Um grupo de quase 70 cineastas palestinos, incluindo figuras premiadas, assinou uma carta aberta, em termos fortes, na qual acusam Hollywood de “desumanizar” seu povo há décadas, ao disseminar uma retórica que permite o atual genocídio em Gaza.
Dentre os signatários, estão Hany Abu Assad, duas vezes indicada ao Oscar, e o célebre diretor Elia Suleiman. Outras figuras de destaque são Michel Khleifi, Mai Masri, Najwa Najjar e os 22 diretores por trás de From Ground Zero, recente antologia premiada de curtas-metragens.
“Compreendemos muito bem o poder da imagem e do cinema e — por tempo demais — nos vemos indignados pela desumanidade e pelo racismo demonstrado por algumas figuras da indústria do entretenimento ocidental em relação ao nosso povo, sobretudo nestes tempos dificílimos”, reiterou a carta.
“Ainda nos deparamos, tendo de contrapor com firmeza, com uma propaganda racista antipalestina e, de modo geral, antiárabe, que continua prevalente demais na mídia do entretenimento ocidental”, denunciou o alerta. “Isso tem de acabar”.
Trata-se da primeira iniciativa colaborativa de cineastas palestinos desde a deflagração do genocídio israelense em Gaza, em outubro, que deixou 40 mil mortos, 90 mil feridos e dois milhões de desabrigados até então.
Apesar das duras críticas a Hollywood, os cineastas agradeceram a Academia Nacional de Artes e Ciências Televisivas (Natas) por “suportar a pressão e insistir na liberdade de expressão”, ao negar os esforços de celebridades sionistas para revogar a nomeação da reportagem It’s Bisan from Gaza and I’m Still Alive — Aqui é Bisan de Gaza, ainda estou viva — aos prêmios Emmy.
A peça protagonizada pela jornalista e ativista palestina Bisan Owda, com produção da rede AJ+, da Al Jazeera, foi indicada ao Emmy de Notícias e Documentário na categoria Melhor Matéria Principal — Formato Curto, ao registrar a jornada de sua família sob os bombardeios de Israel.
“Este filme é narrado por uma premiada e inspiradora jornalista palestina, que arriscou sua vida para compartilhar com o mundo histórias e relatos de resiliência, resistência e sobrevivência de famílias comuns diante do genocídio israelense em curso, transmitido ao vivo, na Faixa de Gaza ocupada”, enfatizou a carta.
“Tentar censurar a voz de Bisan é apenas a mais recente tentativa repressiva de negar o direito dos palestinos de contar nossa própria narrativa, compartilhar nossa história e, neste caso, trazer atenção às atrocidades que nosso povo enfrenta — na esperança de lhes dar fim”, acrescentou.
Por meio de nossos filmes, tentamos apresentar narrativas alternativas, retratos e imagens que combatam estereótipos desumanizantes de “seres dispensáveis, sem valor”, que permitem encobrir ou justificar crimes de décadas perpetrados contra os palestinos. Por que é que então temos sempre de vestir as luvas para defender a nossa arte, contra a censura implacável que tanto nos assola apenas por sermos quem somos?
De acordo com os cineastas, “a desumanização impõe risco não somente a sua própria existência, como palestinos, [mas] a outras comunidades e identidades raciais em todo o mundo, sob o risco de sofrerem o mesmo destino, sob o qual prevalece a ‘lei do mais forte’”.
Pedimos a nossos colegas na indústria do cinema, visionários de um mundo no qual todos gostaríamos de viver, que denunciem o genocídio e o apagamento, o racismo e a censura que o possibilitam; que façam tudo humanamente possível para dar fim à cumplicidade a tamanho horror; e que resistam a trabalhar com produtoras e estúdios cúmplices da desumanização do povo palestino. Isso tem de acabar. Já!
Os signatários incluem ainda a recente vencedora do Bafta, Farah Nabulsi, cujo filme O Professor abriu a Mostra de Cinema Mundo Árabe, organizada pelo Instituto da Cultura Árabe (ICArabe), no Cinesesc, em São Paulo, nesta quinta-feira (20).
Neste período, as ações israelenses mataram ao menos 161 profissionais de imprensa, além de 186 feridos, segundo a Al Jazeera. A morte mais recente foi a do fotojornalista Mohammed Abd Rabbo, em um ataque aéreo ao campo de refugiados de Nuseirat.
Israel age em desacato de uma resolução por cessar-fogo do Conselho de Segurança e medidas cautelares do Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), com sede em Haia, onde é réu por genocídio sob denúncia sul-africana deferida em janeiro.
Fonte: Monitor do Oriente