Cerveja, carne, leite e material de construção mais caros. E além de tudo isso, uma conta de luz ainda mais salgada do que a atual.

Segundo representantes da indústria e de entidades de defesa do consumidor, esses podem ser alguns dos efeitos da MP (medida provisória) de privatização da Eletrobras, aprovada na segunda-feira (21/06) pelo Congresso e que agora aguarda sanção presidencial – o que deve acontecer num prazo de até 15 dias, que vence em 6 de julho.

1. Venda de energia mais cara após a privatização

A Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) estima que a MP de privatização da Eletrobras, da forma como foi aprovada pelo Congresso, deve gerar um custo adicional de R$ 400 bilhões aos consumidores ao longo dos próximos 30 anos.

A maior parcela desse custo, de R$ 300 bilhões nos cálculos da entidade, será resultado da venda a preços de mercado de uma energia comercializada atualmente mais barata pela Eletrobras, devido ao fato de ser produzida por usinas hidrelétricas antigas, cujos investimentos já foram amortizados ao longo dos anos de operação.

“A ‘descotização’ significa vender essa energia a preços de mercado, então ela vai passar de R$ 100, para R$ 200”, diz Cavalcanti. “Estão tentando convencer o consumidor de que a hora que você aumenta o preço de R$ 100 para R$ 200, vai abaixar o valor da energia elétrica. Não há matemática no mundo que sustente isso.”

2. Obrigação de construir termelétricas a gás onde não há oferta do combustível

Um segundo fator que deve gerar custos adicionais para os consumidores foi uma obrigação criada pelos parlamentares na tramitação da MP de contratação pelo governo de 8 GW (gigawatts) em termelétricas a gás natural, que devem ser instaladas em sua maioria em Estados das regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste.

É o que se chama em política de “jabuti” – uma norma incluída na tramitação de um projeto de lei ou medida provisória que não tem relação com o tema em discussão. O termo tem origem no ditado popular “jabuti não sobe em árvore”, que se refere a fatos que não acontecem de forma natural.

Pela MP aprovada, as novas termelétricas vão operar na base do sistema, isto é, de forma permanente e não apenas quando as demais fontes estiverem gerando de forma insuficiente. E com uma inflexibilidade de 70%, o que significa que elas vão operar obrigatoriamente 70% do tempo, mesmo que outras fontes mais baratas e limpas possam atender a demanda num determinado momento.

Além disso, como a produção de gás natural do Brasil vem principalmente do pré-sal, em alto mar, será necessário construir gasodutos e linhas de transmissão para integrar essas usinas ao sistema. A Fiesp estima que a construção dessa infraestrutura pode gerar um custo adicional de R$ 50 bilhões aos consumidores em 20 anos.

3. Obrigação de contratar pequenas hidrelétricas

Outro “jabuti” incluído pelos parlamentares na MP da Eletrobras foi a obrigação de contratar PCHs (pequenas centrais hidrelétricas), usinas de pequeno porte e alto custo de geração, devido à ausência de ganhos de escala.

“A obrigatoriedade de contratação de pequenas centrais hidrelétricas vai contra toda a lógica do setor elétrico: a fonte é a menos competitiva dentre as renováveis, pressionando os custos finais da energia”, escreveu o Idec, em nota divulgada em meados de junho. “Não há, portanto, qualquer razão técnica, econômica e social para tratamento diferenciado para essa tecnologia.”

A Fiesp estima que a reserva de mercado para PCHs representa quase R$ 30 bilhões de custos adicionais em 20 anos, na comparação com outras renováveis mais competitivas.

4. Renovação de contratos de eólicas incentivadas

Por fim, a quarta medida que deve gerar custos adicionais para os consumidores foi a prorrogação de contratos de energia de eólicas incluídas no Proinfa (Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica).

“Essas usinas tiveram subsídio durante 20 anos e os contratos estão sendo prorrogados ao custo de energia de um leilão de usinas novas. Nesse tipo de leilão, as usinas ainda precisam ser construídas, então o custo da energia contempla a amortização dos investimentos”, explica Clauber Leite, do Idec.

Assim, pelo que foi aprovado na MP, os contratos dessas usinas, que são antigas e já tiveram seus custos de instalação amortizados, estão sendo prorrogados a esse preço mais alto.

“Isso vai encarecer a tarifa para os consumidores em geral”, avalia o especialista.

A Fiesp estima que o custo adicional com essa prorrogação do subsídio será de cerca de R$ 20 bilhões em 20 anos.

Mas como tudo isso chega no preço da cerveja, da carne e do leite?

Todos esses bilhões em custos adicionais vão encarecer a conta de luz dos consumidores nos próximos anos, explicam os especialistas.

Mas o efeito não para por aí. Isso porque a energia elétrica representa uma parte relevante dos custos da indústria e do setor de serviços.

Assim, esse aumento de preço da energia deverá também ser repassado aos produtos que consumimos, assim como acontece quando o diesel e o gás natural são reajustados.

Segundo levantamento da Abrace (Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres), o custo com energia elétrica representa 48% do preço do leite, 34% do valor da carne, 28% do que pagamos na cerveja e 10% do gasto em materiais de construção e açúcar.

“Este acréscimo de custo pode representar, por exemplo, um aumento de 10% no leite e 7% na carne para todos os brasileiros”, estimou a Abrace, em comunicado publicado em maio.

Esse impacto se adiciona a um cenário que já é de pressão nas tarifas, com reajustes que podem chegar a 20% ou 30% em 2022, por causa da situação dos reservatórios em meio à crise hídrica e de aumentos que foram evitados pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) em meio à pandemia, alertou ainda a entidade.

Dois terços do impacto da alta de preços da energia elétrica se dá nos produtos ou serviços consumidos pela população, estima o setor produtivo.

Por exemplo, o vergalhão de aço, o cimento e o vidro, usados na reforma de residências, vão sofrer os efeitos desse aumento de custos. O frango congelado e a carne, que usam muita energia em seus processos produtivos, também devem ficar mais caros. O salão de beleza, com seus diversos equipamentos elétricos, pode ter de cobrar mais dos consumidores.

Ou seja, o impacto indireto é maior do que o efeito direto sobre as contas de luz.

Redação com BBC Brasil

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