Natércia Lopes – Professora da Uneal e da Semed Maceió

Na década de 40, o cinema estadunidense lançou o filme Gaslight. O termo remete aos lampiões usados à época para iluminação das casas, e, no caso específico do filme, era o equipamento que acompanhava o protagonista para vasculhar a casa da tia. No Brasil, o filme recebeu o título de “À Meia-Luz”, e pode ser facilmente encontrado na plataforma do YouTube.

Assim que se inicia o filme, o marido, Mallen, começa a cortejar outra mulher na frente da esposa, Bella, numa tentativa de fazer com que ela se sinta diminuída e humilhada. Pede para que a outra mulher ensine à Bella a ser bonita como ela. Em outro trecho, ele retira um quadro da sala sem que Bella perceba, e depois a acusa de ter sumido com ele. Ela, por diversas vezes, jura que não o levou. Depois de tanta insistência dele, ela começa a achar que roubou mesmo o quadro.

Em mais uma cena em que o homem tenta fazer com que Bella pense estar louca, ele esconde uma carta endereçada a ela por sua família, mesmo ela sendo avisada que havia correspondência da família pela secretária, ele diz que isso nunca aconteceu, o que a deixa desnorteada, sem saber o que é realidade ou o que é ilusão.

Mallen começa uma relação extraconjugal, Bella desconfia, mas ele mantém a narrativa de que ela está enlouquecendo, que ela está tendo “delírios insanos de uma louca”, numa manipulação emocional para que ela duvide do que vem percebendo. “Você é uma doente”, “desajuizada”, esses termos são proferidos por Mallen e faz parte do abuso psíquico que tenta desestabilizar Bella, fazendo com que ela acredite que é “louca”, “histérica”, “exagerada”, “tumultuada”, “mal-amada”, “solitária”, “causadora de conflitos”, “indigna de ser amada”, “desequilibrada”, “surtada”. Ela tenta explicar que a forma como ele fala e a acusa, deixa-a atordoada, sem palavras, fragilizada, e incapaz de se defender. Mas, nada é capaz de sensibilizar o abusador. Depois ele ameaça o cachorro dela, e ela sai à noite, sozinha, desesperada, tentando salvá-lo… A trama opressora é feita para causar o descontrole feminino.

O homem, bem vestido, bom vizinho, bem relacionado, não esconde só sua personalidade perversa, mas outra identidade. Ele não era nada daquilo que parecia e que dizia ser.

Geralmente, esses abusos são causados por homens próximos à mulher, o que retarda a identificação da violência e causam mais dor emocional, por serem pessoas que poderiam protegê-las.

O filme Gaslight deu origem ao termo Gaslighting, que é uma forma de abuso psicológico em que o abusador distorce as informações para favorecê-lo e faz com que todos duvidem da palavra da mulher. Infelizmente, essa situação não ocorre apenas em relações afetivas.

Para exemplificar uma condição de Gaslighting no ambiente de trabalho, vou usar um caso em que de um lado estava um homem branco, com toda altivez de quem é privilegiado desde o nascimento, voz entonada, se autointitulando doce, amável e bem quisto por todos, acima de qualquer suspeita, numa demonstração explícita de quem cultua o próprio ego. É dessa forma que os gaslighters se apresentam, detentores do equilíbrio, da sanidade, se oferecem para ajudar, e, aparentemente, não são capazes de tramar contra uma mulher, mas seu objetivo é procurar uma oportunidade para constranger, humilhar, e diminuir a sua vítima. De outro lado, estava uma profissional, recém-chegada na gestão, e que pediu ajuda a este colega, que se prontificou a ajudar. Depois de fazer uma operação com ela, mesmo ele sabendo por sua experiência que não deveria fazer naquele prazo, ao invés de alertar a profissional, concluiu a operação e esperou chegar numa reunião com vários gestores para expor o que ele chamou de “erro” dela. E que este “erro” comprometia todo andamento do processo.

Ao expor o “erro” que ele mesmo orientou a mulher a fazer, no decurso de sua narrativa mentirosa e traiçoeira, trouxe uma mensagem bíblica com o intuito de se esconder atrás de uma palavra que todos têm como divina e perfeita para encobrir seus atos cruéis.

Esse caso não trata só de uma questão de desonestidade masculina, é bem mais que isso, refere-se aum homem que não admite que uma mulher esteja em cargo de liderança, que possua mais projetos que ele, e tenha notoriedade científica, então ele busca desqualificá-la, tirá-la do seu caminho, levando-a a acreditar que é a causadora de problemas. Para isso, ele distorce os fatos, omite informações, e faz com que as pessoas acreditem que ela é “maluca”, e, portanto, incapaz de realizar o trabalho corretamente.

Mesmo a mulher tendo razão, numa discussão com um gaslighter, o objetivo é fazer com que os ouvintes duvidem da palavra da mulher, afinal, ele é o anjo da candura, amado por todos, e a mulher anda “muito nervosa”, ela tem trabalhado demais, de domingo a domingo; não tem vida pessoal, e isso corrobora para o perfil da “mulher desequilibrada”.

O sentimento machista é capaz de deixar latente a perversidade e o mau caratismo do homem, e deixa nas mulheres a dor, a indignação e a injustiça. O homem que comete violência contra a mulher tem a sensação de que isso o faz um ser poderoso. Enquanto ele humilha e massacra a mulher, ele toma a posição hierárquica superior, retira do caminho o que é uma concorrência para o sucesso dele, menospreza a capacidade da colega de trabalho e abre espaço para reinar com sua mediocridade sem que ninguém o ameace.

Isso é o que ganha esse tipo de homem com masculinidade tóxica ao fazer com que a mulher fique descontrolada numa situação que ele mesmo provocou.

Por fim, às mulheres, conclamo por sororidade.

Link para o filme: https://www.youtube.com/watch?v=APPjME7hOnM

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