Natércia Lopes – Matemática, Doutora em Ciências da Educação e Professora da UNEAL e Semed/Maceió
Enquanto mulheres, vivemos, cotidianamente, situações desumanas, humilhantes e degradantes dentro do ambiente de trabalho. Uma situação cruel, mas que muitos “chefes” abusivos utilizam é isolar a mulher no ambiente de trabalho, tornar o clima insustentável e culpá-la pela situação que ele mesmo criou.
“Ninguém gosta de você aqui!”. Já ouviu isso? É uma das estratégias usadas pelos chefes tóxicos para fazer com que a mulher acredite que ela é incapaz, “mal amada” e indesejável no trabalho. Você iria trabalhar num lugar que o próprio chefe diz que você é odiada?
Essa situação de ter um chefe que nos humilha, que nos tira o ânimo, aos poucos vai tirando, também, a nossa vontade de trabalhar, prejudicando a produtividade.
Muitas vezes o “chefe” se autointitula como o melhor chefe do mundo e possui até pessoas subordinadas a ele que vão repetir o mesmo discurso, porém, na verdade, tal sujeito é um grande manipulador. Se você se revoltar contra a situação criada por ele, ele logo vai dizer que gosta de você e que são os outros que não gostam e que ele está tentando administrar a situação. Esse jogo protagonizado pelos “chefes” tóxicos são comportamentos semelhantes aos dos gaslighters, que praticam violência psicológica utilizando mentiras e distorções. Esse assédio pode desencadear em nós, mulheres, ansiedade, depressão e baixa autoestima. É uma prática cruel que afeta nossa saúde mental.
Mas, por que alguns chefes fazem isso? Ao criar uma situação em que nós, mulheres, nos vemos obrigadas a trabalhar em um ambiente insustentável com boicotes orquestrados pelo chefe, que sentimos insegurança no ambiente de trabalho, medo de se relacionar com os colegas, isolamento social por parte de todos que temem que a aproximação conosco cause perseguição a eles também, o “chefe assediador” nos desestabiliza emocionalmente, nos deixa nas mãos dele e nos usa isso em benefício próprio. Esse benefício pode ser forçar a deixarmos a empresa, prejudicar nosso rendimento de modo que nos sintamos incapazes de desempenharmos nossa função e até nos cobrar favores sexuais para que ele “nos proteja” das pessoas que não gostam de nós. No discurso do “chefe assediador” ele nunca é culpado; ele é o nosso protetor e os outros que nos odeiam. Só que é ele o responsável por nos manchar em todos os espaços, falar que é impossível trabalhar conosco, que nosso temperamento é de uma louca, tudo isso para enfraquecer nossa imagem perante as pessoas, de modo que ninguém mais queira nos ouvir. Ele busca nos controlar transitando entre as personalidades ora do chefe amigo, ora do chefe assediador.
Essa forma de assédio objetiva neutralizar a vítima e enganar a todos que passam a vê-lo como uma pessoa acessível, que acolhe todo mundo, até mesmo quem é “odiada por todos”. Essa narrativa esconde a personalidade perversa dos chefes assediadores.
Tal comportamento é típico de um sistema patriarcal em que as mulheres que não admitem viver sem refletir e questionar, que não se curvam às ordens corruptas e que não aceitam os desmandos do chefe, vivenciam. Essas mulheres são estigmatizadas como tumultuadoras, briguentas, nervosinhas, teimosas e que sempre arrumam confusão.
São indignantes esses rótulos que carregamos por sermos assertivas e termos opinião própria. Por lutarmos pelos nossos direitos de nos posicionarmos, somos assediadas, maltratadas e violentadas.
Há 44 anos, Chico Buarque cantava sobre Geni, uma prostituta que a sociedade hipócrita recriminava, mas, quando precisaram dela, rapidamente mudaram o discurso para satisfazer seus anseios e quando alcançaram o que pretendiam voltaram a atacar Geni:
Joga pedra na Geni!
Joga bosta na Geni!
Ela é feita pra apanhar!
Ela é boa de cuspir!
Ela dá pra qualquer um!
Maldita Geni!
É bem esse o comportamento do “chefe assediador”: nos humilha, faz com que acreditemos que os problemas são causados por nós, nos difama, estigmatiza-nos de louca, faz todos acreditarem que não prestamos, para retirar a credibilidade das nossas palavras e minar nosso convívio na empresa. Mas, quando esse chefe precisa nos manipular para conseguir o que quer, ele diz que gosta de nós, e que pode nos proteger se cedermos aos caprichos dele.
“Está difícil para as mulheres”, ontem e hoje, assim como a nossa resistência permanece cotidianamente.