Nesta semana, o Banco Central decidiu elevar a taxa básica de juros, a Selic, em 1,5%, e anunciou que provavelmente em dezembro haverá um novo aumento. A Sputnik Brasil entrevistou especialista para saber até que ponto a medida é realmente eficaz no combate à inflação.
Na quarta-feira (27), o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central decretou a elevação da taxa básica de juros da economia, a Selic, de 6,25% para 7,75% ao ano. Essa é a sexta alta consecutiva e faz a Selic alcançar seu maior patamar em quatro anos, de acordo com o G1.
Segundo o Copom, a disparada da inflação não foi impulsionada somente por componentes “voláteis”, mas também pela chamada “inflação subjacente”, mais duradoura, e por isso, as elevadas projeções de inflação do comitê justificam o aumento da taxa.
O comitê também diz antever que na próxima reunião, em dezembro, fará outra elevação de 1,5 ponto percentual na taxa, e sublinhou que a tentativa de furar o teto de gastos pode gerar movimentos inflacionários ainda maiores, de acordo com a mídia.
A Sputnik Brasil entrevistou Davi Deccache, doutorando em Economia pela Universidade de Brasília e assessor econômico na Câmara dos Deputados para saber se o aumento é, de fato, uma estratégia eficiente no combate à inflação e quais outras alternativas poderiam ser executadas para estancar a crise econômica no país.
Deccache diz que dois motivos levaram ao aumento da Selic nesse patamar: a pressão inflacionária presente e uma expectativa de continuidade dessa pressão no futuro.
“Como o único instrumento de controle de preços que há no Brasil hoje é a taxa de juros, ela fica sobrecarregada para lidar com esse tipo de pressão inflacionária, entretanto, considero ser essa uma medida excessiva e ineficaz para o tipo de inflação que nós temos”, explicou o especialista.
A medida seria improdutiva a curto e médio prazo por gerar “efeitos colaterais graves”, uma vez que “a Selic impacta as taxas bancárias que influenciam tanto no investimento quanto no consumo, e isso pode piorar as projeções de recuperação econômica”.
Além desse efeito, o especialista destaca mais um, que seria “uma maior regressividade gerada pela transferência de renda para os detentores de títulos públicos, detentores esses que estão no alto da pirâmide, são os mais ricos”.
“Há um problema distributivo de um lado e um problema de crescimento do outro. […] O grande impasse do aumento da taxa de juros é, de fato, uma questão de distribuição de renda. Estamos criando um fluxo de renda para quem já é muito rico com essa elevação, o que é contraproducente em um país tão desigual quanto o Brasil.”
Estratégia do aumento
Deccache explica que o principal canal de transmissão da taxa de juros é o câmbio, ou seja, o governo espera que ao elevar a Selic, “se amplie o diferencial do Brasil para o resto do mundo em termos de juros e isso torne o país mais atrativo para o fluxo de capitais em dólar“.
“Como as perspectivas para o câmbio são as piores possíveis dado o nível de incerteza e confusão institucional, esse aumento brusco seria uma estratégia de segurar o câmbio e reverter a tendência de desvalorização o mais rápido possível.”
Além da elevação executada, o Copom já sinalizou que em dezembro pode haver outro aumento na taxa, indagado do porquê de anunciar tal previsão com tanta antecedência, o especialista diz que essas divulgações ocorrem para “estabilizar as expectativas dos agentes sobre o futuro“.
“Essa expectativa, segundo a visão convencional, estabiliza a economia, o fluxo de capitais. É uma forma de dar previsibilidade ao mercado tentando mitigar os impactos de volatilidade cambial.”
Deccache ainda ressalta que a “desvalorização cambial no país também tem a ver com o ambiente de incerteza recorrente” e, mais uma vez salienta que a elevação da taxa de juros “pode não compensar as turbulências futuras e ter todos os danos que hoje já se tem”.
Economia do governo Bolsonaro
Nas últimas semanas, aconteceram mudanças consideráveis nas diretrizes da política econômica brasileira, como o furo do teto de gastos e o aumento da Selic, se isso significaria uma reviravolta na conduta do governo sobre o assunto, Deccache acredita que “há uma intenção para flexibilização do teto apenas para 2022”, ano das eleições executivas no Brasil.
“Eu vejo a PEC dos precatórios, responsável pelo furo do teto de gastos, como um recuo tático para flexibilizar o teto apenas no ano eleitoral, em 2022, para encaixar um programa de transferência de renda robusto, e logo em 2023, primeiro ano do governo, ele é retomado e vai cumprir com suas funções pré-determinadas desde 2016, que são a redução do bem-estar social no país e as privatizações”, elucidou o especialista.
Deccache crê que as recentes mudanças na economia são “meramente conjunturais, visando as eleições, e não estruturais de forma definitiva”, uma vez que se fossem estruturais, diz o analista, “o teto seria revogado”.
Alternativas à alta da taxa
O especialista explica que a inflação no Brasil é causada por alguns fatores, como o câmbio desvalorizado, pois ele impacta em todos os preços, inclusive no preço dos produtos exportados pelo país, como a carne por exemplo, uma vez que são determinados em dólar.
“Esse é um tipo de pressão inflacionária que poderia ser mitigado através dos estoques reguladores de alimentos, os quais o governo parou de fazer desde 2017 […], essa é uma política não monetária de controle da inflação, e seria uma opção para não sobrecarregar a taxa básica de juros visando segurar o câmbio.”
Uma outra opção, que, na interpretação de Deccache “é mais simples, mas com desafios políticos maiores” é a “política de preços da Petrobras, porque boa parte da inflação, que já passa dos 10% ao ano, tem a ver com a elevação no preço dos combustíveis adotada desde 2016“.
O analista afirma que apesar da produção de óleo e do refino acontecer, em sua maior parte, no Brasil, os preços são determinados “como se tudo fosse totalmente importado, baseado em suposições de cálculos com toda uma logística inexistente”, e essa dinâmica favorece ao aumento da inflação.
Na visão do especialista, “[…] Existem outras formas de fazer esse cálculo, por exemplo, calcular o custo de extração interno em moeda doméstica, o custo de refino, e inserir uma margem de lucro em cima disso para remunerar a empresa, assim, o custo do diesel, da gasolina e do gás de cozinha estariam mais baixos. Essa solução teria um impacto muito menor na taxa de juros”, ponderou.
“Essa alternativa à política de preço da Petrobras não é nenhum congelamento de preço, é uma opção que o Brasil utilizou nos últimos anos antes do PPI [Política de Paridade Internacional] outros países adotam essa diretriz, porém, […], com ela, não teríamos os impactos negativos da taxa de juros alta desestimulando investimento de consumo, além de aumentar o poder de compra da população, porque se o gás de cozinha fica mais barato, fica mais barato se alimentar”, complementa o especialista.
Sobre a alta das tarifas elétricas, Deccache diz que faltou investimentos públicos, nos últimos anos, na transição da matriz energética e que “muitos associam a alta das tarifas à crise hídrica, mas elas são distintas, se tivéssemos feito uma transformação da matriz produtiva, avançado mais em eólica, por exemplo, poderíamos não ter aumentos tão fortes na conta final do consumidor”.
“Nós temos questões ligadas ao aumento dos preços que elas têm que ser resolvidas estruturalmente e não com mais taxa de juros, então tem que diagnosticar o problema e tentar solucionar isso de forma estrutural. […] O que a taxa de juros faz é desacelerar a economia e transferir renda para os mais ricos”, complementou.
Fonte: Sputnik Brasil