Governador Cláudio Castro (PL), aliado de Bolsonaro, transformou a Ceperj num imenso cabide de emprego e foco de corrução.
Funcionários contratados por meio de cargos secretos pela Fundação Ceperj (Centro Estadual de Estatísticas, Pesquisas e Formação de Servidores Públicos do Rio) sacaram R$ 226,4 milhões em dinheiro no Banco Bradesco somente nos sete primeiros meses deste ano. A informação é proveniente de uma investigação realizada pelo MP-RJ (Ministério Público do Rio) após reportagens publicadas pelo UOL.
Os dados constam em uma ação que tramita desde domingo (31) na 15ª Vara de Fazenda Pública do Rio. Nela, os promotores pedem a suspensão de novas contratações pelo órgão a não ser que haja transparência. O volume sacado em espécie nas agências onde os funcionários recebem seus pagamentos representa 91% de tudo o que a fundação pagou a eles em 2022 (R$ 248,9 milhões).
O levantamento do MP-RJ baseou-se em uma planilha fornecida pelo banco em que aparecem 27.665 pessoas pagas pela Ceperj ao longo deste ano. O número supera a estimativa feita inicialmente pelo UOL, de cerca de 18.000, que se baseou em documentos públicos disponíveis até o mês passado.
Na ação, os promotores Eduardo Santos de Carvalho, Gláucia Santana e Silvio Ferreira de Carvalho Neto afirmam que os saques em espécie são “um procedimento que afronta as mais comezinhas regras de prevenção à lavagem de dinheiro”.
O governo estadual ainda não foi notificado da ação, e a Justiça ainda não decidiu se concede a liminar que poderá suspender novas contratações e impedir que novos pagamentos sejam feitos na “boca do caixa”.
Ontem (1º), a fundação também suspendeu por um mês o projeto Casa do Trabalhador, que possui 9.000 cargos secretos para que seja feita uma auditoria. A medida foi tomada após reportagem do UOL.
Meio milhão em um só dia
Nas investigações realizadas pelo MP-RJ, o volume de saques em dinheiro em uma agência na cidade de Campos dos Goytacazes chamou a atenção dos promotores.
Em oito datas, entre janeiro e junho, foram sacados pelo menos R$ 300 mil em espécie em cada uma delas. O maior volume, no dia 14 de junho, chegou a R$ 536 mil.
“A realização de saques de dinheiro em grande volume, tal como acima retratado, constitui nítida afronta às normas de prevenção à lavagem de dinheiro”, reforçaram os promotores.
O MP-RJ também aponta que a prática traz indícios de que parte dos valores poderia estar sendo repassada pelos funcionários a terceiras pessoas, em um esquema de rachadinha:
“É manifesto, portanto, o risco de que a pessoa responsável por arregimentar a mão de obra contratada coordene as operações de saque em espécie para a mesma data, de modo a facilitar que parcela da remuneração dos contratados lhe seja repassada sem deixar rastros no sistema financeiro”.
Os promotores dizem ainda que “o levantamento de quase R$ 226,5 milhões em espécie implica em um volume incomensurável de dinheiro oriundos dos cofres públicos circulando ‘por fora’ do sistema financeiro, cuja efetiva destinação será impossível de verificar”.
Um funcionário, três salários
Outra constatação dos promotores foi a presença de funcionários públicos entre os cargos secretos da Ceperj, conforme já havia sido mostrado em reportagem do UOL.
O MP-RJ constatou, porém, que não só há servidores recebendo salários extras dessa forma, como eles também vêm ganhando dois pagamentos da fundação, além do que recebem na folha de pagamento regular do estado.
Foram identificados um caso de uma servidora do DER (Departamento de Estradas e Rodagem) e outro da Secretaria Estadual de Governo, que “sugerem que estejam ganhando através de dois projetos diferentes da Ceperj”.
Com algumas exceções, como profissionais de saúde e professores, tanto o estatuto do servidor fluminense quanto a Constituição Federal proíbem o acúmulo de cargos ou funções.
O que o UOL já revelou
Na petição inicial da ação do MP-RJ, de 79 páginas, o UOL foi citado 15 vezes. Confira o que já foi publicado sobre os cargos secretos do governo Cláudio Castro (PL).
O escândalo foi revelado no fim de junho. Em reportagem exclusiva, o UOL mostrou que o governo do Rio mantém ao menos 18 mil vagas de trabalho na Ceperj sem nenhuma transparência.
Um dos projetos com cargos secretos recebeu transferência relâmpago de R$ 58 milhões com verbas da educação.
Levantamento feito com dados da Secretaria Estadual de Fazenda mostrou que Cláudio Castro aumentou em 25 vezes o orçamento da fundação desde que assumiu o cargo. Somente neste ano, o incremento chegou a R$ 300 milhões até junho.
Uma planilha elaborada pela Secretaria de Trabalho implica diretamente Castro no escândalo. O documento recebeu o nome de “governador” e tratava do orçamento para 9.000 cargos secretos. Procurada, a Secretaria de Trabalho afirmou que iria apurar se houve “um erro na confecção da planilha”.
Após a revelação do UOL, o governo chegou a colocar o documento sob sigilo, mas voltou atrás.
Reportagem exclusiva também mostrou que polos do programa Casa do Trabalhador, o maior dentre os que têm folhas de pagamento secretas, estão sendo controlados por pré-candidatos do Podemos, partido presidido pelo secretário de Trabalho e Renda, Patrique Welber. A pasta afirmou que “as unidades do projeto são equipamentos públicos e não têm finalidade político-partidária”.
O UOL revelou ainda que um código genérico foi usado pela Fundação Ceperj para esconder R$ 284 milhões em pagamentos a contratados nesses cargos secretos. O governo alega que não há ilegalidade e que isso foi feito para dar “agilidade no processo interno”.
A última reportagem mostrou que funcionários públicos estão recebendo salários extras por meio dos cargos secretos de projetos da Ceperj. O tema está entre os que estão sendo abordados na auditoria feita pelo governo estadual.
Fonte: Uol