Desde finais de Junho, o Reino Unido tem sido abalado por greves nos transportes, nos aeroportos, nos correios e telecomunicações – contra os aumentos de preços – e estas greves estão a alastrar, dia após dia, a outros sectores. Em cada ocasião, uma maioria ou praticamente todos os trabalhadores votam a favor de uma acção de greve.

Face ao aumento dos preços (o Banco de Inglaterra prevê um aumento de 13% em Outubro), os trabalhadores mobilizaram-se massivamente e a sua militância saiu reforçada, greve após greve. É de notar que estas greves são geralmente bem recebidas pela população.

Nos caminhos-de-ferro, no Metro de Londres e nos autocarros, os sindicatos RMT (2), TSSA (3) e Unite (4) convocaram, de novo, uma greve de três dias no passado dia 18 de Agosto. O secretário-geral do RMT, Michael Lynch, afirmou: “Os membros do sindicato estão mais determinados do que nunca em proteger as suas pensões de aposentação, obter aumentos salariais decentes, garantir o emprego e boas condições de trabalho.” Pelo seu lado, o secretário-geral da TSSA, Manuel Cortes, afirmou: “Os nossos membros nos transportes ferroviários estão a entrar no terceiro ou quarto ano de congelamento salarial. Durante esse tempo, as facturas dos alimentos e o combustível têm subido em flecha; a subida do custo de vida – provocada pelos Conservadores – tem empobrecido os trabalhadores.”

Os 115 mil funcionários da Royal Mail (os Correios) votaram esmagadoramente a favor de outra greve de quatro dias, no final de Agosto e início de Setembro. Terry Pullinger do sindicato CWU (5) disse: “As tentativas do Royal Mail Group de minar as nossas condições de trabalho terão uma oposição frontal.”

O Sindicato do Pessoal de Enfermagem (Royal College of Nursing) – que representa os 465 mil enfermeiros, parteiras e assistentes de saúde registados no Reino Unido – considera um insulto a proposta de Boris Johnson de um aumento salarial de 4,75%. O Sindicato está a organizar um referendo, em Setembro, para lançar uma greve. O seu Secretário-Geral, Pat Cullen, disse: “Uma vida ao serviço de todos nunca deve significar uma vida de pobreza.” Apela os seus membros a votar para uma greve, por um aumento salarial de 15%. A British Medical Association expressou a sua total solidariedade com o pessoal de enfermagem, e os médicos em formação que são membros desta Associação estão a preparar um referendo para aprovar uma acção de greve.

Manifestação dos enfermeiros: “Exigimos um aumento de 15%.”

De facto, existem múltiplos apelos à greve no país. Por exemplo, 79% dos jornalistas do Daily Mirror (6), que rejeitam o aumento salarial proposto de 3%, votaram a favor de uma greve.

Substanciais aumentos salariais na British Airways e na Arriva North-West

Face aos receios de greve, a British Airways concordou com um aumento progressivo dos salários dos 16 mil trabalhadores não executivos da companhia (tripulação de cabina, trabalhadores de manutenção e manuseadores de bagagem), atingindo uma subida líquida de 13% no final de Dezembro de 2022. Sharon Graham, Secretária-Geral do sindicato Unite, afirmou: “Com o forte apoio do Unite, os nossos membros forçaram a British Airways a oferecer um aumento salarial compensador dos cortes salariais sofridos durante a pandemia. Há ainda algum caminho a percorrer para os trabalhadores da British Airways recuperarem a confiança na empresa, dado o seu comportamento hostil durante a pandemia. Mais uma vez, a insistência do Unite na melhoria do emprego, dos salários e das condições de trabalho beneficiou os nossos membros.”

A greve dos trabalhadores da Arriva North-West (7) foi suspensa e os membros do GMB (8) foram chamados a votar sobre uma nova proposta de aumento salarial de 11,1%. O Coordenador do GMB, George Patterson, afirmou: “Após semanas de acção negocial, os chefes da Arriva chegaram finalmente a uma oferta que vai ao encontro das expectativas dos membros do GMB. A acção reivindicativa ficará suspensa enquanto os nossos filiados votam sobre o novo acordo. Se aceitarem, a greve estará oficialmente terminada.”

Partido Trabalhista. Nova tentativa para normalizar o Partido… falha.

O deputado Sam Tarry foi ministro dos Transportes no gabinete-sombra de Starmer (9). Agora, decidiu ir participar num piquete de greve. Enquanto lá esteve, deu uma entrevista a uma estação de televisão britânica na qual manifestou a sua solidariedade com os grevistas, apesar de Starmer ter “desaconselhado” os deputados trabalhistas a irem a piquetes (muitos outros deputados trabalhistas, incluindo J. Corbyn e John Mac Donnell (11), tinham ido a piquetes para expressar a sua solidariedade).

Starmer dispensou-o das suas funções no gabinete-sombra, acusando-o de intervir “sem permissão” e de “fazer política ao vivo”. Toda a gente compreendeu que a política do Starmer não era a de apoiar os grevistas. Os sindicatos grevistas (Transportes, Telecomunicações) condenaram veementemente a dispensa de Sam Tarry e ameaçaram deixar de financiar o Partido Trabalhista.

Acontece que Sam Tarry é companheiro de Angela Rayner, a actual número 2 do Partido Trabalhista, que também é membro do gabinete-sombra… Notemos, por fim, que o movimento Momentum (12) – apoiado por Sam Tarry, por outros deputados trabalhistas, todos apoiantes das greves actuais, e pela presidente do sindicato Unison (13), Andréa Egan – lançou uma campanha para apoiar uma moção de apoio explícito aos grevistas e aos aumentos salariais, a ser apresentada ao Congresso anual do Partido Trabalhista, a realizar no final de Setembro, em contradição frontal com a política de Starmer. Sam Tarry disse: “Estou orgulhoso dos laços históricos do nosso Partido com os sindicatos. Chegou a hora de todo o Partido o estar.”

Para muitos sindicalistas, o Partido Trabalhista ainda é, historicamente, geneticamente, o seu partido.

                                                         J-P Martin, 20 de Agosto de 2022

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(1) Os órgãos da Comunicação Social  falam do “Verão do descontentamento” como uma referência ao “Inverno do descontentamento”, em 1978-1979, quando se desenvolveu um formidável movimento de greve contra o governo trabalhista de James Callaghan, que queria limitar os aumentos salariais a 5% para “combater a inflação”.  

(2) RMT: Sindicato Nacional dos Trabalhadores dos Transportes Ferroviários, Marítimos e por Estrada.

(3) TSSA: Associação dos Trabalhadores Assalariados dos Transportes.

(4) O Unite é o maior sindicato interprofissional do Reino Unido.

(5) O CWU é o Sindicato dos funcionários dos Correios e Telecomunicações.

(6) O grupo Trinity Mirror possui, além do Daily Mirror, outros jornais nacionais e mais de 200 jornais regionais.

(7) Grande operador de autocarros do Noroeste de Inglaterra. 

(8) GMB: Sindicato generalista muito importante.

(9) Starmer é o actual secretário-geral do Partido Trabalhista.

(10) A situação de J. Corbyn (antigo secretário-geral do Partido Trabalhista) é insólita: depois de uma campanha de difamação para fazê-lo passar por anti-semita, foi suspenso e subsequentemente readmitido no Partido Trabalhista. Mas Starmer não lhe permitiu ocupar o seu lugar na bancada dos Trabalhistas. Ele teve que fazê-lo como independente.

(11) John Mac Donnell, deputado trabalhista, foi ministro das Finanças no gabinete-sombra de J. Corbyn.

(12) Momentum é um movimento criado por jovens do Partido Trabalhista para apoiar o programa e a eleição de J. Corbyn como líder do Partido Trabalhista (Ver a entrevista em francês de Laura Parker, coordenadora do Momentum: https://laura-parker-momentum-est-une-organisation-dorigine-populaire).

(13) O Unison é o segundo maior sindicato do Reino Unido com quase 1,3 milhão de membros, predominantemente a trabalhar em serviços públicos.

Fonte: POUS4

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