Método de cálculo de reajustes dos combustíveis foi alterado pela Petrobras em uma tentativa de diminuir a incidência de aumentos, mas preços dos combustíveis continuarão sendo reajustados, diz especialista
Pressionada pelo presidente Jair Bolsonaro (ex-PSL), que quer agradar sua base de caminhoneiros, a direção da Petrobras anunciou na semana passada uma mudança na política de reajuste dos preços dos combustíveis que não muda quase nada para os brasileiros que estão pagando cada vez mais caro pela gasolina, diesel e gás de cozinha.
Pelas novas regras, o período base de cálculo para os reajustes, que era feito a cada três meses, passa a ser anual. Na prática, a diferença agora é que os reajustes podem até ser menores, mas vão continuar ocorrendo porque a Petrobras não abandonou a política de paridade internacional, adotada em 2016 pelo ilegítimo Michel Temer, em que os preços no Brasil acompanham a variação do mercado externo do barril de petróleo.
Ao contrário do que pode parecer, os reajustes não serão anuais e continuarão ocorrendo, explica o pesquisador e economista Rodrigo Pimentel Ferreira Leão, coordenador técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep).
“O que muda é o período de projeção do mercado para estabelecer o reajuste e mesmo alterando a periodicidade, se o preço internacional sobe a longo prazo, em algum momento vai ter repasse ao consumidor”, diz Rodrigo, lembrando que os preços lá fora têm subido desde abril de 2020 e há o reflexo disso no Brasil.
Antes, os reajustes eram quase diários e seguiam a variação dos preços internacionais dos barris de petróleo que eram repassados automaticamente aos preços dos combustíveis no Brasil. “O preço é 50, aumentou para 60, aumentamos aqui para 60 também” explica Rodrigo, se referindo ao preço do barril de petróleo, em dólares.
Esse novo período de base de cálculo do reajuste anunciado, na verdade, foi apenas um anúncio oficial da mudança que ocorreu em junho do ano passado. De acordo com Rodrigo Leão, a medida foi adotada como instrumento para “suavizar a intensidade e frequência dos reajustes”.
Eles até tentam reduzir a variação, mas ainda seguem os preços internacionais- Rodrigo Leão
A tentativa de suavizar os reajustes é fruto da forte mobilização popular e dos movimentos sindical e sociais. A Federação Única dos Petroleiros (FUP) vem lutando contra a política da Petrobras desde outubro de 2016.
A ameaça de uma greve nacional dos caminhoneiros também ajudou a pressionar o governo por uma política de redução de preços. Mas, de acordo com Rodrigo Leão, Bolsonaro ainda está perdido e “sem saber direito o que fazer” para conter o avanço dos preços dos combustíveis. Isso porque, para atender aos interesses do mercado, continua praticando a variação internacional, ao mesmo tempo em tenta vender as refinarias brasileiras, como é o caso da Rlam, cuja venda foi oficializada nesta segunda-feira (8), tornando o país dependente da importação dos derivados.
Para o coordenador-geral da FUP, Deyvid Bacelar, “se o governo federal e atual gestão da Petrobras adotassem uma política de preços baseada nos custos nacionais de produção, mesmo com alguns ajustes para atender critérios internacionais, os derivados de petróleo seriam bem mais baratos sem precisar responsabilizar os tributos que têm a finalidade de atender as demandas sociais do povo com serviços públicos de qualidade”.
O dilema do ICMS
Na última sexta-feira (5), Bolsonaro, mais uma vez criou um ambiente hostil entre ele e os governadores estaduais quando anunciou que pretende enviar uma proposta ao Congresso, ainda esta semana, para mudar a forma de cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
O imposto é estadual e as unidades da federação têm autonomia para definir sua alíquota para cada tipo de combustível. Elas variam de 12% a 30% entre os estados brasileiros. Bolsonaro quer que o ICMS seja definido pelo governo federal sobre o preço dos combustíveis nas refinarias e não no preço final ao consumidor, como é atualmente. Ao mesmo tempo, afirmou que o governo não vai interferir na política de preços da Petrobras, ou seja, continuarão acompanhando a variação internacional.
O valor do ICMS incide sobre o preço médio ponderado final (PMPF), calculado a cada 15 dias pelos estados, com base no mercado. Desta forma, se o preço na refinaria sobe e o valor aumenta na bomba, o valor líquido do ICMS será maior. Porém, a alíquota é a mesma. Em São Paulo, por exemplo, é de 25%. No Rio de Janeiro é de 30%.
Para Rodrigo Leão, a hipótese de unificação nacional do ICMS facilitaria a previsão de valores finais, mas Bolsonaro, na verdade, quer tirar a responsabilidade das costas da Petrobras e jogar a culpa pelos altos preços dos combustíveis na conta dos governadores.
Ele explica que os estados poderiam sim rever as alíquotas para baixar os preços, “mas o fato é que a Petrobras está aumentando muito os preços nas refinarias”.
O governo quer tirar a responsabilidade da reta porque não sabe o que fazer, não tem estratégia. Também não quer mexer na arrecadação federal sobre os combustíveis. Por isso, é mais fácil jogar na conta dos governadores- Rodrigo Leão
Luta pelo fim do PPI
Na ponta de toda essa conta está cada brasileiro que paga cada vez mais caro pela gasolina, pelo álcool e pelo diesel e pelo gás de cozinha que já passa de R$ 100,00 em alguns estados.
Diferente dos tempos dos governos Lula e Dilma, quando a variação dos preços dos combustíveis seguia um cálculo baseado em vários fatores e que possibilitava um controle maior dos preços, a atual gestão da Petrobras insiste em manter o Preço de Paridade de Importação (PPI), nome dado à política de paridade com os preços do mercado internacional.
A Petrobras, quando Sérgio Gabrielli presidiu a estatal, durante o governo Lula, considerava a organização do mercado, a distribuição, a demanda por importação e as particularidades do mercado interno, como oferta e procura, e concorrência entre distribuidoras. A variação cambial e o preço internacional também eram considerados, mas não eram determinantes.
Rodrigo Leão, do Ineep, explica que a forma de cálculo permitia uma estabilidade nos preços finais.
“Havia uma previsão do mercado. Se o preço desabasse de 50 para 20 e a previsão fosse de 40 para o futuro, o governo fazia uma redução mais suave. O contrário também acontecia. Se subisse de 50 para 100, mas a previsão era de 80, o repasse era de 80, não era total”, ele diz.
Semana começou com mais um aumento nos preços
Com o golpista Michel Temer no poder e Pedro Parente na gestão da estatal, o método mudou para o PPI e desde então tem acontecido uma sucessão de reajustes nos combustíveis. Nesta segunda-feira (8) houve mais um. A gasolina ficou 8% mais cara nas refinarias. O diesel aumentou 6,2% e o gás de cozinha, 5,1%.
“O Brasil vai na contramão do que é feito em outros países do mundo. Países que são produtores de petróleo e gás e que têm empresas públicas e estatais não repassam os preços dos derivados mesmo tendo alinhamento com o mercado internacional, da forma como é feito por aqui”, afirma Deyvid Bacelar.
A FUP tem denunciado essa política desde 2016, quando a Paridade de Preço de Importação foi adotada pelo governo Temer com o argumento de que alinhar o preço brasileiro ao mercado internacional poderia resultar na baixa do preço dos combustíveis.
É prejudicial à Petrobras, ao Brasil e aos brasileiros. Precisamos lutar para que os preços sejam justos. Isso só será possível se a atual gestão mudar a política de preços e não vender as refinarias e terminais para o capital internacional- Deyvid Bacelar
O petroleiro Roni Barbosa, secretário de Comunicação da CUT, afirma que a luta contra os preços abusivos dos combustíveis continua. “Vamos pressionar mais ainda para que seja revista essa política atrelada ao preço internacional. Queremos que o Brasil use seu próprio petróleo, usando as refinarias para entregar combustível para a população e que o povo brasileiro pare de pagar em dólar”, diz o sindicalista.
Na próxima sexta-feira, a Frente Parlamentar em Defesa da Petrobras promove uma audiência pública em Brasília para debater o assunto.
Edição: Marize Muniz
Foto: AGÊNCIA BRASIL
CUT Brasil