Sargento beijou aluna de 13 anos na boca à força e foi condenado por assédio e atentado violento ao pudor. Se fosse julgado pela Justiça civil ele poderia responder por estupro de vulnerável
Um sargento do Exército, professor do Colégio Militar de Brasília, foi condenado a quatro anos e oito meses de prisão por assediar sexualmente uma aluna de 13 anos. A decisão, a qual cabe recurso, é de outubro do ano passado e foi divulgada na terça-feira (11) pela Justiça Militar.
Segundo a denúncia do MPM (Ministério Público Militar), o professor assediou uma estudante do 8° ano do ensino fundamental com um beijo na boca, na sala do espaço musical do colégio. Ele era músico e dava aulas de percussão à menina. O caso foi denunciado em 2018.
A condenação importou, excepcionalmente, o crime de assédio sexual da lei penal comum, possibilidade que ocorre desde 2018, quando foi sancionada uma lei que, entre outras coisas, amplia o entendimento sobre crimes analisados dentro da corporação militar. Por isso, o sargento foi condenado tanto por assédio (crime civil) quanto por atentado violento ao pudor (crime militar) em uma mesma sentença, com unificação das penas.
De acordo com especialistas, ainda que a “importação” de penas seja possibilitada por lei, esse foi um caso raro e, ainda assim, houve uma pena menor do que se o sargento fosse julgado pela Justiça comum.
Antes do episódio, ainda segundo a acusação do MPM, o professor costumava prolongar o tempo de intervalo das aulas para conversar a sós com a adolescente. Por WhatsApp, ele também enviava mensagens com músicas de conteúdo amoroso, além de escrever declarações como “estou apaixonado”, “te amo, te amo, te amo” e “vou fazer você feliz”.
Feminicídio e estupro de vulnerável
Na avaliação da advogada criminal Maira Pinheiro, integrante da Rede Feminista de Juristas, caso fosse julgado pela Justiça civil, o sargento, que pertencia ao Batalhão de Polícia do Exército, poderia responder por estupro de vulnerável — quando a vítima é menor de 14 anos ou não é capaz de oferecer resistência.
A previsão de pena para o crime de atentado violento ao pudor é de dois a seis anos, no Código Penal Militar. Já um civil condenado por estupro de vulnerável pode pegar de oito a 15 anos.
O código da corporação, de 1969, não prevê os crimes de assédio sexual ou estupro de vulnerável. Crimes criados mais recentemente, como o feminicídio e a importunação sexual, também não estão previstos no rol de práticas a que os militares poderiam responder.
A lei, para eles, ainda utiliza definições antigas. O crime de estupro, por exemplo, é considerado apenas em casos envolvendo mulheres e em que existe “conjunção carnal”, ou seja, a penetração — ideias abolidas pelo Código Penal de 2009, para civis. Todos os outros delitos sexuais que não envolvem a prática são considerados como “atentado violento ao pudor”, explica a advogada.
“Essa distinção é um contrassenso. Se ele beijasse uma criança de 13 anos fora da escola no horário de folga, ele poderia ter o dobro de pena”, afirma Pinheiro. “A condição de militar fez com que ele estivesse sujeito a uma pena máxima que é menor que a pena mínima do crime imposto ao civil”.
O advogado Fernando Capano, especialista em Direito Militar, explica que o professor foi julgado na Justiça militar porque os delitos foram cometidos por militar ou em ambiente militar. “Embora seja uma escola, uma instituição educacional, o colégio militar está equiparado a um quartel. Portanto, tem regramento próprio.”
O especialista avalia que a legislação específica para os militares tem que ser atualizada. “O código penal militar precisa ser urgentemente revisto porque é uma peça de 1969, que obviamente está desatualizada com os valores não só da atual Constituição, de 1988, como do mundo moderno. Hoje estamos inseridos e imersos em uma sociedade completamente distinta daquela sociedade que havia lá em 1969”, diz o advogado.
Defesa alegou que menina sofria danos psicológicos
Em sua defesa no processo relacionado ao Colégio Militar de Brasília, o sargento negou ter beijado a garota e afirmou que suas aulas de música eram diferenciadas, já que ele precisava estar “corpo a corpo” com os alunos. E disse ainda que enviou as mensagens à menina porque queria ajudar a aluna, que estava em um quadro de depressão.
A defesa do professor alegou ainda, no processo, que não foram causados danos psicológicos à estudante por causa do episódio, mas que eles já existiam, especialmente por causa de desavenças escolares, baixa autoestima e pelo quadro de saúde do pai da aluna — argumentos rejeitados pelo juiz.
A advogada Maira Pinheiro lamentou a postura da defesa do professor, mas comemorou a condenação. “A linha adota pela defesa é lamentável. É bastante criticável um colega ir pelo caminho de estigmatizar as mulheres como loucas. Mas, ainda bem, essa estratégia não vingou, porque isso é mais uma forma de violência contra a vítima.”
O CPJ (Conselho Permanente de Justiça), composto por uma juíza federal e mais quatro oficiais do Exército, condenou o militar por unanimidade. O professor foi afastado do cargo, mas ainda pode recorrer da condenação.
Fonte: Pragmatismo Político