente, JHC se uniu ao grupo de Arthur Lira ara a disputa em 2022, lançando o então senador Rodrigo Cunha, que trocou o PSDB pelo União Brasil, comandado politicamente por Arthur Lira em Alagoas, a governador e o então deputado estadual Davi Davino Filho, à época no PP, a senador.
A aposta contra a máquina do governo estadual e da Assembleia Legislativa soava convidativa porque o nome do outro lado, quem quer que fosse o nome, não seria então um figurão da política alagoana. Logo, haveria certo equilíbrio de forças nesse sentido.
E o grupo comandado por Lira, com toda a força política que Brasília pode proporcionar – e isso era algo que Arthur Lira tinha em demasia, ainda mais no governo Bolsonaro, tentou de todas as formas atrapalhar a eleição indireta de Paulo Dantas a governador, lhe tirando tempo com a “caneta na mão” para sua reeleição em outubro de 2022. Até então, Paulo Dantas era um deputado pouco conhecido do eleitorado alagoano, assim como Rodrigo Cunha, apesar de senador.
Rodrigo Cunha foi eleito na esteira da antipolítica que dominou o debate público em 2018, mas como seu mandato em Brasília foi muito apagado, ele chegou em 2022 um desconhecido do eleitorado médio.
Estava aí a “paridade de armas”: de um lado a máquina estadual e da Assembleia Legislativa; do outro a máquina da Prefeitura de Maceió e a federal no estado. Ambas encabeçadas por nomes “desconhecidos”.
Paulo Dantas foi reeleito, o MDB – como já pontuei acima – elegeu 14 dos 27 deputados estaduais entre a bancada federal, o MDB elegeu dois deputados entre 9, o PP também dois, sendo um deles o próprio Arthur Lira, como o mais votado com 219.452 votos. Para o Senado, deu o esperado e Renan Filho foi eleito, mas ele foi derrotado em Maceió por Davi Davino Filho por uma diferença de 79.401 votos. Renan Filho obteve 159.492 votos e Davi Davino Filho, 238.893 votos.
Chegam as eleições municipais e a disputa na capital alagoana foi protocolar. JHC venceu com facilidade, atingindo 83,25% (379.544 votos). O segundo colocado, Rafael Brito, deputado federal pelo MDB, obteve 12,74% (58.084). Essa disputa se deu sob a mesma configuração da ocorrida dois anos antes. As causas para esse resultado acachapante são várias, mas a principal, para mim, é a falta do fazer política em Maceió pelo campo capitaneado pelo MDB, mas esse não é o tema aqui.
Começa a segunda gestão de JHC, que agora tem Rodrigo Cunha como vice-prefeito, o que deu mandato no Senado a Eudócia Caldas, mãe do prefeito, já que ela era a suplente de Cunha em Brasília. JHC deu espaços a Arthur Lira e aos outros aliados que vieram pela gravidade, tanto gerada por Lira quanto pela própria prefeitura de Maceió e pela projeção futura de um novo nome política e eleitoralmente forte em Alagoas para rivalizar com os “grandões”.
Como JHC não tem um grupo para chamar de seu, se valendo somente de seu desempenho pessoal até agora, aliar-se a Arthur Lira acabou até sendo – pelas circunstâncias – o caminho natural. Afinal, em boa medida, um dependia do outro, inclusive para a montagem do tabuleiro eleitoral para 2026.
Há um ditado que diz: “nada como uma noite entre dois dias”. E foi exatamente isso que ocorreu. Após o pleito municipal, as rusgas entre JHC e Lira começaram a aparecer aqui e acolá. Primeiro, JHC não deu um espaço de destaque a Davi Davino Filho. A tal Secretaria Municipal de Relações Federativas não serviu para, absolutamente, nada. Lira recebeu a Educação, colocando na pasta sua prima Jó Pereira, que foi deputada estadual, mas ficou sem mandato por ter sido a vice de Rodrigo Cunha em 2022.
Contudo, em pouco meses, JHC deixou vazar insatisfação com Arthur Lira porque ele teria garantido rios de recursos federais. O problema é que já não estávamos mais sob o governo Bolsonaro, no qual Lira era todo-poderoso em relação a recursos públicos.
Lira e JHC se afastaram, se aproximaram e, agora, se afastam novamente. A diferença é a proximidade com o pleito de 2026, o que dificulta movimentos de vai e vem.
Nesse meio tempo também, Marluce Caldas, procuradora do Ministério Público de Alagoas e tia de JHC, foi escolhida por seus pares para a lista do órgão a uma vaga no Superior Tribunal de Justiça (STJ). O sobrinho, previsivelmente, passou a se dedicar quase que exclusivamente a garantir a indicação da tia à Corte, passando os primeiros meses de sua segunda gestão na Prefeitura de Maceió mais em Brasília do que na capital alagoana. Só para se ter ideia, até este momento, nem líder a Prefeitura tem na Câmara Municipal de Maceió, tamanha a atenção dada por JHC à indicação da tia ao STJ.
Até com o presidente Lula, o prefeito de Maceió foi fazer beija-mão. Foi a um evento em homenagem à primeira-dama Janja da Silva, foi a nomeação de Gleisi Hoffmann como ministra, fez contato com João Campos, prefeito de Recife para voltar ao PSB e integrar a base de apoio a Lula, deixando o PL, ao qual ele se filiou – saindo do PSB! – entre o primeiro e o segundo turnos de 2022.
Até dos Calheiros, mesmo de forma tímida, JHC se aproximou o suficiente para o senador Renan Calheiros e João Caldas, pai de JHC, participarem juntos de inauguração de rodovia próxima à cidade de Ibateguara – terra dos Caldas – com direito a elogios do senador à família do prefeito.
As especulações correram soltas sobre uma aliança entre os Caldas e os Calheiros, deixando Arthur Lira chupando dedo. Depois de algumas semanas, Lira faz elogios a JHC, o apontando como um excelente nome para o governo de Alagoas.
Mas por conta do “balé” de JHC, dando passos para cá, passos para lá, e sem fechar questão sobre se será candidato a governador ou a senador, Arthur Lira, além de não se empenhar pela nomeação de Marluce Caldas ao STJ, teria passado a atuar contra, enquanto Renan Calheiros fez o movimento oposto. Ao menos deixou vazar fazer isso.
Lira quer JHC candidato a governador para ter facilitada a disputa ao Senado em 2026; Os Calheiros preferem JHC candidato ao Senado para selar a volta de Renan Filho ao Governo do Estado. Já JHC, quer o Governo do Estado e a vaga no Senado, neste momento ocupada por sua mãe.
Evidentemente, que essa conta não fecha. Logo, a pouco mais de um ano do início do processo eleitoral, propriamente dito, as tensões vêm à tona.
JHC exonerou todos os indicados por Arthur Lira na Secretaria Municipal de Educação. Logo, manchetes: JHC rompe com Artur Lira.
Ora, pela lógica estabelecida na política alagoana, JHC, então, vai fechar com os Calheiros.
Nesta quinta-feira, 29 de maio, o governador Paulo Dantas deu uma declaração positiva sobre a vinda de JHC para a base de Lula, em se concretizando seu retorno ao PSB que, neste momento, é do controle do governador, uma vez que sua filha, Paula Dantas preside o partido. Contudo, o governador e seus mais próximos migrarão para o PSD, deixando o PSB livre para JHC.
Mas aí, instantes depois, JHC – ávido nas redes sociais – compartilha vídeo de Alfredo Gaspar atacando o governador. Além de sinalizar afastamento dos Calheiros, o gesto também pode ser entendido como reafirmação de rompimento com Arthur Lira
Alfredo Gaspar, apesar de não falar isso abertamente, vislumbra candidatura ao Senado como o nome dos bolsonaristas em Alagoas. E por causa disso, deverá deixar o União Brasil devido à federação que a legenda formará com o PP, cujo comando em Alagoas será de Arthur Lira. Não cabem dois nomes ao Senado que pescarão dos mesmos votos “soltos”.
Sim, “votos soltos” porque os amarrados, neste momento, estão com Renan Calheiros e Arthur Lira. Todos os prefeitos alagoanos tiveram apoio deles, ou em separado ou de ambos no mesmo palanque. Além do que, o prefeito de um quer dar o segundo voto ao Senado no outro. É o sonho de consumo para garantir emendas com aquele Congresso anabolizado de poder que temos em Brasília.
Mas como o seguro morreu de velho, já foi noticiado que os Calheiros começaram a investir no segundo voto ao Senado. Para mim, um claro aceno a JHC que, neste momento, parece não se empolgar com isso.
O hiperfoco de JHC agora é a tia no STJ. Pela lógica do jogo do poder em Alagoas, ter um nome numa corte superior é um impulso gigantesco. Nem redbull dá tanta asa assim. JHC, além de votos seus, de opinião mesmo, comanda a Prefeitura de Maceió; tem emissora de rádio e um canal de TV local; tem a mãe no Senado. O que falta? Uma toga e, no caso, não seria uma qualquer, mas uma no STJ.
Além disso, JHC não tem só o Alfredo Gaspar para fazer frente aos “grandões” de Alagoas. Neste momento, nada impede haver aproximação com Davi Davino Filho, que tem muito voto em Maceió, fruto da ONG de sua família, a “FunBrasil”.
Mesmo assim, não vejo JHC com essa força toda para peitar os Calheiros e os Lira agora. Aliás, ele é quem teria mais a perder. Se se lançar em 2026 e não eleger, seja ao Senado ou ao Governo do Estado, fica sem nada e, em boa medida, à mercê de Rodrigo Cunha, que assumiria a Prefeitura de Maceió. Sua mãe, Eudócia Caldas, não parece ter força para ser reeleita. Aliás, o prefeito de Maceió demonstrou nas eleições de 2024 só ter votos na capital. JHC e o PL não elegeram nada fora de Maceió.
JHC até pode optar terminar seu mandato como prefeito, o que avalio como improvável. Se ele ficar dois anos sem mandato, é grande o risco de morrer politicamente. Mas como em política até boi pode voar, essas movimentações de agora podem fazer o cenário político alagoano passar a ter três campos eleitorais.
Mas já pensaram se o vento muda a nuvem de lugar e os Calheiros e os Lira resolvem por se unirem, atendendo ao pleito de seus prefeitos, mesmo que de forma “branca”? Quem segura?