Pablo Gomes – Jornalista e cineasta

No início de março deste ano, uma reportagem publicada pelo jornalista americano Seth Abramson sugere que houve participação do Brasil na insurreição nos EUA, no dia 6 de janeiro. Na reportagem, intitulada “A Conexão Sombria do Brasil com o Secreto Conselho de Guerra de Trump do dia 5 de Janeiro está ficando mais evidente- e também traz alguns questionamentos”, Abramson revela que Trump e seus aliados podem ter tido ajuda do Brasil no planejamento da tentativa de golpe no dia 6 de janeiro.

A reportagem mostra que o encontro com aproximadamente 20 pessoas no Trump International Hotel em Washington na véspera da insurreição do dia 6 contou com a presença de Eduardo Bolsonaro, o filho “zero três” do presidente brasileiro Jair Bolsonaro. A reportagem indica que Trump pretendia encontrar ajuda estrangeira caso o golpe desse certo e que o Brasil seria um dos aliados. Quem confirmou a lista de presença foi um dos participantes do evento, Charles W. Herbster, um político republicano do estado de Nebraska.

Além de Eduardo Bolsonaro, Donald Trump Jr e Eric Trump (filhos do ex-presidente norte americano) e do senador republicano pelo Alabama Tommy Tuberville, a reunião golpista contou com a presença do empresário Michael Lindell, um dos principais articuladores da tentativa de golpe. Lindell esteve com Eduardo Bolsonaro um dia antes da invasão do Capitólio e chegou a confirmar a reunião em um vídeo publicado por ele mesmo nas redes sociais. Eduardo Bolsonaro também confirmou o encontro com Lindell e postou em suas redes sociais uma foto com o empresário. No entanto, não deixou claro o que foi discutido na reunião.

Lindell além de ser um dos articuladores da insurreição também é um dos conselheiros de Donald Trump. No dia 15 de janeiro, o jornal The Washington Post publicou uma foto de Michael Lindell enquanto ele visitava a Casa Branca. A foto mostrava que os documentos que Lendell carregava tinham aparentemente propostas para os últimos dias do presidente no governo. De acordo com o Washington Post, tais propostas seriam a implantação do Insurrection Act – que permitiria a convocação das forças armadas e a declaração de lei marcial se fosse necessária. O documento também acusava a China e o Irã de estarem por trás da suposta fraude eleitoral, criando mais um pretexto para convocar as forças de emergência e as forças nacionais caso os EUA escalasse uma agressão militar contra esses países.

A presença de Eduardo Bolsonaro na tentativa de golpe nos EUA não é uma coincidência. Abertamente golpistas, a família Bolsonaro até hoje apoia o sangrento golpe militar de 1964, que durou 20 anos, e que matou e torturou inimigos políticos. No dia da votação da abertura de processo de impeachment contra Dilma Rousseff, Jair Bolsonaro dedicou o seu voto ao Coronel Brilhante Ustra, torturador da então ex-presidente.

A todo o momento, os Bolsonaros não somente apoiam o golpe de 64 como ameaçam o país com o novo golpe sem nenhum pudor. Desde que assumiu a presidência, Bolsonaro ameaça convocar as forças armadas para fechar o Congresso e o Supremo Tribunal Federal alegando ter condições legais para isso ao fazer uma interpretação golpista do artigo 142 da Constituição Federal. Ensaiando uma narrativa parecida com a que Trump usou nos EUA em 2020, Jair Bolsonaro já admite não aceitar uma provável derrota nas próximas eleições. Em 2018, ele chegou a alegar que as eleições que o elegeram foram fraudadas. “A minha eleição foi fraudada. Eu tenho indícios de fraude na minha eleição. Era para eu ter ganho no primeiro turno.”

No dia da Insurreição em Washington, Jair Bolsonaro apoiou o movimento golpista nos EUA, e escreveu em seu twitter: “Eu acompanhei tudo. Você sabe que eu sou ligado ao Trump. Você sabe da minha resposta. Agora, muita denúncia de fraude, muita denúncia de fraude. Eu falei isso um tempo atrás”.

A presença de Eduardo Bolsonaro em Washington no dia da invasão do Capitólio faz parte de uma estratégia política deliberada que não se limita apenas em apoiar um golpe nos Estados Unidos, mas também serve de ensaio para o que poderá acontecer em 2022 no Brasil.

Enquanto isso, nos EUA, nenhum congressista republicano que participou indiretamente da insurreição do dia 6 ou articuladores próximos a Donald Trump foram punidos. A tentativa dos democratas de tentarem minimizar a crise através de uma abertura de processo de impeachment semanas após a invasão do Capitólio, foi sabotada pelo  próprio partido ao dispensar testemunhas fundamentais que provariam a participação não somente de aliados muito próximos a Trump como também de congressistas republicanos.

Uma investigação em andamento conduzida pelo FBI aponta que uma pessoa próxima a Donald Trump esteve em contato com membros do “Proud Boys” nos dias que antecederam a invasão do Capitólio. No entanto, até o momento, nenhuma liderança foi indiciada, presa ou condenada, embora o FBI tenha em mãos conversas de celulares entre grupos fascistas e lideranças do gabinete do ex-presidente norte americano.

Semelhantemente, no Brasil, o congresso tampouco pediu explicações a Eduardo Bolsonaro sobre sua viagem aos Estados Unidos dias antes do ataque ao Capitólio. No dia 4 de janeiro, o jornal O Globo publicou uma matéria chamando a viagem de Bolsonaro aos EUA de “visita surpresa” à Casa Branca. No dia seguinte, Eduardo Bolsonaro postou uma foto dele e de sua esposa Heloísa ao lado de Ivanka Trump (filha do ex-presidente) segurando a filha bebê do casal. Embora nem a imprensa brasileira nem o congresso tenha questionado a presença de Bolsonaro na Casa Branca na semana da tentativa de golpe, Heloísa revelou em uma de suas postagens que a viagem foi planejada de última hora. “Essa viagem foi confirmada recentemente, de última hora. Nós estávamos no verão, tive que pensar em roupas de frio”, escreveu.

Não há duvidas de que Eduardo Bolsonaro estava em Washington arquitetando junto com outros golpistas, a invasão do Capitólio e até onde eles isso chegaria na tentativa de anular o resultado das eleições que elegeram  Joe Biden como presidente dos Estados Unidos. Mas o mais revelador desse episódio é a cumplicidade do congresso e da polícia americana em não punir os verdadeiros conspiradores. Há indícios que Eduardo Bolsonaro também esteja sendo investigado pelo FBI, mas até o momento nada leva a crer que tanto ele quanto outros criminosos serão processados e julgados por tentativa de golpe de estado. Um dos motivos é a própria cumplicidade do partido democrata e da administração Joe Biden, que até o momento não agiu para que os conspiradores fossem punidos. Tal irresponsabilidade está abrindo caminho para uma reação fascista muito maior e violenta que a de 6 de janeiro.

Da mesma forma, no Brasil, com a cumplicidade da imprensa brasileira e do congresso nacional, Eduardo Bolsonaro retorna ao país sem prestar contas de sua viagem golpista. Em 2022, ele não somente tentará algo parecido com a insurreição no Capitólio, como aparentemente já desenha estratégias que com certeza serão mais eficientes do que as que falharam em Washington no dia 6 de janeiro.

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