Pablo Gomes – Jornalista e cineasta
Sigurdur “Siggi” Thordarson, testemunha chave no processo do Departamento de Estado dos EUA contra o jornalista Julian Assange, admitiu ter feito acusações falsas contra o fundador do Wikileaks em retorno de imunidade em processos contra ele nos Estados Unidos. A revelação foi publicada em um artigo do Stundin, periódico islandês. Thordarson confessou que fabricou a alegação de que Julian Assange o tinha instruído a hackear computadores na Islândia.
A confissão de Siggi Thordarson, um criminoso condenado, prova que os Estados Unidos inventou provas contra Assange, num processo para aprovar a extradição de Assange do Reino Unido aos Estados Unidos, onde ele seria punido por publicar documentos secretos do governo americano, espionagem e fraude informática. A confissão de Thordarson na semana passada também demonstra que a justiça britânica fazia parte do jogo para incriminar Assange a qualquer custo.
Os documentos publicados pelo Wikileaks em 2010 e 2011, vazados pelo soldado Chelsea Manning, incluem evidências de crimes de guerra dos EUA no Afeganistão e Iraque, além de planos conspiratórios dos EUA em várias partes do mundo. Desde então, Assange tem sido perseguido e processado pelo governo americano, numa tentativa não só de calar o jornalista, mas também de desmoralizar ele ou qualquer pessoa que tente expor os crimes cometidos por Washington.
Na publicação do Stundin no dia 26 de junho, o jornal escreve “De fato, Thordarson agora admite ao Stundin que Assange nunca lhe pediu para hackear ou acessar gravações telefônicas de parlamentares [da Islândia]…Sua nova alegação é que ele, de fato, tinha recebido alguns arquivos de uma terceira parte que alegou ter gravado parlamentares e propôs compartilhá-los com Assange sem ter nenhuma ideia do que eles realmente continham”. A testemunha afirmou que também nunca verificou o conteúdo dos arquivos oferecidos.
Thordarson forneceu ao jornal registros de chats de 2010 e 2011, provando que ele pedia para que hackers atacassem ou roubassem informações de entidades e sites islandeses. No entanto, o jornal declarou que não encontrou provas de que Thordarson tivesse sido instruído a fazer esses pedidos por alguém ligado ao WikiLeaks. “Além disso, ele nunca explicou por que o WikiLeaks estaria interessado em atacar quaisquer interesses na Islândia, especialmente em um momento tão delicado, enquanto estavam publicando uma enorme quantidade de telegramas diplomáticos dos EUA”.
Na entrevista ao Stundin, Thordarson voltou atrás de praticamente todas as denúncias que tinha feito ao longo do processo. Na denúncia feita pelo governo americano contra Assange em junho de 2020, Thordarson admitiu que Assange teria lhe pedido para cometer hackeamento de computadores e roubar informações, incluindo gravações de audio do parlamento islandês. Thordarson agora admite que Assange nunca lhe pediu tais informações e que ele teria recebido os audios de terceiros.
Thordarson também teria afirmado que Assange sabia dos encontros entre Thordarson e Hector Monsegur, lider do grupo de hackers Lulzsec, e que o fundador do Wikileaks sabia que Monsegur planejava fazer ataques cibernéticos na Islândia. Não muito tempo depois, Monsegur se tornou informante do FBI em troca de imunidade. No artigo do jornal Studin, Thordarson teria voltado atrás e apresentado documentos que mostram que não houve envolvimento nem de Assange e nem de membros do Wikileaks com membros do Lulzsec.
Assim como Monsegur, Thordarson também chegou a cooperar com o FBI. Em agosto de 2011, oficiais americanos desembarcaram em Reykjavik, capital da Islândia, alegando estarem no país para investigar crimes cibernéticos. No entanto, o Ministro das Relações Interiores da Islândia, Ögmundur Jónasson, acabou descobrindo que a presença do FBI no país era apenas um falso pretexto para prender Assange. Hoje também se sabe que na ocasião, oficiais americanos se encontraram com Thordarson, que teria aceitado cooperar com o governo americano dando informações sobre crimes cibernéticos envolvendo Julian Assange. O relacionamento entre Thordarson e espiões norte americanos (que incluia viagens do hacker para os EUA em troca de informações e entrega de documentos que incriminassem Assange), continuou até 2014, quando Thordarson foi condenado pela corte islandesa por falsidade ideológica (incluindo tentativas de se passar por Julian Assange) e por molestar garotos menores de idade. Um laudo psiquiátrico acabou atestando que o rapaz é um sociopata.
No entanto, o atestado de sociopatia de Thordarson não incomodou Washington. Após a expulsão de Assange da embaixada do Equador em Londres em 2019, autoridades americanas voltaram a entrar em contato com Thordarson numa tentativa de usá-lo como informante ou como testemunha contra Assange. Em maio de 2019, o governo Trump chegou a dar imunidade a Thordarson como recompensa.
Desde o governo Obama, Washington tem usado de truques sujos e armadilhas para tentar incriminar Julian Assange a qualquer custo. Para isso, Washington burlou leis internas, violou leis de soberania de outros países como é o caso da Islândia, com o objetivo de desmoralizar e incriminar Assange e qualquer um que ouse a expor os crimes de Washington.
Julian Assange não é o único caso conhecido de perseguição de Washington por exercer liberdade de expressão. Chelsea Manning, responsável por vazar os documentos para o Wikileaks foi processada e presa por expor crimes de guerra do governo americano no Oriente Médio. Edward Snowden, ex agente da CIA, que vazou para o mundo o esquema de espionagem dos EUA durante o governo Barack Obama contra cidadãos americanos, vive hoje na Rússia como exilado. Snowden comemorou no twitter o artigo do jornal Studin “isto é o fim do processo contra Julian Assange”.
Tanto Democratas quanto Republicanos temem e repudiam a liberdade de expressão. É preciso controle de informação para que o imperialismo americano continue cometendo crimes no mundo inteiro sem ser questionado. A perseguição covarde de Washington contra Assange é um alerta para comunicadores do mundo inteiro. Washington não pensará duas vezes antes de violar leis, desrespeitar direitos sociais e individuais daqueles que se atrevam a expor a verdade. No caso de Julian Assange, Washington também teve apoio dos governos do Reino Unido e da Austrália nos processos mentirosos contra o jornalista e fundador do Wikileaks. Essa é a prova de que a liberdade de expressão é uma luta da classe trabalhadora e não da burguesia que está a frente desses governos e que cooperarão com Washington ou qualquer outro governo que queira perseguir jornalistas, artistas e comunicadores.
A defesa de Julian Assange, Chelsea Manning, Edward Snowden e tantos outros que se levantaram contra crimes cometidos pelo governo americano ou outros governos mundo afora é uma agenda da classe trabalhadora que deverá ser erguida e defendida a todo custo, sobretudo neste momento em que a crise do sistema capitalista traz de volta a ameaça do fascismo e da censura em várias partes do mundo.