Em relatório encaminhado para o Supremo Tribunal Federal, Polícia Federal afirma que o presidente estimulou espectadores a não adotar norma sanitária estipulada pelo próprio governo. Pelo Código Penal, incitação ao crime pode dar até seis meses de prisão.
A Polícia Federal afirmou ao Supremo Tribunal Federal (STF) que o presidente Jair Bolsonaro cometeu incitação ao crime ao associar a vacina contra a Covid-19 ao risco de desenvolver Aids.
A relação que o presidente fez não corresponde à verdade. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e outras autoridades de saúde já esclareceram que as vacinas não trazem doenças. Pelo contrário, evitam contaminação.
Bolsonaro fez a associação falaciosa entre vacina da Covid e risco de desenvolver Aids em uma live nas redes sociais no dia 22 de outubro do ano passado.
No relatório enviado ao STF, a PF escreveu que a conduta de Bolsonaro levou os espectadores da live a descumprir normas sanitárias estabelecidas pelo próprio governo. Nesse caso, tomar a vacina.
A delegada Lorena Lima Nascimento, responsável pelo caso, pediu autorização do STF para indiciar Bolsonaro e o ajudante de ordens tenente Mauro Cid , que ajudou o presidente produzir o material divulgado na live.
No Código Penal, incitação ao crime é conduta ilegal que pode dar prisão de três a seis meses.
Bolsonaro citou na live supostos relatórios oficiais do Reino Unido. Para a PF, o presidente “disseminou, de forma livre, voluntária e consciente, informações que não correspondiam ao texto original de sua fonte, provocando potencialmente alarma de perigo inexistente aos espectadores”.
A PF pede ainda que seja autorizada a tomada de depoimento de Bolsonaro.
O passo a passo das fake news
No relatório, os investigadores detalharam o esquema de propagação de informações falsas.
Segundo a PF, o procedimento seguido por Bolsonaro é semelhante ao modelo de distribuição de fake news pelo mundo.
Esse sistema, diz a PF, envolveria as seguintes etapas:
- Divulgação do conteúdo falso em grande volume e por vários canais da internet, criando uma sensação de grande quantidade de fontes;
- Distribuição do material de forma rápida, contínua e repetitiva, focada na formação de uma primeira impressão duradoura no receptor, a qual gera familiaridade com a informação e, consequentemente, sua aceitação ;
- Usar argumento sem compromisso com a verdade e sem consistência do discurso ao longo do tempo.
- Se uma falsidade ou deturpação for exposta ou não for bem recebida, os propagandistas irão descartá-la e passar para uma nova explicação (embora não necessariamente mais plausível).
Conexão com outro inquérito
A Polícia Federal afirma que pode haver conexão entre o inquérito da falsa associação entre vacina da Covid e risco de pegar Aids com outro que investiga Bolsonaro: o inquérito que apura se o presidente vazou informações sigilosas com o objetivo de distorcer informações e desacreditar as urnas eletrônicas.
Para a PF, a conexão entre os dois casos está no fato de que os procedimentos de Bolsonaro são semelhantes em ambas situações.
“Observa-se que a maneira de agir debatida no INQ 4888 [da vacina] encontra bastante similitude com a ocorrida no INQ 4878 [do vazamento de informações sigilosas], exigindo-se para a validação do discurso (falso ou com fragmentos da verdade) que seja realizada por um influenciador em posição de autoridade perante sua ‘audiência’”, escreveu a delegada.
Os investigadores citam que essa prática só repercute nas mídias sociais e, consequentemente, no mundo físico se referendadas por um ator responsável por originar as ideias ou irradiá-las junto a seus seguidores.
Declaração do presidente
Na transmissão de outubro de 2022, Bolsonaro disse que relatórios oficiais do Reino Unido teriam sugerido que pessoas totalmente vacinadas contra a Covid estariam desenvolvendo Aids (doença causada pelo HIV) “muito mais rápido que o previsto”. A afirmação é falsa, e não há qualquer relatório oficial que faça essa associação.
Na semana seguinte, o presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antônio Barra Torres, reafirmou que as vacinas usadas no Brasil são seguras, e que nenhuma delas aumenta a “propensão de ter outras doenças”.
“Nenhuma das vacinas está relacionada à geração de outras doenças. Nenhuma delas está relacionada ao aumento da propensão de ter outras doenças, doenças infectocontagiosas por exemplo. Vamos manter a tradição do nosso povo brasileiro de buscar e aderir ao PNI [Prrograma Nacional de Imunizações]”, afirmou Barra Torres.
Fonte: G1