O presidente Jair Bolsonaro durante solenidade de Ação de Graças, no Palácio do Planalto.

Medida provisória do “trabalho voluntário” permite emprego sem carteira e salário menor que o mínimo, entre outros ataques a direitos dos trabalhadores

A CUT e juízes do trabalho criticam aprovação pela Câmara dos Deputados da Medida Provisória (MP) 1.099/2022, que cria o chamado Programa Nacional de Prestação de Serviço Civil Voluntário. A proposta, aprovada nessa quarta-feira (11) no plenário da Casa, é direcionado a jovens de 18 a 29 anos e a pessoas com 50 anos ou mais sem emprego formal há mais de dois anos. A MP institui um programa de serviço civil voluntário remunerado por bolsas pagas pelos municípios e vinculado à realização de cursos pelos trabalhadores que forem selecionados.

A matéria comprova que a obsessão do governo de Jair Bolsonaro (PL) em retirar direitos trabalhistas está cada vez mais evidente. Uma outra MP (nº 1.045), com o mesmo teor, já havia sido encaminhada pelo governo, passou pela Câmara, mas foi derrotada no Senado, em setembro do ano passado.

Na ocasião, a derrota se deu graças à mobilização popular promovida sobretudo pelas centrais sindicais. Também se empenharam na derrubada da proposta entidades como Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) e Ministério Público do Trabalho (MPT), que conseguiram demonstrar aos senadores os enormes prejuízos que a medida traria aos trabalhadores e trabalhadoras.

Agora, o governo volta com a mesma proposta de “trabalho voluntário” graças a emendas da deputada bolsonarista, Bia Kicis (PL-DF), incluídas na nova medida provisória.

De acordo com o texto da MP, o programa terá duração de dois anos e será bancado integralmente pelas prefeituras – não haverá repasse de verbas federais ou estaduais. Os trabalhadores contratados terão jornada máxima de 22 horas semanais, não podendo ultrapassar oito horas diárias. A “bolsa” paga será de R$ 5,51 por hora, equivalente ao valor da hora de trabalho estipulada no salário mínimo. Com isso, o salário médio deverá entre R$ 480 e R$ 580.

As prefeituras terão apenas que garantir vale-transporte, ou qualquer outro meio de locomoção, além de seguro contra acidentes pessoais. Direitos como 13º salário, FGTS, contagem de tempo para aposentadoria e outros estão excluídos.

A MP dá prioridade para as contratações aos beneficiários do Auxílio Brasil ou de outro programa de transferência de renda que vier a substituí-lo e integrantes de famílias de baixa renda inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico).

Inconstitucional

O movimento sindical já se articula novamente, com a Anamatra, o MPT, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e outras entidades civis que defendem o trabalhador, para que os senadores rejeitem também essa nova MP.

O secretário de Assuntos Jurídicos da CUT Nacional, Valeir Ertle, é enfático ao destacar o caráter exploratório da MP requentada por Bia Kicis. “É um absurdo o governo requentar uma medida provisória por não aceitar a derrota. Eles insistem em precarizar as relações de trabalho, não dando nenhuma garantia social, como previdência e outros direitos. E ainda quer que o trabalhador ganhe menos do que o salário mínimo”, disse o dirigente. “O próprio nome do programa ‘trabalho voluntário’ é equivocado. O trabalhador tem de ganhar pela riqueza que gera”, acrescentou.

Em nota, a Anamatra afirma que a MP é inconstitucional e condenou a aprovação do texto pelos deputados federais, e em especial Bia Kicis. “O texto do projeto de lei de conversão apresentado pela senhora relatora insiste no equívoco de inserção de matéria estranha ao objetivo original da proposição, que deveria – como determina a Constituição –, se limitar a eventuais aperfeiçoamentos no texto da MP voltada à criação do Programa Nacional de Prestação de Serviço Voluntário e o Prêmio Portas Abertas”, diz a Anamatra.

A Anamatra critica ainda a linha de atuação do Poder Executivo, “que se utiliza do instrumento constitucional da medida provisória para enveredar verdadeira reforma trabalhista, situação que se constata em razão da quantidade de temas, normativos e dispositivos de matéria trabalhista alterados por medidas provisórias editadas em sequência, sem o prudente debate, gerando insegurança jurídica”.

MP é só prejuízo

Por sua vez, a CUT Nacional já se posicionou francamente contrária à aprovação da MP 1.099. “O interesse por trás de todas as ações do governo atual, com relação ao trabalho, é precarizar e flexibilizar”, diz a central. Também alerta que, caso o programe alcance seus objetivos de flexibilização e precarização do trabalho como um todo, “tende a se prolongar no tempo e no espaço”. Com isso, pode ser facilmente estendido para as atividades privadas, atingindo os objetivos anteriormente pretendidos por Bolsonaro, quando da criação da carteira de trabalho verde e amarela.

A central alerta que a MP inclui iniciativas de inclusão voltada a jovens, PcDs e adultos maiores de 50 anos, porém estas iniciativas não estão inseridas em um sistema de garantias que impossibilite a exploração destas pessoas.

“A contratação para frentes de trabalho específicas, determinadas, com objetivos e interesses públicos previamente estabelecidos, com tempo de duração razoável, eventualmente poderia ser desejável e inclusiva. Mas nunca permitindo a criação de um novo perfil profissional precário: o trabalhador e a trabalhadora permanentemente voluntários”, acrescenta a nota da CUT.

Também destaca que os postos de trabalho que vierem ser criados poderão “concorrer efetivamente com as atividades municipais normais e cotidianas”. Ou seja, se tornarem “mero subterfúgio para a contratação precária em substituição da contratação formal” no serviço público.

A MP 1.099 é omissa ainda em relação à fiscalização do Programa, alerta a Central, lembrando que o Brasil possui 5.570 municípios e que o Ministério do Trabalho sofre com falta de auditores fiscais do trabalho e cortes em seu orçamento. Se um prefeito, por exemplo, estabelecer jornada maior que oito horas ao dia ou mais que 22 horas semanais, possivelmente não será flagrado e eventualmente punido por desrespeitar a norma da MP.

Por fim, conclui a central, o efeito final da MP nº 1.099 será basicamente o incentivo à maior precarização das condições de trabalho.

Oposição tentou impedir

Deputados do Psol, do PCdoB, do PT, do PSB, do PV e da Rede criticaram o texto da MP 1.099 e tentaram adiar a votação em Plenário. Nesse sentido, o deputado José Guimarães (PT-CE) avaliou que a proposta é “a síntese da improvisação”. “Esta medida provisória traz precarização, não garante direitos. Faz contratações provisórias daquelas pessoas, coitadas, que estão no mundo da amargura, desempregadas, e que serão contratadas apenas com objetivo eleitoreiro. Porque a qualquer momento essas pessoas podem ser demitidas”, disse o parlamentar

Da mesma forma, a líder do Psol, deputada Sâmia Bomfim (Psol-SP), avaliou que a medida provisória é “eleitoreira” e vai piorar as relações de trabalho no País. “São contratações sem nenhum vínculo empregatício, sem nenhum direito trabalhista ou previdenciário assegurado, com um valor salarial de R$ 572. Isso é cerca de 47% do valor de um salário mínimo”, criticou.

O Plenário, entretanto, rejeitou todos os destaques apresentados pelos partidos na tentativa de mudar trechos do texto.

O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), que orientou a obstrução da bancada do partido, ressaltou que a medida provisória flexibiliza ainda mais a legislação, com salário abaixo do mínimo, sem vínculos empregatícios ou direitos.

“Me impressiona a cara de pau para editar uma medida provisória dessa. O Brasil tem um drama do desemprego, milhões e milhões de famílias afetadas pelo desemprego, afetadas pela fome, e o governo publica medida para dizer que faz algo para gerar emprego e que é absolutamente instituidora de mais precarização do trabalho”, disse o parlamentar ao portal Vermelho.

Destaques rejeitados:

Um destaque do PT pretendia restringir a duração do programa apenas a 2022, conforme texto original. O deputado Reginaldo Lopes (PT-MG) também apresentou emenda para garantir outros direitos ao participante do programa, como licença de saúde de 15 dias, licenças maternidade e paternidade e pagamento de contribuição ao INSS. Ademais, ele também defendeu que o piso da bolsa deveria equivaler a um salário mínimo. Nesse sentido, outra emenda do deputado André Figueiredo (PDT-CE) também pretendia garantir o mínimo como piso do programa. Mas a maioria dos deputados rejeitou essas propostas.

Outra emenda, do deputado Valmir Assunção (PT-BA), pretendia garantir o pagamento de auxílio-alimentação aos beneficiários do programa. Sâmia Bomfim defendeu o pagamento do INSS e do FGTS pela União. Dessa maneira, os participantes poderiam contar o período de trabalho como tempo de serviço e tempo de contribuição para todos os fins previdenciários. O plenário da Câmara, no entanto, também recusou essas propostas.

Fonte: Rede Brasil Atual

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