“Não há nada além de escombros e alguns cadáveres ao redor e abaixo deles”, disse um jovem que perdeu seus pais e irmão no genocídio
Por Bethan McKernan em Jerusalém e Malak A Tantesh em Gaza*
Após a primeira noite em Gaza por mais de um ano sem o som de drones ou bombardeios após a implementação bem-sucedida de um cessar-fogo, as pessoas no território palestino sitiado começaram a retornar para casas destruídas e a procurar por entes queridos desaparecidos.
A trégua que entrou em vigor no domingo com a libertação dos três primeiros reféns mantidos pelo Hamas em troca de 90 palestinos de prisões israelenses foi recebida com euforia quando um grande fluxo de suprimentos de ajuda desesperadamente necessários entrou na faixa.
Na segunda-feira, no entanto, as celebrações deram lugar ao choque e à tristeza, enquanto a população de 2,3 milhões da faixa começou a avaliar a escala da devastação causada por Israel em retaliação ao ataque do Hamas em 7 de outubro de 2023.
Em Israel, a alegria pelo retorno seguro dos três reféns foi temperada pela raiva e surpresa pela demonstração de força do Hamas na entrega dos reféns após 15 meses de combate extenuante.
“A nação assistiu com não pouco medo quando dezenas de homens armados do Hamas, saudados por uma grande multidão animada, tomaram a Praça Saraya da Cidade de Gaza para uma selvagem e autoengrandecedora cerimônia à luz do dia diante de uma vasta audiência global”, disse um artigo de opinião do Times of Israel.
Colonos israelenses na Cisjordânia ocupada que se opõem ao acordo tentaram bloquear as entradas para a cidade palestina de Ramallah na noite de domingo antes do retorno de 90 mulheres e crianças mantidas em prisões israelenses.
Durante a noite, extremistas israelenses incendiaram casas e carros em três vilas da Cisjordânia. Em uma declaração, as Forças de Defesa de Israel disseram que agiram “rapidamente” para dispersar os manifestantes, prendendo duas pessoas, uma alegação contestada pela organização de direitos humanos Yesh Din.
Ainda não se sabe se o primeiro estágio de seis semanas do cessar-fogo será mantido após relatos isolados de violência na segunda-feira, incluindo o que os médicos disseram ter sido um incidente em que tropas israelenses atiraram em oito pessoas na área de Rafah. O exército israelense disse que estava verificando os relatórios.
Gaza ainda está cortada em duas pelo corredor Netzarim, que Israel instalou abaixo da Cidade de Gaza, e não se espera que o exército israelense comece a se retirar da área até o sétimo dia da trégua. No norte e sul de Gaza, no entanto, civis deslocados começaram a fazer a longa jornada de volta para suas cidades, vilas e campos de refugiados, a pé ou usando carroças puxadas por burros em estradas cheias de munições não detonadas.
Youssef, 22, da cidade de Beit Lahia, no norte, que perdeu seus pais e irmão durante a guerra, retornou da Cidade de Gaza para sua casa na segunda-feira.
“A primeira sensação que tive quando cheguei a Beit Lahia foi choque e pânico com o horror e os escombros. É como se um terremoto Richter nove tivesse atingido minha cidade… Não há ruas, lojas, parques, mercados, hospitais ou municípios. Não há nada além de escombros e alguns cadáveres ao redor e abaixo deles”, disse ele.
Mais tarde, ele voltou para a Cidade de Gaza. “Pretendo retornar somente quando houver um ambiente para a vida humana… água, comida, serviços médicos e infraestrutura para que possamos recomeçar nossas vidas”, disse ele.
O serviço de defesa civil disse na segunda-feira que uma busca oficial estava em andamento por cerca de 10.000 pessoas desaparecidas. Apesar do cessar-fogo, o número de mortos em Gaza continua a subir: médicos relataram que 62 corpos foram encontrados nas últimas 24 horas [até a publicação desta tradução, já eram 137 corpos encontrados], elevando o número de mortos para 47.000. Outros 110.000 estão feridos, com um quarto deles enfrentando ferimentos que podem mudar suas vidas, e 12.000 pessoas precisam ser evacuadas para tratamento urgente em outro lugar, disse a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Umm Saber, uma viúva de 48 anos e mãe de seis filhos, conseguiu retornar a Beit Lahia no domingo, dizendo à Associated Press que viu vários corpos na rota, alguns dos quais pareciam estar caídos ao relento há semanas.
Sua casa estava completamente destruída, ela disse, acrescentando que os vizinhos já haviam começado a cavar os escombros em busca de parentes desaparecidos que se acredita estarem enterrados nos escombros dos ataques aéreos israelenses. Outros estavam tentando abrir espaço suficiente para armar barracas.
O hospital local Kamal Adwan também foi “completamente destruído”, ela disse. “Não é mais um hospital… Eles destruíram tudo.”
O alívio temporário está chegando na forma de suprimentos humanitários, com 630 caminhões entrando na faixa no domingo quase imediatamente após o cessar-fogo entrar em vigor às 11h15 (09h15 GMT). Cerca de metade das entregas foram levadas para o norte de Gaza, que Israel cortou quase completamente do mundo exterior.
Israel nega ter deliberadamente estrangulado suprimentos de ajuda ao território palestino, culpando agências de ajuda pelos atrasos e alegando que o Hamas desvia as entregas.
O número médio de caminhões por dia entrando no território caiu para 18, levando agências de ajuda a alertar que nove em cada 10 pessoas não estavam tendo acesso a alimentos suficientes. O número mínimo de caminhões por dia necessário para conter a crise humanitária da faixa é 500, diz a ONU, que deve chegar a cada dia da primeira fase de seis semanas do cessar-fogo.
Mas o fluxo de ajuda pode levar tempo para aumentar, disse David Miliband, chefe do Comitê Internacional de Resgate, na segunda-feira, citando problemas anteriores com saques e ameaças à segurança de gangues armadas.
Questões de longo prazo sobre a reconstrução e governança da faixa devem ser abordadas em negociações programadas para começar no início de fevereiro, antes que o estágio um do cessar-fogo expire no início de março.
De acordo com uma avaliação de danos da ONU do início deste mês, limpar mais de 50 milhões de toneladas de entulho deixados pelo bombardeio de Israel pode levar 21 anos e custar até US$ 1,2 bilhão (£ 980 milhões). A OMS disse que restaurar a infraestrutura médica dizimada de Gaza custará US$ 10 milhões, já que apenas metade dos 36 hospitais da faixa ainda estão parcialmente operando.
Fonte: Fepal