Religioso terá que pagar indenização de R$ 10 mil ao obstetra Olímpio Barbosa de Moraes Filho por danos morais.
Quase três anos depois de fazer o procedimento previsto em lei que interrompeu a gravidez de uma criança de 10 anos vítima de estupro, o médico Olímpio Barbosa de Moraes Filho venceu na Justiça uma ação por danos morais contra o padre Lodi da Cruz. O religioso foi condenado a pagar R$ 10 mil de indenização por publicar textos em que acusou o obstetra de “assassinato”, ao comentar sobre o caso.
O procedimento foi realizado em agosto de 2020, no Centro de Saúde Amaury de Medeiros (Cisam), no bairro da Encruzilhada, no Recife, onde Olímpio Moraes atuava como obstetra e diretor do hospital.
No dia em que a menina foi internada, grupos ligados a igrejas cristãs fizeram um protesto do lado de fora da unidade.
A sentença foi proferida no dia 2 de março em primeira instância na 23ª Vara Cível da Capital e ainda cabe recurso.
No processo, o médico apresentou como provas textos publicados pelo padre no site da Associação Provida de Anápolis, nos quais se referem ao obstetra como “assassino”. A defesa disse, porém, que a palavra usada era “assassínio”.
Na decisão, o juiz considerou que, mesmo diante da alegação do réu de que o conteúdo tinha sido alterado, o padre utilizou um “termo de cunho calunioso” para se dirigir ao profissional de saúde.
“Vislumbro ainda que, apesar da liberdade de expressão, não se pode imputar a uma outra pessoa comentários ofensivos que abalem sua imagem pessoal e profissional baseados em temas polêmicos que inclusive dividem opiniões. Portanto, a liberdade de expressão e de pensamento não é direito absoluto e deve ser exercida em respeito à dignidade alheia para que não resulte em prejuízo à honra, à imagem e ao direito de intimidade da pessoa”, registra decisão.
No Brasil, o aborto é previsto em lei (artigo 128 do Decreto Lei nº 2.848 de 07 de Dezembro de 1940) quando a gestação é resultado de estupro, quando a gravidez é de risco para a vida da gestante e quando o feto é anencéfalo (não possui cérebro).
“Vitória de todos os médicos”
Em entrevista ao g1, Olímpio Moraes Filho disse que considera a decisão uma vitória de “todos os médicos e profissionais de saúde e de toda a sociedade que defende os direitos reprodutivos das mulheres”.
“Nós que defendemos a ciência, a ética, a democracia, a Justiça e a lei, muitas vezes, somos atacados por pessoas que fazem exatamente o contrário. Divulgam mentiras, calúnias e utilizam seus lugares e poderes – infelizmente, nesse caso, a igreja – para promover o ódio”, afirmou.
Para o médico, a decisão também traz segurança aos profissionais de saúde.
“No estado democrático de direito, ninguém está acima da lei. E isso dá mais segurança para que nós possamos continuar exercendo o nosso trabalho”, comentou.
Relembre o caso
Vítima de um estupro em São Mateus, no Espírito Santo, a menina de 10 anos passou por um procedimento e interrompeu a gravidez no Cisam, no dia 17 de agosto de 2020.
Na época, a Secretaria de Saúde de Pernambuco afirmou, em nota, que o procedimento foi feito com autorização judicial do Espírito Santo. O hospital é referência nesse tipo de procedimento.
Apesar disso, manifestantes ligados a religiões e políticos protestaram do lado de fora da unidade de saúde.
O ato, organizado por um grupo contrário ao aborto, teve início após uma publicação da extremista de direita Sara Giromini nas redes sociais, divulgando o nome da criança e o hospital em que ela estava internada. A divulgação das informações contraria o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Resposta
A reportagem tentou contato com a defesa do padre Lodi da Cruz, mas não conseguiu até a publicação dessa reportagem.
Fonte: G1