Natércia Lopes – Professora da Uneal e da Semed Maceió

A individualidade do homem é revelada em suas ações, que também desvelam seus “interesses específicos, objetivos e mundanos”, assim afirmava Arendt sobre a condição humana. Estes traços se originam através da vida ativa e vida contemplativa, termos utilizados para definir o fazer num mundo próprio, circundante e compartilhado (ARENDT, 2016, p. 226).

A vida ativa ou vita activa diz respeito às nossas orientações para o mundo, ao que fazemos e como vivemos em nossas relações na coletividade. O discurso voltado para a ação torna-se a essência da vida adulta, é a atitude de estar presente reivindicando direitos, contestando, buscando mudar a realidade vivenciada.

Dentro do conceito de vida ativa engloba-se o labor, o trabalho e a ação. O labor é a atividade indispensável que assegura a existência, a necessidade do homem de se manter vivo. O trabalho pressupõe a mundanidade, o desejo artificial de produção para estabilizar a vida, o consumo e o consumismo; e, a ação remete a vida política de diálogo e conexão entre seus pares, a pluralidade, a condição humana única em que cada ser se insere no mundo e introduz algo novo.

Arendt coloca que todas as criaturas têm começo e fim, mas o ser humano é o único que tem consciência disso, e que cabe a ele escolher encontrar a imortalidade por meio da atividade prática, ou buscar a eternidade pela via contemplativa. Essa vida contemplativa ou a contemplação se dá na solidão, no afastamento da correria para refletir sobre sua vida, no isolamento da confusão diária. É neste momento que há pensamento nos outros, que há conexão. Para Arendt nunca abandonamos as relações pessoais, mesmo no maior afastamento das pessoas. Quando estamos no exercício do pensamento, ou da vida contemplativa, nunca estamos sós, ao contrário, estamos na plenitude existencial, numa convivência consigo mesmo, e na atividade reflexiva e crítica de como você é percebido pelos outros. No momento que se pensa, afasta-se da realidade do mundo para refletir se o que se faz, condiz com o que se fala. Evocam-se nestes instantes de solidão ou contemplação, os valores éticos e morais.  

Seguindo estes conceitos, Arendt faz distinção entre Sócrates e Eichman, enquanto o primeiro permitia-se em solidão estar conectado com outras pessoas através de um pensamento ativo e em plena atividade com os outros, sem desvincular a racionalidade da ação, Eichman é o oposto, é a ausência de pensamento, a corporificação do mal, um desajustado, desvinculado, que não se coloca no lugar dos outros. Trazendo estes conceitos para nosso cenário atual, buscamos refletir sobre a existência da vida contemplativa na contemporaneidade. Se o autoconhecimento vem da contemplação, quem está disposto a ficar só? A solidão machuca a autoestima, faz-nos sentir menos queridos, mais problemáticos, escanteados, desagradáveis, então… Como dizia o poeta, “mesmo o amor que não compensa é melhor que a solidão”… Em contrapartida, como as relações sociais adquirem forma hoje? De que vale estar com alguém que é incapaz de pensar sobre suas ações?

De modo contraditório, o trabalho que torna o ser humano consumista e egoísta, o distancia da escuta a si mesmo porque para ouvir-se é preciso silenciar os desejos carnais. Consequentemente, a ausência da vida contemplativa e a instituição da banalidade do mal presentes em Eichman, tornam-se características comuns em nossa sociedade líquida. A violência presente nas relações pessoais impedem a convivência de forma digna. Até para pensar criticamente se é saudável estar numa relação deste tipo, é preciso um momento de solidão que vai instrumentalizar o homem a contemplar suas ações da vida ativa, e vai desenvolver sua consciência.

O ato de ouvir os pensamentos é uma faculdade que só se consegue através de estudo idiossincrático, não obstante, o que temos presenciado é uma incapacidade do ser humano de parar e pensar. Assim, uma vida ativa irrefletida, desnuda o desprezo pela vida humana, e acaba por revelar um homem que tanto lutou para estar em séquito, numa solidão acompanhada, sem perceber que essa companhia foi condicionada de forma voluntária à sua existência.

A fatídica constatação de que todos os caminhos têm preço, e é um preço bem mais alto a pagar quando se dissocia a ação do pensamento. Porém, o ato de pensar é a mais solitária das atividades, e… o homem não nasceu para estar só.

ARENDT, Hannah. A condição humana. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2016.

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