Tem um “debate” sobre o foco nos cabelos (aliás, cortes horrorosos) e ensaio pras dancinhas dos jogadores da Seleção Brasileira. Uma conversa superficial, muitas vezes moralista, que nem arranha o problema de fundo que estes itens revelam.
Nem é tão de fundo assim o fato de que o foco nos cortes e nas coreografias indicam a soberba, a arrogância de quem quer estar bem na foto depois da vitória, considerada certa, antes mesmo do jogo jogado.
Mas tem algo mais aí (aliás, muito mais, sobre o que eu não tenho qualificação pra falar): quando eu era criança, copas de 70 e 74, ou adolescente, 78, ou muito jovem, 82, os jogadores pareciam muito mais velhos, homens feitos, adultos. Claro que pesava o fato deles serem realmente mais velhos do que eu, mas o ponto principal não é o cronológico.
Referiam-se aos craques de antanho com tratamentos adultos, professorais, destinados a sábios em suas áreas de atuação. Ninguém era chamado de “garoto”, “menino”, embora fossem jovens. Quem chamaria Clodoaldo de garoto em 70, embora ele tivesse meros 25 anos? Como atribuir tratamentos juvenis à Enciclopédia Nilton Santos ou ao Mestre Ziza, embora fossem jovens atletas? Eram formas de tratamento que supunham homens adultos, experientes, conhecedores de seus ofícios, ainda que tão somente rapazes que jogavam bola.
A voragem da máquina mercante exige juventude, uma juventude eterna. Quantas vezes vimos narradores nesta copa chamar homens de 24, 25 anos de garotos, meninos, moleques (parece que ficou meio ridículo continuar a usar “menino Ney”), como se fosse um pressuposto de excelência dos jogadores? Até o rodadíssimo Casimiro foi chamado de garoto por Galvão Bueno no jogo contra o amador time da Coreia.
Um aspecto deste fenômeno de peterpanrização dos jogadores brasileiros é que de fato eles foram poupados das etapas de amadurecimento. Arrancados do Brasil com 12, 13 anos de idade, formados e iniciados no jogo em equipes milionárias, onde em geral não ocupam postos de grande responsabilidade nas partidas, eles não engrossaram o couro, não passaram pelos perrengues dos campos do interior, pelas durezas, mas também pelas alegrias dos campeonatos de divisões inferiores, nunca tiveram de dar satisfação a torcidas apaixonadas, posto que não têm afinidade afetiva com os adeptos das empresas mafiosas em que jogam. Por isso não aprenderam a segurar um placar a menos de 3 minutos do fim do jogo, professam uma ética abstrata que os impede de travar a continuidade do jogo e fazer uma mera falta para parar o contragolpe adversário por medo de tomar um cartão e não jogar a próxima partida e perder os eventuais holofotes da glória. Enfim, o egoísmo autocentrado, neste caso, é também pueril. Ao menos uma temporada na série B brasileira, nas fases iniciais da Copa do Brasil, uns jogos contra o Iguatu pelo Cearense no Morenão, me parecem etapas necessárias à formação destes rapazes que ficaram apavorados e sem ação em face da raça, da transpiração e, pasmem, da malandragem croata.
Dançar, inventar moda para comemorar gol (Jairzinho consagrou em 70 o se ajoelhar e se benzer, imitando de Petras, atacante da Tchecoslováquia, e Bebeto inaugurou a comemoração embalando bebê, em 94, por exemplo) é de nosso espírito, mas não me lembro dos craques dos antigos escretes anunciando novas danças ou gastando o precioso tempo de preparação em ensaios de coreografia. Nossa propensão ao requebro em momentos de comemoração sempre foi espontânea. A arrogância estimulada por narradores, patrocinadores e jornalistas, leva a colocar o centro das preocupações em outro lugar, não no jogo. Aqui já estamos no terreno da publicidade, do espetáculo televisivo, das exigências dos anunciantes, aliado a um patológico autocentrismo.
Como se sabe, e a psicologia de boteco atesta, a atitude autocentrada, egoísta é uma característica da fase infantil, e que, se não corrigida pela terapia administrada usualmente pela mãe, gera pessoas horríveis. O tempo gasto, em plena concentração numa copa do mundo (um troço decidido em, no máximo, 7 jogos), com ensaios coreográficos e idas ao cabeleireiro é um traço de egoísmo nitidamente infantil, de atletas muito mal formados e que não têm a menor ideia do que uma Copa do Mundo representa para uma nacionalidade em cuja formação o futebol desempenhou um papel cultural fundamental (não vou entrar no mérito sobre se isso foi bom ou ruim…).
Vindos das favelas e rincões, mas extraídos de lá na mais tenra idade (sempre quis escrever “na mais tenra idade”), estes jovens perderam o contato com o povo brasileiro e com seus sentimentos, povo que, para eles, é apenas o beneficiário de suas fundações caritativas que lhes custam fração ínfima de seus astronômicos salários e que, claro, lhes rendem ampla publicidade gratuita (…ou não).
Coreografias ensaiadas, cortes de cabelo para cada jogo, em si mesmos irrelevantes para explicar o desempenho esportivo, são contudo boas pistas para entender a incapacidade de nossos rapazes de responderem como adultos aos desafios do jogo. É tudo extremo: ou a empáfia dos cabelinhos e dancinhas preparados com esmero para comemorar vitórias que ainda não ocorreram, ou os choros convulsivos diante da derrota, cujo símbolo notório é o menino Thiago Silva (37 anos). Nos dois extremos a infantilidade, o garotismo eterno, no qual ninguém, absolutamente ninguém tem condições de assumir as responsabilidades necessárias em jogos decisivos.
Está aí a irresponsabilidade de Tite que abandonou seu posto na hora de indicar os batedores dos pênaltis e a caganeira de Neymar que não teve peito de abrir as cobranças.
Onde só há meninos, garotos, moleques, ainda mais mal criados, ninguém assume as responsabilidades da vida adulta.
Quem se lembra de Pelé, Vavá, Zico, Romário se escondendo atrás de chororô, como se não fossem responsáveis pelos resultados, mas crianças que precisam ser amparadas? Mesmo na tragédia do Sarriá, a torcida ficou traumatizada, mas eu não lembro de nenhum daqueles homens que fracassaram diante da Itália choramingando em busca de quem os confortasse. Muito menos apelando à piedade pública diante das câmeras.
Sem qualquer conotação machista, o que esses rapazes precisam é de alguém que lhes diga: sejam homens!
Por Eudes Baima