Pablo Gomes – Cineasta e jornalista

Em carta enviada no último dia 14 de abril ao presidente dos Estados Unidos Joe Biden, Bolsonaro cinicamente reconheceu “o aumento das taxas de desmatamento que iniciou-se em 2012” e afirmou que “o Estado e a sociedade precisam aperfeiçoar o combate a este crime ambiental”. Na carta, o governo Bolsonaro se compromete a acabar com o desmatamento ilegal até 2030. “Ao sublinhar a ambição de metas que assumimos, vejo-me na contingência de salientar, uma vez mais, a necessidade de obter o adequado apoio da comunidade internacional na escala, volume e velocidade compatíveis com a magnitude e a urgência dos desafios a serem enfrentados”, diz a carta do governo brasileiro. Em contrapartida, os EUA prometem 10 bilhões de dólares em troca do combate ao desmatamento se o Brasil começar a mostrar resultados ainda este ano. É possível que o acordo se torne público no próximo dia 22 de abril, Dia da Terra, quando acontece a Cúpula dos Líderes sobre a questão climática. No entanto, nem o compromisso de Bolsonaro com o combate ao desmatamento e nem o interesse dos EUA em ajudar o Brasil pode ser levado a sério pela classe trabalhadora. Pelo contrário, tais ações devem ser recebidas pelos trabalhadores como ataques diretos do imperialismo aliado ao governo genocida de Jair Bolsonaro.

No dia 14 de abril, o site do El País, em uma matéria intitulada “Biden ameaça sujar as mãos com Bolsonaro”, escreveu que a negociação entre o governo brasileiro e americano é um “movimento inaceitável para legitimar Bolsonaro no momento em que ele é tratado pelo mundo democrático como ‘ameaça global’ e amarga uma queda na sua popularidade devido a media de mais de 3 mil mortes diárias por covid-19”. O site continua dizendo que “Quem conhece Bolsonaro também tem certeza de que, se Biden botar dólares na conta do governo brasileiro, o presidente e sua quadrilha encontrarão um jeito de abastecer os bolsos dos depredadores da Amazônia, uma importante base eleitoral para catapultar as chances de uma reeleição em 2022”.

No entanto, em nenhum momento, o El País expõe que por trás dessa negociação, estão os interesses geopolíticos e imperialistas dos EUA no Brasil. Os interesses de Biden com o Brasil, assim como eram os de Donald Trump, não é de combate às mudanças climáticas, mas o de abrir caminho para lucros bilionários para as grandes corporações, ao agronegócio e, sobretudo, intensificar os planos de Washington de isolar a China do continente americano e de sua influência na América do Sul. Não há interesse genuíno algum do governo Biden em barrar os ataques de Bolsonaro à floresta amazônica, que segundo especialistas, já estão perto de um processo de savanização, ou seja, num processo irreversível que poderá destruir toda a floresta em 50 anos, agravando ainda mais a crise do aquecimento global.

Assim como a reportagem do El País, o jornalista e escritor Pedro Dória, do canal Meio, perguntou em seu vlog semanal “Ponto de Partida” se “Biden pode confiar em Bolsonaro?”. “O futuro passa por dois caminhos. Um, é a transformação digital. Outro, é o combate às mudanças climáticas. Até cinco anos atrás, havia espaço pra demagogos fingirem que o problema não existe… não existe chance, não existe possibilidade de tratar mudanças climáticas sem tratar da floresta Amazônica, que é praticamente toda nossa”, falou o jornalista. Tampouco, em nenhum momento, Dória expõe os interesses dos EUA com a Amazônia, e se limita a atacar Jair Bolsonaro pela crise ambiental no país.

Não é somente Jair Bolsonaro e o Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, responsáveis pelo desmatamento desenfreado no país. O governador do Acre, Gladson Cameli (PP), declarou em maio de 2019, que os fazendeiros da região não deveriam pagar multas ambientais durante uma manifestação com apoiadores políticos e pediu para que eles falassem com ele pessoalmente, caso fosse necessário. No estado do Pará, (um dos estados líderes em desflorestamento da Amazônia) o governador Helder Barbalho (MDB), aprovou em 2019, uma lei facilitando a legalização de compra de terras públicas, intensificando ainda mais as tensões entre fazendeiros, sem terras e indígenas.

As negociações entre o governo Biden e Bolsonaro tampouco ouviram líderes dos movimentos sociais e, sobretudo, lideranças das comunidades indígenas – principais vítimas das queimadas e desmatamento na região amazônica. Numa carta escrita por 199 organizações, formadas por indígenas, cientistas, ambientalistas e jornalistas, parte do documento diz “O presidente americano precisa escolher entre cumprir seu discurso de posse e dar recursos e prestígio político a Bolsonaro. Impossível ter ambos”. Mas o que essas organizações ainda não entenderam é que nem o governo Biden nem outro governo internacional têm interesses em combater a destruição da Amazônia. Seus interesses se limitam a uma série de estratégias geopolíticas e econômicas, que vai desde bases militares, recursos hídricos (a Amazônia tem 20% da água potável do mundo), além de três milhões de espécies que habitam a região e que podem ser usadas para fins científicos.

As críticas em 2019 do presidente da França, Emmanuel Macron, ou dos governos alemão e norueguês às políticas destruidoras de Jair Bolsonaro à floresta amazônica, não passam de pura demagogia. A preocupação de Macron com o Brasil em 2019 tinha a ver apenas com seus interesses políticos num momento em que o presidente francês tentava dialogar com fazendeiros franceses contrários a um acordo de livre mercado com o Mercosul. O mesmo pode ser dito da Noruega, Alemanha e outros países europeus, que por séculos tem explorado recursos naturais na África, Ásia e América Latina sem se preocupar com o meio ambiente e os trabalhadores nativos e que vivem nessas regiões. Não há nada mais hipócrita do que ouvir países imperialistas reclamando de políticas destruidoras do governo brasileiro. Quanto aos Estados Unidos, o maior e mais destrutivo poder imperialista da atualidade, a Amazônia não passa de algo que pode ser comprado por alguns bilhões de dólares.

Durante a campanha presidencial de 2020, o então candidato a presidência dos EUA, Joe Biden, atacou Jair Bolsonaro e ameaçou o Brasil com sanções econômicas caso o país não se adequasse às novas leis climáticas. Embora tenha reclamado do tom do então candidato a presidente, Bolsonaro rapidamente mudou sua postura e já aceita fazer qualquer acordo que a burguesia brasileira exigir, mesmo que se preciso for, entregar a Amazônia para Washington. Enquanto isso, a imprensa brasileira tenta vender um falso progressismo dos EUA ao dizer que o país tem interesses de salvar a maior floresta do mundo.

Nada disso é em vão. A falsa retórica da política progressista “verde” e preocupada com o meio ambiente não passa de interesses que apenas beneficiam os grandes capitalistas. O que Biden está preparando é um grande ataque à floresta Amazônica que irá atingir em cheio às populações indígenas e os trabalhadores que vivem na região.

O dia 22 de abril, Dia da Terra, estaremos vendo o pontapé inicial na venda da Amazônia para os EUA. E o preço dela no mercado é de escandalosos 10 bilhões de dólares.

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