As organizações denunciam que o acordo, além de inconstitucional, beneficia a Braskem e prejudica as vítimas da mineração
Por Heloisa Villela
Cinco organizações da sociedade civil entraram com uma representação no Ministério Público Federal questionando a legalidade do acordo que a Prefeitura de Maceió fechou com a Braskem. Elas também pedem que os bens da Prefeitura, relativos ao acordo, sejam congelados. Em julho do ano passado, o governo municipal celebrou um acordo de R$ 1,7 bilhão que o Greenpeace, o Observatório do Clima, a Alana, a Associação Alternativa Terrazul e a Arayara consideram ultrajante, ilegal e inconstitucional.
Quando a terra tremeu em Maceió, em 2018, a população foi pega de surpresa e mais de 60 mil moradores de 5 bairros da cidade tiveram que deixar as suas casas nos meses seguintes. Muitas já tinham paredes e chão rachados. A Braskem explorava o sal-gema no subsolo da cidade, sob as casas. A mineração tornou o solo instável e colocou em risco a vida dos moradores. No fim do ano passado, uma das mais de 30 minas que existem no subsolo da cidade cedeu. Outras podem seguir o mesmo caminho.
O acordo assinado pela Prefeitura dá quitação completa à Braskem e ainda transfere todo o terreno e os imóveis da área afetada, hoje vazia, para o controle da empresa. Nauê Bernardo Pinheiro de Azevedo, advogado do Observatório do Clima e um dos autores da representação, disse ao ICL Notícias que o acordo é inconstitucional porque “vai contra o direito de propriedade, as pessoas foram forçosamente removidas do local onde fizeram suas vidas e o acordo não consultou essas pessoas”. Além disso, ele destacou que o terreno pode se tornar viável no futuro, dando à Braskem um retorno financeiro. “Ela passa a ter a propriedade de uma parcela muito expressiva do município”, afirmou.
No documento de 14 páginas, as organizações destacam que o acordo considera que a Braskem já pagou o que deve à sociedade, e não poderá mais ser processada por danos morais ou ambientais. A representação também informa o Ministério Público que a prefeitura se comprometeu a colocar todo o dinheiro do acordo em um Fundo de Amparo aos Moradores afetados pelo desastre da Braskem. Mas até hoje, o fundo não tem 1 centavo e a Prefeitura anunciou a compra de um hospital com parte da verba.
Dois meses após fechar o acordo com a Braskem, o prefeito de Maceió, João Henrique Holanda Caldas, anunciou a compra do Hospital do Coração. Um investimento municipal de R$ 266 milhões de reais que, segundo avaliações de empresas especializadas, está muito acima do valor de mercado. O preço de um hospital está em torno de R$ 1,5 milhão e R$ 2 milhões por leito. Por essa métrica, o hospital do Coração, em Maceió, com 77 leitos, deveria custar entre R$ 115,5 milhões e R$ 154 milhões. Mas foi comprado por R$ 226 milhões.
Por isso, os advogados das 5 organizações pedem o congelamento do dinheiro que a prefeitura já recebeu, e ainda vai receber, da mineradora até que o acordo seja analisado e discutido, com a participação das famílias afetadas, e a legalidade do entendimento esteja estabelecida. Outro destaque da representação diz respeito à Procuradoria Geral do Município. O acordo estabelece uma remuneração de RS$ 17 milhões para os procuradores que a representação qualifica de imoral, apesar de garantida por lei. E explica:
“Veja, a quantia multimilionária foi destinada ao pagamento de “honorários advocatícios” para advogados públicos que já receberam remuneração da administração pública para defender os interesses do município e foi “retirada” do montante total do acordo. Em outras palavras, retiraram-se R$ 17 milhões de reais da população que perdeu suas casas e teve que mudar completamente sua vida para engrossar o Fundo dos procuradores municipais”.
Há 5 anos, a população afetada pelo desastre da Braskem briga para ser ouvida e ressarcida, sem sucesso. Não encontrou amparo nas autoridades do executivo, do legislativo ou do judiciário. A nova representação junto ao Ministério Público Federal repete as críticas que as organizações dos moradores já apresentaram em mais de uma oportunidade. Mas o envolvimento de organizações nacionais é mais uma pressão para a justiça agir em prol dos que mais sofreram com a atividade da mineração em Maceió.
Fonte: ICL