Pablo Gomes – Jornalista e cineasta

A queda do regime afegão liderado pelo presidente Ashraf Ghani e apoiado pelos EUA foi um dos momentos mais vergonhoso para o imperialismo norte americano nos últimos anos. Desde a criminosa invasão ao país em 2001, a guerra que durou 20 anos só conseguiu ser mantida através de mentiras, torturas, prisões ilegais e assassinato de civis.

Com a retirada das tropas americanas e a eventual queda de Ghani, o grupo terrorista extremista Taliban tomou o poder, provocando desespero em milhares de pessoas que são consideradas inimigas do grupo radical. Imagens de multidões fugindo de Kabul e desesperadamente tentando embarcar em aviões ao se pendurar nas aerovaves que saíam do aeroporto da capital, chocaram o mundo. Ao menos quatro pessoas morreram ao despencar de uma aeronave militar americana enquanto decolava. Um dos mortos era um jovem jogador de futebol de apenas 17 anos.

No mesmo dia que ocupou a capital do país, o Taliban tomou o palácio presidencial e anunciou a formação de um novo governo. O grupo também ocupou a base aérea de Bagram, que até então era controlada por forças da OTAN, liberando mais de 7 mil prisioneiros detidos pelo regime afegão e pelas tropas americanas.

Em 20 anos de ocupação, um total de 146.436 afegães foram mortos por causa da guerra. Cerca de 2.500 soldados americanos, incluindo cerca de 3.900 militares não soldados e 1.144 soldados da ONU estão na lista de mortos pela invasão e ocupação criminosa dos EUA e de seus aliados ao Afeganistão. O custo da guerra, de cerca de 2 trilhões de dólares somente aos EUA, deve também aumentar para cerca de 6.5 trilhões de dólares, o que vai causar um enorme impacto na vida da classe trabalhadora americana, que acabará pagando os custos da ações criminosas do imperialismo. Ou seja, a guerra do Afeganistão apenas causou milhares de mortes, uma dívida gigantesca, e no fim, um resultado catastrófico para centenas de milhares de pessoas envolvidas diretamente e indiretamente na guerra.

O desastre no Afeganistão, no entanto, não é um evento isolado. Desde o colapso da União Soviética e de seu regime Stalinista em 1991, Washington acreditava que sua hegemonia mundial seria responsável por uma “Nova Ordem Mundial” em que os EUA teria o maior controle de todas as decisões políticas e econômicas mundiais. No mesmo ano, em 1991, a Guerra do Golfo no Iraque foi usada como primeira grande demonstraçao de força por parte de Washington como única grande potência mundial econômica e militar do planeta. Uma no depois, em 1992, o Pentágono publica um documento admitindo que o objetivo de Washington é descorajar qualquer nação avançada industrialmente a desafiar a liderança dos EUA ou até mesmo de obter um papel importante no cenário geopolítico mundial.

Essa cartilha, usada até hoje, é o que rege o imperialismo norte americano e sua hostilidade à Rússia e China, que hoje obtem um papel importante em várias regiões do mundo.

A invasão e a guerra do Afeganistão se deu nesse contexto de controle geopolítico mundial liderado por Washington, já que a região é estratégica na Ásia central e Eurásia, o que fortaleceria os EUA contra o avanço da China e Rússia e até mesmo de outras potências imperialistas europeias. O argumento de “Guerra ao Terror” não passava apenas de uma grande falácia, já que grupos radicais islâmicos como Al Qaeda e Taliban foram financiados pelo próprio governo americano nos anos 70 e 80 como tentativa de desestabilizar a União Soviética.

Há alguns meses, eu escrevi nesta coluna… “Depois de duas décadas de invasões no Oriente Médio, e sobretudo, das invasões do Iraque e Afeganistão, o imperialismo americano se vê sem nenhum saldo positivo dessas empreitadas. Pelo contrário, a atual gestão no Afeganistão se vê completamente perdida, dividida entre escândalos de corrupção e sem nenhum avanço político. Anthony Cordesman, do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS) escreveu recentemente, que o Talibã tem ganhado força e que o regime de Ashraf Ghani está “sem esperança, dividido, corrupto e ineficiente”.  E de fato, a queda do governo Ghani se deu mais rápido do que muitos esperavam.

Mas a humilhante derrota e o desastre causado por Washington no Afeganistão acende um grande sinal de alerta. Os EUA não irão descansar de sua empreitada imperialista e uma possível ofensiva contra o Afeganistão não pode ser descartada. Desde 2001, Washington e seus aliados bombardearam Paquistão, Síria, Líbia, Iraque e Iemen causando uma crise política e econômica imaginária e uma das maiores crises humanitárias dos últimos 100 anos. As agressões de Washington no Oriente Médio, Ásia e Eurásia não irão se acalmar com a cada vez maior força política e econômica por parte da Rússia, e sobretudo, da China. Com a crise do capitalismo, acelerada ainda mais pela pandemia do Covid-19, Wall Street pressionará o imperialismo americano para que o país siga com suas “aventuras militares” a fim de manter a liderança econômica e a fortuna dos EUA, que depende das invasões, guerras e controle de recursos naturais por meio da força e violência.

A crise da pandemia do Covid-19 mostrou ao mundo que a burguesia mundial não tem apreço algum pela classe trabalhadora. Milhões de pessoas perderam suas vidas ou foram afetadas direta ou indiretamente enquanto bancos, Wall Street e a elite política e empresarial lucraram como nunca antes. Se a morte de milhões de pessoas por um vírus sem controle não trouxe nenhum tipo de empatia e/ou remorso por parte da burguesia mundial, ninguém pode acrediar que será diferente com a morte de mais alguns milhões por conta das guerras imperialistas. O  foco de Washington agora é China, Rússia e Irã, países militarmente fortes e com acesso a armamento nuclear. Uma guerra entre esses países teria proporções imagináveis causando milhões de mortos no mundo todo.

O sinal de alerta para a classe trabalhadora no mundo inteiro é que as cenas de horror vistas em Kabul poderão ser vistas em outros locais do mundo à medida que as elites mundiais lideradas por Washington, desestabilize mais regiões em nome do lucro e da tentativa desesperada de salvar o cada vez mais decadente sistema capitalista.

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