Programa que desmonta o Bolsa Família favorece instituições privadas, dificulta acesso de crianças a creches e pune mães desempregadas
Ao atacar as bases da proteção social no país, o programa Auxílio Brasil — criado por Jair Bolsonaro para desmontar o Bolsa Família e outras ações do governo Lula e Dilma — ameaça de maneira especial as crianças e as mulheres. Um exemplo claro é a previsão do Auxílio Criança Cidadã, que desarticula toda a política de atenção à primeira infância colocada em prática com o Brasil Carinhoso a partir de 2012.
Na medida provisória (MP) do Auxílio Brasil, é informado que o governo federal poderá pagar mensalidades de creches para atender os filhos de famílias beneficiadas. Porém, o que pode até parecer uma boa coisa esconde, na verdade, uma série de perversidades, observa a ex-ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome Tereza Campello.
“Na prática retiram todo o financiamento público diferenciado para a inclusão de crianças do Bolsa Família e criam o Auxílio Criança Cidadã para pagamento integral ou parcial de mensalidades em creches privadas. Exclusivamente para as privadas, não podem ser públicas nem conveniadas. É uma total distorção, em especial porque a preocupação não é com o direito da criança nem com a ampliação da oferta de educação infantil”, diz a ex-ministra, que alerta para o fato de o novo programa abrir espaço para verdadeiros “depósitos de crianças”.
O argumento do governo é o de que pretende “emancipar a mulher”, mas aí está a segunda perversidade, aponta Tereza Campello. “Para receber esse benefício, a mulher tem de comprovar emprego formal. Mas sabemos que as mulheres são as que têm menos oportunidade no mercado de trabalho. O desemprego entre as mulheres chega a 16,4%, enquanto para os homens é de 11,9%. E muitas não buscam emprego justamente por não terem acesso a serviços de cuidado”, alerta. “A mulher está sendo duplamente punida.”
Outro grave problema na MP é que as creches que receberão os recursos não precisam estar regulares do ponto de vista fiscal. “Isso abre a porta para que instituições inadimplentes quanto suas obrigações fiscais usem o auxílio repassado para regularizar sua própria situação fiscal. E se a creche fraudar alguma informação, a família beneficiária deve responder subsidiariamente. É uma excrescência”, observa Tereza Campello.
Prefeituras excluídas
O repasse de recursos diretamente para as creches não é por acaso. Ao criar o Auxílio Brasil, Bolsonaro tenta excluir as Prefeituras da execução dos programas sociais, o que é um gravíssimo erro, já que iniciativas como o Bolsa Família só deram certo por serem pactuados e geridos de forma conjunta pela União, pelos estados e pelos municípios.
O Brasil Carinhoso, criado em 2012 por Dilma Rousseff, respeitou o pacto federativo e incluiu os prefeitos como parceiros da execução, com a transferência de recursos para os municípios. Como resultado, o programa estimulou a construção de creches e permitiu que, em 2015, 756 mil crianças frequentassem instituições educativas todos os dias, graças ao repasse anual de R$ 1 bilhão.
“No início do programa, a cobertura de crianças atendidas pelo Bolsa Família em creches era de 13%. Em quatro anos de Brasil Carinhoso, subiu para 25%, reduzindo de forma considerável o abismo entre ricos e pobres”, lembra Tereza Campello. A partir de 2016, no entanto, após o golpe contra Dilma Rousseff, esse valor foi sendo reduzido até chegar, no ano passado, a cerca de R$ 8 milhões, segundo dados trazidos pela Folha de S. Paulo. Agora, com a edição da MP, esses repasses serão extintos integralmente.
Analisando para o jornal a proposta de Bolsonaro, o presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Luiz Miguel Martins Garcia, diz que o corte na verba para as prefeituras é um retrocesso, pois as transferências estimulavam gestores municipais a abrirem creches em áreas mais pobres. “São crianças que precisam de apoio complementar, até mesmo na alimentação. Esses repasses serviam como incentivo para ampliar a oferta de vagas e sobretudo construir novas creches nas áreas mais carentes”, disse.
Da Redação