ONG privilegiada pelo governo com mais recursos beneficiava garimpeiros donos de empresas aéreas. Agenda da então ministra Damares Alves mostra que os contatos com a entidade começaram em fevereiro de 2019, logo no início da gestão
No período de 2019 a 2022, quase toda a verba destinada por Jair Bolsonaro à saúde de comunidades Yanomami foi aplicada. O problema é que foi mal aplicada, beneficiando organizações pouco eficientes, e até mesmo garimpeiros donos de empresas de transporte aéreo na região. Isso explicaria a situação de calamidade enfrentada pelo povo Yanomami, segundo reportagem do jornal O Globo publicada nesta terça-feira (24).
Segundo a publicação, dados do Portal da Transparência referentes aos quatro anos do governo de Jair Bolsonaro (PL) mostram que o Programa de Proteção e Recuperação da Saúde Indígena teve orçamento de R$ 6,13 bilhões, dos quais R$ 5,44 bilhões gastos. Ou seja, um percentual de execução considerado elevado, de 88%, que à primeira vista pareceria seriedade com a política voltada aos indígenas – embora o governo tenha deixado de executar quase R$ 700 milhões.
O problema é que a entidade mais privilegiada com recursos foi uma ONG evangélica, a Missão Caiuá, cujo slogan é “estar a serviço do índio para a glória de Deus”. Ao longo do governo foram repassados R$ 872 milhões a essa organização. Quase o dobro da segunda entidade que mais recebeu, o Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueiredo, com R$ 462 milhões.
ONG não revertia recursos em saúde dos Yanomami
Ao jornal, o presidente da Urihi Associação Yanomami, Júnior Hekurari Yanomami, disse que a ONG Cauá apenas contrata funcionários, como médicos e enfermeiros. No entanto, esses profissionais não têm entrado em Terras Indígenas em todo esse período. Em outras palavras, esse dinheiro não foi revertido em sua totalidade em prol da saúde indígena.
Já outra fonte disse que a Cauá contrata pessoal por um ano. Demite em dezembro para ir recontratar em janeiro, criando um déficit permanente de pessoal justamente no primeiro mês do ano. O objetivo seria evitar o vínculo empregatício.
Verbas dos Yanomami para empresas de garimpeiros
Ainda segundo o jornal, o Portal da Transparência mostra a execução de R$ 51 milhões de um orçamento de R$ 59 milhões para, em tese, despesas com saúde Yanomami. A maior parte utilizada para contratar empresas de aviões e helicópteros para transportar médicos e funcionários pela região, segundo Júnior Hekurari Yanomami. Outra fonte, que trabalha na Funai, disse que muitos desses veículos de transporte aéreo são de propriedade de garimpeiros. Ou seja, estão ampliando seus negócios.
“O que houve foi descaso e crime. O dinheiro foi mal gasto e mal planejado. Quase tudo foi gasto com aéreo. Avião e helicóptero para levar profissionais dentro do território, mas apenas na hora da emergência, quando muitas vezes já é tarde demais. Como a ambulância do Samu nas cidades. Não sobra nada para comprar medicamentos. O que a gente precisa é de prevenção, um plano de ação e compromisso com as vidas”, disse Júnior ao jornal.
Conforme relatou a liderança Yanomami, os garimpeiros intimidam e ameaçam profissionais de saúde para pegar remédios. Esses conflitos levaram ao fechamento de seis unidades básicas de saúde. Muitos yanomamis ficaram sem atendimento e morreram sozinhos, sem nenhuma ajuda. Faltou gestão. “Se fosse um trabalho dentro da comunidade, de atendimento, com médicos, não tinha gasto isso tudo”, disse.
Segundo contou, a fragilidade dos indígenas decorre da desnutrição que os deixa suscetíveis a outros problemas. Primeiro porque nem toda terra é fértil e precisam ir à caça e pesca, que vão rareando devido ao garimpo e contaminação. Sem estoque de alimento, uma doença avança e se alastra rapidamente.
Contatos começaram no início do governo
Os benefícios do governo Bolsonaro à ONG evangélica já haviam sido notícia em junho de 2019. Na época, havia denúncias de que a Missão Evangélica Caiuá recebeu R$ 262 mil para atuar em aldeias indígenas no Acre, Amazônia e Roraima, e que quase metade havia sido liberado. Mas que faltavam remédios e equipamentos para exames.
A RBA apurou que os contatos entre a ONG e o governo começaram logo. Agenda da então ministra dos Direitos Humanos e Cidadania, Damares Alves, mostra reunião já em 12 fevereiro de 2019. Naquele dia, ela recebeu dirigentes do distrito de saúde indígena e da ONG para discutir o desenvolvimento de projetos em comunidades indígenas e ribeirinhas. No mesmo dia, recebeu parlamentares aliados para tratar da Funai
Fonte: Rede Brasil Atual