Profissionais da segurança pública voltaram às ruas durante a greve da última quarta-feira (18) contra a PEC 32

As insatisfações com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 32, da reforma administrativa, não se restringem a setores de oposição ao governo Jair Bolsonaro (sem partido). O texto, apresentado pelo Executivo em 2020, vem provocando descontentamento em categorias comumente associadas ao bolsonarismo, como as polícias.

A PEC altera 27 artigos da Constituição e introduz 87 novos. O ministro da Economia, Paulo Guedes, defende que a reforma administrativa seria necessária para combater privilégios e reduzir gastos na administração pública.

Por outro lado, centrais sindicais denunciam o fim da estabilidade e a precarização de serviços públicos essenciais, como saúde, educação e segurança.

Pressões

O presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (ADPESP) e da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Judiciária (ADPJ), Gustavo Mesquita, expôs seus questionamentos na última quarta-feira (18), em Brasília (DF), ao deputado Arthur Maia (DEM/BA), relator da PEC.

Mesquita defendeu a revisão de pontos que ameaçariam direitos dos policiais civis, como a introdução da modalidade “servidor trainee” para as carreiras policiais e a “omissão das carreiras da segurança pública como exclusivas de Estado.”

“O policial civil que estiver investigando um crime de colarinho branco, por exemplo, poderá ser demitido de um dia para o outro, sem qualquer processo que garanta sua defesa. Isso vai acabar com a independência das investigações. A PEC 32 vai fazer a alegria dos políticos corruptos e ser uma grande homenagem à impunidade no Brasil”, enfatizou o presidente da ADPESP no último dia 3.

Ao final da reunião desta semana, o relator da PEC sinalizou que os apontamentos serão analisados “com a devida atenção”.

Para além dos debates sobre a reforma, o delegado Mesquita não integra uma ala oposicionista dentro das polícias. Pelo contrário, no mesmo dia que questionou a reforma administrativa em Brasília, foi festejado por parlamentares bolsonaristas por rebater uma declaração do governador paulista João Doria (PSDB).

“A Polícia Civil cumpre a Constituição, e não a vontade do governador”, disse ao jornal Diário de S. Paulo no dia 17. “O governador do estado, que transitoriamente ocupa essa cadeira, não tem o poder de determinar como a polícia civil deve agir ou deixar de agir.”

Em entrevista à revista Carta Capital em março, o presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), Luís Antônio Boudens, estimou que o apoio de profissionais da segurança pública a Bolsonaro caiu de 80% para 40%, desde a eleição de 2018.

Na visão dele, a aprovação de uma reforma administrativa que retirasse a estabilidade desses profissionais poderia levar ao “abandono geral dos policiais ao governo”.

Histórico

As pressões não são de hoje, e não se resumem à ADPESP e à ADPJ. Em 23 de junho, trabalhadores da segurança pública realizaram carreatas simultâneas em mais de 20 capitais. Em Brasília, centenas deles se reuniram no estacionamento do estádio Mané Garrincha e caminharam até a Esplanada dos Ministérios com cartazes e faixas em oposição à PEC.

Outros protestos com grande repercussão ocorreram no Rio Grande do Sulem Minas Geraisno Mato Grosso do Sul e no Paraná.

Na região Nordeste, Alagoas e Pernambuco registraram as manifestações mais expressivas. No Tocantins, a presidenta do Sindicato dos Policiais do Tocantins (SINPOL-TO), Suzi Francisca, chegou a se referir à proposta do governo Bolsonaro como “criminosa”.

Também houve participação de policiais em manifestações nos dias 3 e 18 de agosto em pelo menos dez estados.

Entre as entidades nacionais que fizeram convocatórias estão a Federação Sindical Nacional de Servidores Penitenciários (Fenasppen), a União dos Policiais do Brasil (UPB) e a Confederação Brasileira de Trabalhadores Policiais Civis (Cobrapol).

Os protestos geralmente são encabeçados por associações e sindicatos das polícias civil e federal, policiais científicos e agentes penitenciários. A adesão de policiais militares (PMs) é esporádica.

O Paraná é um dos poucos estados onde cabos e soldados da PM estão na linha de frente dos protestos. A corporação integra a União das Forças de Segurança Pública (UFS), criada em fevereiro, que vem convocando manifestações em várias cidades do estado contra a PEC.

PMs serão poupados?

A PEC 32 prevê em seu art. 2º, como regra de transição, alterações que impactariam em todos os órgãos e profissionais da segurança pública, incluindo policiais e bombeiros militares.

Dentre as mudanças, está a introdução da figura do “policial trainee”, citada nesta matéria: profissionais concursados teriam dois anos de vínculo de experiência, e apenas os mais bem avaliados permaneceriam na carreira.

Entre outras modificações, a PEC extinguiria verbas salariais decorrentes de tempo de serviço em todas as carreiras policiais.

Desde o início do ano, a chamada “bancada da bala” estuda formas de suavizar os efeitos da reforma administrativa sobre os profissionais da segurança pública. O policial rodoviário e deputado federal Antonio Carlos Nicoletti (PSL-RR), por exemplo, propôs uma emenda que ampliaria o prazo para as regras da PEC incidirem sobre a categoria.

Outro caminho para poupar os policiais militares da PEC 32 é transformá-los em uma carreira de Estado, ou seja, aquelas que não existem na iniciativa privada e que manteriam sua estabilidade, como os magistrados.

Essa é a alternativa defendida por Bolsonaro, nos bastidores. A lista das carreiras de Estado não está definida oficialmente, e só deve ser finalizada após a eventual aprovação da PEC, por meio de lei complementar.

Fonte: Brasil de Fato

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