Cid Olival Feitosa

Doutor em Desenvolvimento Econômico pela Unicamp e Professor de Economia da Ufal

Pouco mais de trinta dias após a aprovação da autonomia do Banco Central (BC), na Câmara dos Deputados, o Comitê de Política Monetária (Copom), vinculado ao BC, elevou a taxa básica de juros, a Selic, em 0,75 pontos percentuais, passando-a de 2% para 2,75% ao ano.

A decisão explicita ainda mais os interesses rentistas envolvidos na sanha de reduzir a participação do Estado na economia, como a já citada autonomia do BC[i], juntamente com a implantação de medidas que beneficiam apenas os grandes empresários e o setor financeiro em detrimento da classe trabalhadora, como a PEC do teto de gastos, a reforma trabalhista, a reforma da previdência e a proposta de reforma administrativa, em tramitação no Congresso, para citar algumas.

Embora pareça óbvio, é importante dizer que qualquer medida de política econômica precisa levar em consideração o contexto nacional e internacional e a busca pelo atendimento das necessidades da maioria da população, e não de um seleto grupo, sob o risco de agravar as desigualdades econômicas e sociais do país.

A deliberação do BC “independente”, no entanto, contraria essa premissa! O argumento de que o aumento dos juros visa reduzir as pressões inflacionárias e da taxa de câmbio esconde, sob a falácia da decisão técnica, quem são os reais ganhadores.

Em primeiro lugar, as principais causas da inflação observada neste momento decorrem do aumento dos preços dos alimentos e dos combustíveis, cotados no mercado internacional. Significa dizer que estamos passando por pressões inflacionárias de custos, que não são resolvidas com o aumento dos juros. Medidas para o abastecimento do mercado interno, via política de segurança alimentar, e de revisão da política de preços dos combustíveis adotada pela Petrobrás, desvinculando-os das oscilações dos preços internacionais do petróleo seriam muito mais eficazes.

Em segundo lugar, o argumento de que a elevação dos juros poderia atrair capitais internacionais, reduzir a taxa de câmbio, baratear importações e contribuir para a queda da inflação é, no mínimo, bastante frágil. Sob o ponto de vista da teoria econômica, existem evidências de que os movimento de capitais para países como o Brasil são determinados, na maioria das vezes, por fatores externos, e não pelo simples aumento da taxa de juros, como quer fazer crer o presidente do BC[i]. Além disso, as incertezas provocadas pela pandemia fazem com que os agentes econômicos busquem proteger seus recursos demandando moedas fortes, como o dólar. Até mesmo alguns economistas liberais reconhecem que a elevação dos juros terá pouco ou nenhum efeito sobre a taxa de câmbio, no atual cenário, mas contribuirá para agravar ainda mais a desaceleração da economia[ii].

Diga-se de passagem, os indicadores da atividade econômica brasileira não apresentam qualquer justificativa para a elevação dos juros, que encarece o crédito, compromete os investimentos e reduz a demanda por bens e serviços. Se considerarmos a queda do PIB de 4,1% e a taxa de desemprego de 13,5%, em 2020, o nível de confiança da indústria, a desaceleração das atividades do varejo, o agravamento da pandemia e as novas medidas de lockdown nesses primeiros meses de 2021, que tendem a aumentar a perda de renda provocada pelo fechamento de negócios, elevar o desemprego e comprometer a recuperação da economia, a medida do BC parece ainda mais descolada da realidade da maioria da população.

Cabe registrar que a decisão do órgão brasileiro vai na contramão das decisões tomadas por bancos centrais ao redor do mundo, que têm mantido seus juros baixos e ampliado as medidas fiscais de estímulo à economia.

Mas se o aumento da taxa de juros terá efeito praticamente nulo sobre as pressões inflacionárias atuais, por que o BC tomou essa decisão?

Simples! Para atender aos interesses dos rentistas! Com juros de 2% ao ano e taxa de inflação de 5,2%, alguns ativos financeiros estão rendendo menos, levando os investidores a uma perda de recursos da ordem de 3,2%. Para recompor a perda patrimonial desses ativos, o Copom não apenas elevou os juros como já sinalizou que continuará com o ciclo de alta da Selic, nas reuniões futuras. Viva o Banco Central independente!


[i] Para quem tiver interesse, ver estudo do Centro de Pesquisa em Macroeconomia da Desigualdade – Made-USP: https://madeusp.com.br/2020/10/por-que-a-desvalorizacao-do-real-em-2020-nao-serve-como-defesa-do-teto/

[ii] Alta dos juros terá pouco ou nenhum efeito sobre o câmbio, diz Pastore https://valorinveste.globo.com/mercados/brasil-e-politica/noticia/2021/03/08/alta-de-juros-ter-pouco-ou-nenhum-efeito-sobre-o-cmbio-diz-pastore.ghtml


[i] Veja matéria publicada aqui na RCP, através do link https://rcpalagoas.com.br/banco-central-independente-de-quem/

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