Em discurso na Celac, Lula pede fim das ameaças dos EUA e defende a integração da América Latina e Caribe, abordando desafios políticos e sociais.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em um breve discurso na 4ª Cúpula Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) e da União Europeia (UE), neste domingo, abordou o extremismo político na região, com uma indireta para que os EUA deixem de ameaçar a estabilidade política na região. Lula citou, ainda, o desafio da segurança pública, tema em pauta nas últimas semanas no Brasil; além de cobrar que a próxima pessoa a ocupar o cargo de secretaria-geral da Organização Nações Unidas (ONU) seja uma mulher.
— A América Latina e o Caribe vivem uma profunda crise em seu processo de integração, voltamos a ser uma região balcanizada e dividida, mais voltada para fora do que para si próprio. A intolerância ganha força e vem impedindo que diferentes pontos de vista se sentem à mesa. Voltamos a viver com extremismo político, da manipulação da informação e do crime organizado. Projetos pessoais e apego ao poder muitas vezes solapam a democracia — discursou o presidente.
Conferência
O presidente fez, ainda, um apelo pela reconstrução da integração latino-americana e caribenha, criticando o isolamento político da região e a falta de resultados concretos nas cúpulas entre países vizinhos. Sem citar nomes, fez alusão à ausência do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, à 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30).
— Como resultado, vivemos de reunião e reunião repleta de ideias e iniciativas que muitas vezes não saem do papel. Nossas cúpulas se tornaram um ritual vazio, dos quais se ausentam os principais líderes regionais — acrescentou Lula.
Problema
O presidente também criticou o uso da guerra na Europa como justificativa para o aumento dos gastos bélicos, apontando que os recursos destinados a conflitos poderiam ser usados para o desenvolvimento social e ambiental. Lula ressaltou que “democracias não combatem o crime violando o direito internacional” e voltou a apoiar o fortalecimento da cooperação transnacional contra o crime organizado, destacando que nenhum país pode enfrentar o problema de forma isolada.
O encontro reúne líderes europeus e latino-americanos e caribenhos para discutir uma ampla agenda global, com ênfase em educação, saúde, inovação, inteligência artificial, comércio, investimentos e combate ao crime organizado. Esta é a quarta cúpula entre a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos e a União Europeia, e o décimo encontro entre as duas regiões desde 1999.
Os chefes de Estado, durante a cúpula, buscam consolidar a chamada ‘Declaração de Santa Marta’ e o ‘Mapa do Caminho 2025-2027’, instrumentos que visam converter o diálogo birregional em ações concretas e orientar a implementação das prioridades entre as duas regiões.
Leia, adiante, a íntegra do discurso de Lula na Celac:
Quero saudar o trabalho da Colômbia e da União Europeia pela realização desta Quarta Cúpula birregional. Desejo igualmente expressar minhas condolências às vítimas das tempestades que atingiram recentemente o Caribe e o estado do Paraná, na região Sul do Brasil. Nossos pensamentos e orações estão com todas as vítimas e seus familiares.
A CELAC e a União Europeia são centrais para a construção de uma ordem mundial baseada na paz, no multilateralismo, e na multipolaridade. Há dois anos, quando nos reunimos em Bruxelas pela última vez, vivíamos um momento de relançamento dessa histórica parceria. Desde então, experimentamos situações de retrocesso.
A América Latina e o Caribe vivem uma profunda crise em seu projeto de integração. Voltamos a ser uma região balcanizada e dividida, mais voltada para fora do que para si própria.
A intolerância ganha força e vem impedindo que diferentes pontos de vista possam se sentar à mesma mesa. Voltamos a conviver com as ameaças do extremismo político, da manipulação da informação e do crime organizado.
Projetos pessoais de apego ao poder solapam a democracia. Estamos deixando de cultivar nossa vocação de cooperação e permitindo que conflitos e disputas ideológicas se imponham.
Como resultado, vivemos de reunião em reunião, repletas de ideias e iniciativas que muitas vezes não saem do papel. Nossas Cúpulas se tornaram um ritual vazio, dos quais se ausentam os principais líderes regionais.
A guerra no coração da Europa segue semeando a incerteza e canaliza para fins bélicos recursos até então essenciais para o desenvolvimento justo e sustentável que sonhamos. A ameaça de uso da força militar voltou a fazer parte do cotidiano da América Latina e do Caribe. Velhas manobras retóricas são recicladas para justiçar intervenções ilegais.
Somos uma região de paz e queremos permanecer em paz. Democracias não combatem o crime violando o direito internacional. A democracia também sucumbe quando o crime corrompe as instituições, esvazia os espaços públicos, destrói famílias e desestrutura negócios.
A segurança é um dever do Estado e um direito humano fundamental. Não existe solução mágica para acabar com a criminalidade. É preciso reprimir o crime organizado e suas lideranças, estrangulando seu financiamento e rastreando e eliminando o tráfico de armas. O alcance transnacional do crime coloca à prova nossa capacidade de cooperação.
Nenhum país pode enfrentar esse desafio isoladamente. Ações coordenadas, intercâmbio de informações e operações conjuntas são fundamentais para que a gente consiga vencer. Foi com esse objetivo que renovamos o Comando Tripartite da Tríplice Fronteira, com a Argentina e o Paraguai.
Em Manaus, estabelecemos o Centro de Cooperação Policial Internacional da Amazônia, reunindo agentes de nove países sul-americanos. Essas são plataformas permanentes de cooperação para combater crimes financeiros e o tráfico de drogas, de armas e de pessoas.
Meus amigos e minhas amigas, a COP30, que está acontecendo no coração da Amazônia, é uma oportunidade para a América Latina e o Caribe mostrarem ao mundo que conservar as florestas é cuidar do futuro do planeta.
O Fundo de Florestas Tropicais para Sempre é uma solução inovadora para que nossas florestas valham mais em pé do que derrubadas.
A transição energética é inevitável. Nossa região é fonte segura e confiável de energia limpa e pode acelerar a redução da dependência dos combustíveis fósseis.
Também temos um enorme potencial de aprofundar nossos laços econômicos. O Acordo MERCOSUL-União Europeia prova que é possível fortalecer o multilateralismo também na frente comercial.
Na próxima Cúpula do MERCOSUL, em dezembro, espero que os dois blocos possam finalmente dizer sim para o comércio internacional baseado em regras como resposta ao unilateralismo.
Com esse instrumento, integraremos duas das maiores áreas de livre comércio do mundo para formar um mercado de 718 milhões de pessoas e PIB de 22 trilhões de dólares.
Novas cadeias produtivas resilientes podem reverter o papel da América Latina e o Caribe de fornecer matéria-prima e mão-de-obra barata para o mundo desenvolvido.
Somos duas regiões pioneiras na promoção da igualdade de gênero. Podemos abrir o caminho para a superação do trabalho invisível e não remunerado das tarefas de cuidado, que recaem de forma desproporcional sobre as mulheres. Mulheres que, apesar de representarem mais da metade da população mundial, nunca exerceram a mais alta função das Nações Unidas. É chegada a hora de ter uma latino-americana no cargo de Secretária-Geral da ONU.
Precisamos enviar ao mundo um sinal de que duas regiões estratégicas como América Latina e Caribe e a Europa estão comprometidas com uma agenda promissora.
Uma agenda de paz, cooperação, ampliação do comércio e dos investimentos, geração de empregos e crescimento sustentável. Fatores essenciais para construir um futuro inclusivo e repleto de oportunidades.
Muito obrigado.
Fonte: Correio do Brasil






