Natércia Lopes – Matemática, Doutora em Ciências da Educação e Professora da UNEAL e Semed/Maceió

Ser mulher nunca foi fácil. Na vida profissional, temos que provar que somos capazes de desempenhar uma função; no plano pessoal, nos obrigam a manter os padrões sociais, além de ter de conviver entre homens que nos objetificam e nos manipulam dissimulando uma admiração para o tempo todo garantir uma estante variada que sacia seus egos.

Num País que não nos protege e com um governo que reforça práticas sexistas, nossos corpos são alvos de todo tipo de violência. Alagoas é o 3º Estado que mais aumentou os registros de estupros no Brasil, conforme dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022. O Nordeste é a região que lidera os casos de morte violenta de mulheres trans.

Em se tratando de mulheres trans, cabe resgatar que o termo “transexual” surgiu em 1966, pelo alemão Harry Benjamim, doutor em Medicina, com especialidade em medicina sexual. Na década de 60, pessoas transexuais eram compreendidas, pelos psicanalistas, como psicóticas, e eram classificadas dentro da patologia do “transtorno do travestismo fetichista”. Porém, Benjamim se contrapunha a tal entendimento e atribuía a origem da transexualidade a causas endócrinas.

Etimologicamente falando, “trans” vem do latim e quer dizer além, dando uma ideia de visão plural, de troca de concepções, de múltiplos olhares. Tem como antônimo “cis”, que significa aquém, remetendo a algo que segue uma linha limitada. Usamos o termo “trans” como uma identidade de gênero para quem não se identifica com o sexo biológico.

No nosso nascimento, nossos gêneros são determinados pelo órgão sexual. Se o sujeito tem um pênis, ele é considerado homem, e se tem uma vagina, é uma mulher. Contudo, as pessoas transgêneras não se percebem com o sexo designado no nascimento e isso não deveria ser problema para ninguém. Se é algo que o eu sente, que tem relação com o eu e com seu corpo, só se espera que o outro respeite. Mas, numa sociedade cisheteropatriarcal, não é bem assim que funciona.

O preconceito contra pessoas transgêneras é uma característica cultural do mundo contemporâneo. O próprio questionamento que se faz sobre a transexualidade, de onde veio ou porque alguém é assim já mostra um entendimento dessa condição como anormal.

Alguns anos mais tarde, no Brasil, Roberto Farina, um dos maiores cirurgiões plásticos brasileiros, foi processado por “lesões corporais gravíssimas”. Ele havia feito a primeira cirurgia de redesignação em um homem que estava há dois anos sendo acompanhado por médicos e psicólogos para atendimento dentro do contexto de mudança de sexo.

O procurador Luiz de Mello Kujawski, ao instaurar o inquérito, afirmava que um homem jamais poderia ser uma mulher porque não tinha órgãos genitais femininos. Que se ele casasse com um outro homem geraria um matrimônio espúrio, e que o tratamento para o “transexualismo” era psicanalítico, porque se tratava de uma doença mental.

Dados da Universidade Estadual de São Paulo (UNESP, 2021) mostram que o Brasil tem quatro milhões de pessoas trans e não binárias, e essas pessoas estão morrendo por causa de uma sociedade que insiste na cultura machista, sexista e misógina.

O mais incrível é ver o quanto a orientação ou a identidade sexual do outro é motivo de conversa de corredores, das praças, das portas dos vizinhos, dos bares, e a única coisa que precisamos questionar é: por que a minha sexualidade é motivo de preocupação para você? O que a minha sexualidade ou a do outro tem a ver com você?

Essa violência contra as mulheres, seja ela vinda de uma manipulação emocional ou uma agressão física acende um alerta para maiores investimentos em políticas públicas continuadas de combate à violência de gênero.

E é pertinente lembrar: Quando você se incomoda com a vida do outro que não tem relação com a sua, você só mostra o quanto foi ensinado a odiar quem é diferente de você.

Está mais que na hora de todas as sociedades aprenderem a respeitar a vida e as decisões do outro.

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