Na época, Braskem “comemorou” com acionistas economia de gastos com desistência de medidas complementares de fechamento de minas em colapso
Em colapso desde 2018, o poço de número 18 de exploração de sal-gema da Braskem, localizado no bairro do Mutange, em Maceió, capital de Alagoas, apresentou aumento no movimento vertical preocupante nas últimas semanas. Novos tremores de terra foram registrados, mais transtornos e novas famílias retiradas de forma abrupta de suas casas. Mudança na rotina de uma cidade inteira. O assunto mais comentado das redes sociais. Também abriu margem para Fake News que geraram pânico. Agências bancárias foram fechadas, e milhares de pessoas tiveram o abastecimento de água comprometido. Cenário que fixou o olhar de todo Brasil para Maceió. Problemas que poderiam nem ter ocorrido, se não fosse uma desistência misteriosa que fez a Braskem “poupar” 3 bilhões de reais.
Tudo porque a cavidade subterrânea da mina 18 seguiu avançando em direção a superfície desde a descoberta de que o desabamento de 35 minas estava causando fissuras graves em residências e provocando afundamento de solo em pelo menos 5 bairros de Maceió em 2018. A velocidade de aproximação da cratera provocada pela mina 18 chegou na última semana a ser de 5 centímetros por hora, desacelerou, mas continua com forte risco de provocar um fenômeno chamado sinkhole ou dolinamento, que é a formação de uma grande cratera na superfície do bairro Mutange após um deslocamento de solo abrupto. O movimento de dolinamento poderia gerar novos tremores de terra e chegou a causar medo na população pelo risco de uma reação em cadeia fazendo com que as crateras de outras minas se desestabilizassem e também provocassem novas crateras. A possibilidade foi minimizada, mas não descartada pela Defesa Civil de Maceió.
O fato que mudou a rotina da capital de Alagoas levantou vários questionamentos. O principal deles é o tempo que essas minas estão levando para serem fechadas. Os trabalhos começaram em 2019 e seguiam até o agravamento da situação na mina 18 provocar a suspensão das atividades. Segundo a Braskem, 70% das ações de fechamento dos poços já estavam concluídas. Mas também existem questionamentos sobre o acordo firmado entre autoridades Brasileiras e a Braskem para os trabalhos de fechamento dessas crateras subterrâneas em 2019. Estaria a petroquímica Braskem descumprindo o acordo para recuperar a estabilidade dos poços em colapso? O plano teria sido mal elaborado? O que deu errado para que uma cratera que estava dentro de uma camada subterrânea há mais de mil metros de profundidade subisse tão rápido para cerca de 200 metros, sob forte risco de chegar a superfície sem ser notada?
O silêncio da Braskem sobre o assunto só enfatiza a dúvida. Desde a comunicação sobre a possibilidade de dolinamento da mina 18, nenhum técnico, diretor ou executivo foi submetido a prestar esclarecimento a população. Ninguém grava entrevista e toda narrativa do colpaso é ditada pela mineradora através de notas repassadas pela assessoria, que quase sempre não tocam nos assuntos abordados pela imprensa. A única entrevista dada por um diretor da petroquímica foi para a Rede Globo, no progarama Fantástico onde nada sobre a causa do risco de dolinamento foi questionado ou abordado. Nessa semana a mineradora começou a dar uma série de entrevistas em TVs locais, mas nenhuma esclarece os pontos que motivaram o colapso.
As notas direcionadas à impresa pela Braskem tem sempre o mesmo final, onde a empresa afirma que está cumprindo a risca todo o Plano de Ação para fechamento das minas em colapso e ressalta que o Plano foi debatido, aprovado e construído por todas as autoridades envolvidas com o caso na época do colapso nas casas dos bairros de Maceió – MPF, ANM, DPU. A forma como os poços estão sendo fechados é proveninete de um acordo feito pela mineradora para escapar de um processo de crime ambiental. Mas o que a Braskem não cita nas notas é que o Plano não foi construído em conjunto. 100% de sua construção foi realizada pela Braskem, empresas e especialistas contratados pela própria mineradora e diferentemente do que a mesma deixa subtendido nas notas à imprensa, a única forte colaboração técnica para os trabalhos de estabilização das crateras das minas chegou através ANM e foi descartada por motivos nunca revelados.
A História
Em 2019, depois que a CPRM atestou que os poços de extração de sal-gema foram construídos em falhas geológicas e causaram todo o problema das rachaduras nos bairros de Maceió, a Braskem se apressou em apresentar o projeto de fechamento dos poços em colapso. A empresa adotou o slogan “Não fomos o problema, mas seremos parte da solução” e sem admitir culpa mas com a autorização de órgãos de fiscalização da época já inciou os trabalhos. O orçamento total com as despesas específicas para a estabilização das minas em colpaso: R$1,2 bilhões de reais, dinheiro que logo foi provisionado pela Braskem. O Plano (tal qual como ocorre hoje) estabelecia o fechamento de minas de pelo menos 2 formas distintas: com areia e através de pressurização. No primeiro, injeta-se nos poços uma pasta de areia. Quando preenchido o poço seria vetado com cimento. No segundo, utiliza-se água e a estabilidade é alcançada com a pressurização, que é monitorada por piezômetro instalado. Após um período de monitoramento e constatada a pressão ideal para a estabilização da cratera, o poço é vedado com cimento.
Na época em que se estabeleceu o acordo esse era o quadro para início das atividades.
No plano elaborado pela Braskem e as empresas contratadas, a princípio apenas 4 poços seriam preenchidos com material sólido. Algumas outras seriam pressurizadas, outra somente acompanhadas e só depois se definiria qual método mais eficaz para o selamento. Todas as 4 crateras já apresentavam forte desmoronamento de teto e eram responsáveis diretas pelas rachaduras nos bairros da capital. Todas as cavidades estavam em movimento vertical, praticamente fora da camada de sal-gema o que demandaria celeridade para atenuar os problemas de rachadura na superfície. Em paralelo ao acordo que vinha sendo construído, a Braskem já dava andamento ao processo de fechamento das minas com a contratação dem empresas e especialistas e aluguel de equipamentos. Até que no dia 20 de novembro de 2020 um ofício devastador, sob o ponto de vista financeiro, foi emitido pela Agência Nacional de Mineração.
O Ofício
No documento encaminhado a Braskem, a ANM (Agência Nacional de Mineração) estebelecia a necessidade do cumprimento de novas exigências para aprovação do plano de fechamento de algumas minas. Outras medidas também foram solicitadas pela Agência e estavam relacionadas ao sistema de monitoramento do avanço das crateras. Normas usadas para o fechamento dos poços não cumpriam com a legislação, o material sólido que iria ser injetado nas minas não era adequado e até a escolha dos poços que seriam somente pressurizados ou preenchidos, na análise da Agência não tinham critérios definidos e os motivos das escolhas não estavam claros.
Os pedidos da ANM estavam diretamente ligados a última fiscalização realizada, na época, a pedido de um processo judicial na Justiça Federal. Técnicos da Agência Nacional de Mineração realizaram uma inspeção na região das Minas em Maceió para acompanhar como estava acontecendo, na prática, o monitoramento do avanço das crateras para a superfície. No relatório de resposta ao processo judicial a ANM fez críticas ao processo e ao plano apresentado levantando falhas graves. O relatório aponta que “(…) relativos às medições de sonares e desativação dos poços de extração de sal, verificou-se que os planos de fechamento apresentados não contemplam os itens das normas técnicas da legislação mineral vigente sobre fechamento de mina e a falta de monitoramento constante por parte da empresa acerca da estabilidade das cavidades subterrâneas resultante do método utilizado, ou seja, dissolução do sal, indicando possíveis progressões da geometria das cavidades e as subsidências resultantes desta atividade. No plano de fechamento de mina que foi apresentado pela empresa não consta cronograma para planos de monitoramentos contínuos, e os dados de monitoramento realizados, apresentam tão somente dados brutos, sem representação gráfica no contexto da geologia e sem interpretações dos mesmos de forma objetiva quanto à evolução dos parâmetros medidos e monitorados e, ainda, sem uma justificativa técnica para o emprego de diferentes procedimentos e etapas de desativação para cada poço/cavidade, tais como, arrasamento provisório para alguns e fechamento definitivo para outros, em etapas diferenciadas do plano de fechamento”. O relatório conclui que “(…) diante de todas as considerações supracitadas fica ressaltada a necessidade de monitoramentos contínuos de vários parâmetros na área afetada pela atividade mineral, mais estudos técnicos (…), bem como avaliações conclusivas dos resultados dosmonitoramentos em conjunto com assessorias especializadas, visando complementar os estudos da CPRM acerca da influência da atividade de lavra por dissolução de sal função do perfil estrutural geológico da área e a evolução dos eventos tectônicos ocorridos na região”.
Na prática, a ANM questionava que era preciso aperfeiçoar o monitoramento de avanço das crateras para se ter respostas mais rápidas. O desejo da Agência era de que esse monitoramento fosse em tempo real, ou quase real, e não como é reaizado hoje de forma periódica. Para exemplificar, não houve estudos de sonares na ultima semana durante o risco de doliamento,o último estudo de sonares realizado foi no dia 04 de novembro, há mais de um mês e são esses dados que são trabalhados para adoção de medidas. A ANM também foi enfática para que a mineradora apresentasse estudos que complementassem as conclusões da CPRM. Na prática, a Braskem nunca admitiu culpa nos eventos em Maceió e ao longo de 5 anos apenas um único documento relaciona os eventos na capital a existência a extração de sal-gema e é esse mesmo documento que aponta que o fechamento das minas poderia resolver o problema. É como se a Agência estivesse solicitando que a Braskem confirmasse que foi mesmo a empresa responsável pelo desastre.
Além disso, e talvez mais importante, o ofício da ANM que exigia a adoção de novas medidas complementares por parte da Braskem, aumentaria e muito a previsão de gastos da empresa com o fechamento dos poços em colapso. Para se ter uma idéia do volume das solicitações, o plano da Braskem, orçado em R$ 1.2 bilhão, passaria a ter um orçamento inicial de R$ 4.2 bilhões. Porque além da aquisição de novos equipamentos de monitoramento, a ANM pediu para que praticamente todos os outros poços fossem fechados com material sólido e não com pressurização. Na época, a Braskem vivia um dos piores momentos de sua história com as ações na Bolsa em queda e acionistas que ameaçavam ir a justiça para evitar mais perdas.
Monitoramento em tempo real … do mercado financeiro
Adotar as medidas teria uma repercussão desastrosa junto ao mercado financeiro. A Braskem já havia calculado a distribuição dos lucros dos acionistas provisionando apenas o gasto inicial. Se adotadas, por mais seguras que fossem, as medidas teriam impacto direto nos valores do mercado. O teor na íntegra do ofício nunca foi publicizado, mas as informações dadas na matéria podem ser confirmadas por outro documento elaborado pela própria Braskem. No dia 26 de novembro de 2020 a Braskem elaborou um “fato relevante”, uma comunicação direta ao mercado financeiro e seus acionistas onde confirma a existência do ofício e revela parte das medidas complementares que estavam sendo exigidas pela ANM bem como o impacto financeiro em suas contas que tais exigências trariam.
O próprio documento informa que a empresa iria recorrer da decisão da Agência e foi o que aconteceu. Não tivemos acesso as informações sobre os movimentos feitos pela Braskem nos bastidores para convencer a ANM a flexibilizar o pedido, nem os argumentos e/ou garantias dados pela mineradora para que medidas que questionavam um trabalho de alta gravidade, que poderia colocar em risco milhares, fossem simplesmente dispensadas. Também não é possível afirmar se houve algum tipo de movimento político por conta da aproximação do governo federal na época com os executivos da Braskem, mas o fato é que, no dia 17 de fevereiro do ano seguinte, 2021, a Agência Nacional de Mineração volta atrás no ofício, “libera” a Braskem das adequações exigidas, mantém o Plano de fechamento das Minas originalmente proposto pela Braskem e mantém o custo da operação de fechamento dos poços no valor inicial fazendo a Braskem “economizar” R$ 3 bilhões. O comunicado oficial da desistência das exigências da ANM foi feito pela própria mineradora.
Na sequência, um novo “fato relevante” foi emitdo para acalmar o mercado e acionistas da empresa.
O fato é que as medidas que poderiam ter mudado a forma do Plano de fechamento das Minas em Maceió permaneceu em vigor somente por 3 meses, e saiu de cena sem absolutamente nenhuma justificativa. Os critérios técnicos que levaram a agência a recuar nunca foram trazidos a superfície da história. Talvez se adotados, tivessem evitado a atual situação para a capital de Alagoas: a incerteza sobre as consequências do evento que pode ocorrer nas próximas semanas e outros eventos semelhantes e até piores que podem emanar a qualquer momento.
Os especialistas
A reportagem do Na Rede ouviu dois técnicos que participaram das investigações em Maceió e ajudaram na elaboração do relatório da CPRM. Nenhum deles quis ter a identidade revelada para não se comprometerem. Quando questionados se as medidas exigidas pela ANM na época fossem mantidas poderiam evitar o caos provocado pelo desabamento da mina 18, ambos disseram que sim! E as justificativas também coincidem. Um monitoramento mais eficiente poderia prever e até explicar como uma cratera que 2019 estava ainda na camada de sal há cerca de mil metros de profundidade, em três anos avança e está hoje, segundo a Braskem e Defesa Civil, há menos de 300 metros da superfície e com grave risco de dolinamento. E as ações para conter esse avanço vertical poderiam ter sido adotadas com mais celeridade, caso esse monitoramento fosse contínuo e não periódico.
Ambos também acreditam que a melhor alternativa para o fechamento das Minas era mesmo o preenchimento com material sólido, uma vez que não há garantias de que a pressurização vai se manter ao longo dos anos. No acordo, a Braskem se compromete a monitorar essas minas somente por 10 anos, podendo ser prorrogado por mais tempo. Mas se essas mesmas cavidades já de despressurizaram uma vez, o fato poderia acontecer novamente no futuro.
Outro consenso foi o estudo mais aprofundado sobre a relação entre a mineração e as rachaduras nos bairros de Maceió. Os técnicos afirmaram que, embora não fosse o escopo do trabalho da CPRM, o processo teria dado indícios que houve falhas no caso de Maceió. Como a suspeita de que algumas minas nunca foram pressurizadas antes do fechamento, e que outras tiveram sua extração maior do que a capacidade que as licenças permitiam. Há suspeita até da forma como essas licenças eram concedidas. Um dos técnicos lembrou que uma das minas a de número 07, teve sua perfuração feita numa falha geológica e um processo de licenciamento sério, jamais teria dado autorização para isso acontecer. Respostas que só poderiam ser confirmadas com estudos mais aprofundados.
A Polícia Federal confirmou que mantém uma equipe completa em Maceió e segue com o inquérito policial que apura a responsabilidade criminal da mineradora e de agentes públicos no processo. Tavez seja a única possibilidade de se comprovar de forma documental a responsabilidade da empresa.
O MPF disse em nota que “A investigação acerca da situação de afundamento do solo está em curso na Polícia Federal, inclusive a situação atual. Mas nenhum fato ficará de fora das apurações.” e complementa que “o acompanhamento do MPF em relação ao fechamento das minas se dá no sentido de averiguar se a Braskem está fazendo o que é determinado pela ANM, o órgão regulador da mineração no país, conforme determinado já na sentença de 2019. Novas obrigações foram estabelecidas em razão do acordo socioambiental celebrado em dezembro de 2020. O MPF não possui atribuição e nem expertise para influenciar a concepção do plano de fechamento das minas. O MPF acompanha se a Braskem cumpre o que é determinado pela ANM e junto à ANM se ela está fiscalizando este cumprimento.”
A assessoria de comunicação da ANM confirmou o recebimento de nossos questionamentos, mas até o fechamento da reportagem nenhuma informação havia sido encaminhada
Questionada, para essa reportagem, a Braskem sequer emitiu uma nota sobre o assunto até o fechamento do material. Posteriormente, após publicação, a assessoria de comunicação encaminhou a seguinte nota na íntegra:
‘A Braskem esclarece que é inverídica a afirmação de que o aspecto financeiro pauta suas tratativas com a Agência Nacional de Mineração (ANM). As medidas executadas do Plano de Fechamento de Mina são definidas com base em análises técnicas e com o respaldo de consultorias e especialistas nacionais e internacionais.
A Braskem não poupa esforços para garantir a segurança das pessoas. Essa é uma prioridade para a empresa. Os recursos empregados no plano de fechamento incluem a utilização das tecnologias mais modernas no mundo para este tipo de situação. À medida que os estudos foram avançando, algumas medidas foram reajustadas para que se pudesse adotar a melhor solução técnica para cada cavidade.
Os dados continuam sendo compartilhados com as autoridades competentes, e o trabalho é regulamente acompanhado pela ANM.’
Fonte: Portal na Rede