Familiares de Ryan da Silva Andrade Santos, de 4 anos, protestaram pela presença de agentes; um policial chegou a apontar arma para fotógrafa do GLOBO
O enterro do menino Ryan da Silva Andrade Santos, de 4 anos, na manhã desta quinta-feira (7), em Santos, foi marcado pela intimidação de agentes da Polícia Militar. Em diferentes momentos, do velório ao sepultamento, policiais da corporação estiveram presentes nos arredores da cerimônia. Uma viatura chegou a impedir a passagem dos familiares e amigos durante o cortejo do corpo pelo Morro de São Bento, onde ocorreu o assassinato.
Um dos policiais apontou um fuzil em direção à fotógrafa do GLOBO, Maria Isabel Oliveira, e disse: “toma cuidado”. Questionado, o coronel Valmor Racorti, comandante do Policiamento de Choque, desculpou-se pela postura do policial. Posteriormente, informou que a Polícia Judiciária, acompanhada da Corregedoria, irá instaurar um procedimento apuratório com prazo de dez dias para conclusão.
— Referente ao fuzil, não diria apontado. Levantamos vídeos, inclusive de moradores. Face à situação que é, eles colocam fuzil para fora. Mas vamos instaurar procedimento apuratório. É lógico que vamos orientá-los a tomar cuidado, porque pode dar dupla interpretação. Precisamos entender […], vamos apurar — afirmou.
O menino foi morto durante uma ação policial na terça-feira à noite. Na mesma abordagem, um adolescente de 17 anos também morreu. Outro de 15 anos foi alvejado e se encontra no hospital. Em coletiva de imprensa, a PM admitiu que o tiro partiu “possivelmente” da arma de um policial e afirmou que os agentes se defenderam de criminosos. O pai de Ryan, Leonel Andrade Santos, de 36 anos, foi morto em 9 de fevereiro no mesmo morro em ação policial.
Ainda durante o velório, duas viaturas do 6º Batalhão de Polícia Militar do Interior, responsável pela Baixada Santista e Vale do Ribeira, posicionaram-se ao lado do prédio onde ocorria a cerimônia, da Santa Casa, perto da entrada do morro. Questionados por lideranças de movimentos sociais e familiares, eles recuaram e saíram. Mais adiante, durante o cortejo, uma viatura do Choque fechou a rua Nove do Morro de São Bento e impediu, por alguns minutos, a passagem do corpo seguido da carreata.
Ao GLOBO, o coronel Rogério Nery Machado, comandante 6º Batalhão de Polícia Militar do Interior, afirmou que “a viatura estava em patrulhamento naquela área, visando a segurança das pessoas presentes”. Já o coronel Racorti, do Choque, disse que os policiais não tinham ordem para impedir o cortejo “de forma alguma”.
— Não era a orientação. Essa área é de patrulhamento — disse. — Eles estavam parados na rua Nove, o cortejo entrou na rua. Eles manobraram a viatura, realmente seguraram o cortejo por segurança para a viatura não ficar no meio do cortejo e saíram. A intenção não era interromper o cortejo, mas sim por questão de segurança retirar a viatura — acrescentou.
Depois do sepultamento, uma abordagem policial a um motoqueiro na rua da frente do cemitério acabou em confusão. Claudio Aparecido da Silva, ouvidor de Polícia, discutiu com os policiais, questionando sobre a necessidade da presença deles ali.
— É repudiante, é um absurdo. Aqui no estado de São Paulo virou política governamental colocar polícia em velório de gente que morre pelas mãos da própria polícia para intimidar as pessoas. Isso é vergonhoso, é o cúmulo da falta de respeito aos direitos fundamentais das pessoas. Neste estado não pode mais ter ato fúnebre? — questionou Silva.
Ele afirmou que a ouvidoria acionará o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), para pedir que operações em favelas sejam conduzidas com o uso de câmeras corporais.
Nenhum dos oito policiais envolvidos na ação da morte de Ryan estava usando câmera. O porta-voz da PM, coronel Emerson Massera, explicou em coletiva de imprensa que a ocorrência foi na área do 6º Batalhão, que não dispõe do equipamento.
Comoção
Durante todo o cortejo pelo Morro de São Bento, uma tradição de familiares de mortos pela PM ali, o corpo de Ryan foi homenageado por moradores que se posicionaram nas portas de casas, escolas e comércio.
Professores e alunos da escola onde a mãe do menino, Beatriz da Silva Rosa, trabalhava como merendeira se enfileiraram na frente do muro e aplaudiram a carreata, bastante emocionados. Os moradores do morro soltavam fogos de artifício à medida que o cortejo passava. Muitos choravam e gritavam por justiça.
Já no cemitério, crianças soltaram balões brancos, símbolo da paz, uma última homenagem a Ryan. Ester, tia da mãe do menino, falou umas últimas palavras enquanto o caixão branco era colocado numa cova vertical: “A lei está aí para eles serem presos, não mortos. Saem atirando e ainda pega numa criança de 4 anos. Por que eles não pararam os moleques ao invés de atirar? Agora a mãe dele está aqui, é ela que vai sofrer pela perda dele. Isso tem que acabar”, disse Ester.
Bastante abalada, sem nem conseguir caminhar, Beatriz acompanhou todo o trajeto de cadeira de rodas, gemendo e repetindo baixinho: “Meu filho foi embora. O que vou fazer sem meu filho?”.
Enterro de adolescente
O enterro do adolescente Gregory Ribeiro Vasconcelos, de 17 anos, morto na mesma ação no Morro de São Bento, ocorreu na tarde desta quinta-feira em Santos. Duas viaturas da PM se posicionaram dentro do cemitério durante a cerimônia para proteger o mausoléu da corporação.
Revoltada, a família disse que a PM não deixou ninguém socorrer o rapaz, que teria ficado “agonizando” antes de ser encaminhado à Unidade de Pronto Atendimento. Segundo uma prima do adolescente, a polícia tinha uma foto dele no celular logo depois da morte e teria perguntado aos familiares se ele era parente.
Fonte: O Globo