A condenação dos 8 militares que executaram o músico Evaldo Rosa dos Santos e o catador Luciano Macedo é uma virada contra a impunidade de crimes de Terrorismo de Estado.

Publicamos a seguir a Coluna do Leonardo Sakamoto:

O Tribunal de Justiça Militar condenou, nesta quinta (14), oito militares do Exército pela execução do músico Evaldo Rosa dos Santos e do catador de materiais recicláveis Luciano Macedo. O caso é um exemplo típico do terrorismo cometido pelo Estado brasileiro. Quem puxou o gatilho recebeu penas entre 28 e 31 anos. Mas apesar deste revés, os idealizadores e incentivadores dessa política seguem livres e vão ainda causar muitos danos.

Cabe apelação. Os condenados devem ficar em liberdade até uma decisão final do Superior Tribunal Militar.

Evaldo foi executado diante de sua família após o carro em que estavam ser alvo de mais de 80 tiros, em Guadalupe, Zona Norte do Rio de Janeiro, no dia 7 de abril de 2019. Sua esposa, seu filho de sete anos, uma afilhada, de 13, e seu sogro assistiram à sua morte. Todos iam a um chá de bebê.

Se você deduziu qual a cor da pele de Evaldo, o que serviu como gatilho para a ação, parabéns. Você conhece bem o país em que vive.

Já Luciano foi atingido quando tentava ajudar a família do músico que estava no veículo (e, por sorte, sobreviveu). Ele faleceu 11 dias depois. No julgamento, a defesa dos militares tentou, de forma covarde, culpar alguém que morreu como herói, afirmando que o catador pertencia ao tráfico e era o responsável pela morte de Evaldo. Num país em que o governo federal terceiriza a responsabilidade por mortes em massa, essa justificativa porca ganha espaço.

A política informal de execução de pobres e negros nas periferias não é uma novidade no Rio de Janeiro. Eles têm sido abatidos cotidianamente pelas mãos do tráfico, de milicianos, de policiais e militares. Em abril de 2019, o diferencial era a tempestade perfeita criada por um governador e um presidente da República que elogiavam execuções cometidas por agentes de Estado – o que era recebido como apoio explícito.

Não era a mão de mandatários como, na época, Wilson Witzel e Jair Bolsonaro que seguraram os fuzis. Mas foi a sobreposição dos discursos de ambos, promovendo, premiando e justificando execuções pelas mãos do poder público, e as políticas encabeçadas por eles, que ajudaram a tornar a execução de pobres e pretos algo banal sob a justificativa do bem maior.

Nesse ponto de vista, mortes como a de Evaldo e Luciano foram encaradas como “danos colaterais” aceitáveis no caminho de um Estado seguro. O problema é que um Estado que mata indiscriminadamente não é seguro, mas autoritário e ditatorial. Nele, qualquer um com a cor de pele e a classe social “erradas” podem se tornar suas vítimas. E ainda terem que pedir desculpas depois de mortos, como queria a defesa dos executores.

Esses “danos” se repetem aos milhares, todos os anos. Na última década, uma pessoa negra teve ao menos duas vezes mais riscos de ser assassinada, de acordo com o Atlas da Violência 2021, lançado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) em agosto.

Em 2019, ano do assassinato de Evaldo e Luciano, essa diferença foi a segunda maior registrada no período: 2,6 vezes. Os negros foram 75,7% das vítimas de homicídios no Brasil e eram 56,8% da população.

Em julho de 2017, reportagem do UOL apontava que nove entre cada dez pessoas mortas pela polícia no Estado do Rio de Janeiro eram negras. O dado foi obtido através da Lei de Acesso à Informação. Organizadas com base em boletins de ocorrência da Polícia Civil, as informações mostraram que, ao menos, 1227 pessoas foram mortas pela força policial entre janeiro de 2016 e março de 2017. Metade delas tinham até 29 anos. A maioria na periferia.

Fonte: Uol

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