Natércia Lopes – Professora da Uneal e da Semed Maceió

Hannah Arendt estudava Santo Agostinho e o conceito de amor, junto com Martin Heidegger, seu orientador, até que o nazismo a expulsou da Alemanha. Refugiada nos EUA, escreveu “Eichmann em Jerusalém – Um relato sobre a banalidade do mal”, a história de Adolf Eichmann, um monstruoso carrasco nazista que deportou milhares de pessoas para as câmaras de gás de Auschwitz e que, no momento de seu julgamento, conseguiu encenar o papel de um funcionário exemplar, cumpridor de ordens, e que, portanto, dizia-se inocente das acusações.

“Eu não sou o monstro que vocês fazem de mim”, essa frase era repetida por Eichmann, que se colocava como obediente às ordens do Estado naquele momento, sem jamais ter a preocupação de questioná-las. O que chamamos de mal em nosso cotidiano, no contexto nazista era uma prática administrativamente correta e ordeira. No Estado totalitário fascista é correto ser genocida.

Por instantes, se você se desvincular da moral e assistir à cena do julgamento de Eichmann, você pode se ludibriar e acabar acreditando que não há maldade. Ele se apresentava como uma pessoa absolutamente comum, banal, obediente, um excelente funcionário do governo que não seria capaz de cometer atos tão monstruosos. Esses enganos podem acontecer quando perdemos a nossa capacidade reflexiva e acabamos tomando depoimentos como verdades inquestionáveis. Por quantas vezes a aparência, a psicopatia travestida de vitimização, a encenação, impediram você de perceber as desumanidades cometidas por algumas pessoas na sociedade? 

Uma sociedade que não produz pessoas que pensam, só obedecem às ordens, são mais suscetíveis a fazerem partes de regimes totalitários. São esses regimes que se aproveitam deste tipo de pessoa, destituída de senso crítico. As Instituições de Ensino são espaços legítimos para desenvolver a capacidade de reflexão, o pensamento complexo, e propiciar debates de modo que exista uma tendência a não aceitar automaticamente o que lhe é dito, ou imposto, sem antes analisar.

Discursos reducionistas não explicam a profundidade das relações. Eichman era uma pessoa superficial, sem profundidade, incapaz de pensar sozinho, vivia de frases feitas, pré-fabricadas. Mesmo minutos antes de sua morte, falou uma frase pronta, mostrando-se uma marionete dos chefes nazistas.

A história real do julgamento de Eichmann nos traz uma lição: só o bem tem profundidade, no momento em que para fazê-lo é preciso que você se liberte de seu egoísmo e de sua ignorância.  Arendt nos mostrou como pessoas aparentemente comuns, são capazes de praticar o mal ilimitado, rotineiro, tornando-o banal.

O pressuposto da justiça é que os homens agem de uma maneira, mas poderiam ter agido de outra. Várias pessoas se recusaram a colaborar com os nazistas, várias pessoas resistiram a um sistema despótico. Temos a liberdade de agir de outra forma, precisamos conservar nossa consciência acima de tudo. Precisamos preservar nossa dignidade.

Somos responsáveis por nossas ações, somos conscientes, não podemos agir de forma impensada. A banalidade do mal é um fenômeno de desprezo à dor do outro, uma rejeição à humanidade, alicerçada na tendência em não assumir seus próprios atos.

Contra a tirania é preciso pensar, como Arendt afirmava, fazendo um diálogo socrático consigo próprio.

Referências:

ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. São Paulo: Ed. Companhia das Letras, 1999.

GRUNENBERG, Antonia. Hannah Arendt e Martin Heidegger: história de um amor. São Paulo: Perspectiva, 2019.

11 avril 1961: ouverture du procès Eichmann. L’Histoire, 2021. Disponível em: <https://www.lhistoire.fr/%C3%A9ph%C3%A9m%C3%A9ride/11-avril-1961-ouverture-du-proc%C3%A8s-eichmann>. Acesso em: 25 ago. 2021.

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