Subiu para 82 o número de trabalhadores resgatados em condições análogas à escravidão em duas fazendas de arroz em Uruguaiana, na Fronteira Oeste do Rio Grande do Sul, na última sexta-feira (10).
O Ministério Público do Trabalho (MPT) tinha informado inicialmente o resgate de 56 pessoas. No entanto, uma nova contagem foi realizada, cruzando dados de todas as equipes que participaram da ação, e divulgada nesta segunda-feira (13).
O resgate foi feito por auditores-fiscais do trabalho em conjunto com a Polícia Federal e MPT na nesta sexta-feira (10), nas estâncias Santa Adelaide e São Joaquim, após uma denúncia sobre a presença de adolescentes nas propriedades, sem carteira assinada e com condições irregulares.
Dos 82 resgatados, 54 foram encontrados na Santa Adelaide e 28 na São Joaquim. Todos eram de municípios da Fronteira Oeste, em especial Itaqui, São Borja, Alegrete e Uruguaiana.
Nas duas fazendas, os fiscais do trabalho descobriram que o grupo era contratado para fazer o corte do arroz vermelho, que é uma gramínea que cresce junto do arroz e provoca perdas à lavoura.
Os próprios trabalhadores deveriam providenciar instrumentos de trabalho, e a aplicação de agrotóxicos era feita sem equipamento de proteção individual. Conforme os relatos, um dos menores sofreu um acidente com um facão e ficou sem movimentos de dois dedos do pé.
Jornadas extenuantes, sede, fome e desmaios
As jornadas dos trabalhadores eram extenuantes e começavam antes mesmo de chegarem à frente de trabalho pois eram obrigados a caminhar sob o sol por cerca de 50 minutos, do alojamento até a área de cultivo de arroz, e mesmo assim não tinham direito sequer a beber água.
De acordo com o auditor-fiscal do trabalho Vitor Siqueira Ferreira, além de sede, os trabalhadores também passavam fome, porque a comida azedava ou estava infestada de formigas. O resultado é que chegavam a desmaiar de fome e sede e ainda tinham descontos nos salários por isso.
“Sem condições de terminar a jornada, eles perdiam parte do salário. É evidente que os desmaios aconteciam e que não era dado nenhum cuidado pelo explorador da mão de obra. Se ele [o trabalhador] não cumprir a jornada, seja por qualquer motivo, não recebe [a diária]”, disse Ferreira.
Nos locais, foi constatado também que os trabalhadores recebiam R$ 100 por dia, pagos semanalmente, e eram responsáveis por preparar o próprio almoço, que muitas vezes estragava devido ao calor intenso, e eram obrigadas a comprar as ferramentas usadas no trabalho. Os dias em precisavam ficar afastados em razão de doença eram descontados do salário.
Contratados por “gato”
Os trabalhadores eram da região e foram recrutados por um “gato” – um agenciador de mão de obra que atuava na Fronteira Oeste – e sequer conheciam o dono das propriedades.
“Estamos investigando a real titularidade da relação de emprego, pois existe um dono das terras, que contratou uma empresa robusta para fazer a semeadura e o cultivo do arroz. Estamos reunindo documentos para saber como é a relação entre o dono da safra e a empresa responsável pelo semeador e cultivo, para saber quem é o real titular da relação de trabalho com essas pessoas”, explica o auditor-fiscal.
Segundo ele, “o grau de ofensividade da situação vai desde não ter água, comida, banheiro, local para descanso, até realizar uma atividade extremamente difícil em condições climáticas extremamente exigentes. Isso é o que mais afronta a dignidade do trabalhador”.
Na mesma ação de resgate, um homem, de 56 anos, foi preso em flagrante suspeito de ser o responsável pelo aliciamento dos trabalhadores. Ele, que não teve o nome revelado, foi solto no sábado (11) após o pagamento de fiança.
Segundo maior resgate de trabalho escravo no RS em 2023
Dentre os 82, estão 11 adolescentes com idades entre 14 e 17 anos. Esse é o segundo maior resgate registrado no Rio Grande do Sul, ficando atrás somente dos 207 trabalhadores encontrados no último dia 22 de fevereiro, em Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha.
Em todo o Estado já são até agora 291 resgatados em 2023, número que está perto do dobro dos 156 resgatados no ano passado, que já havia representado um triste e lamentável recorde.
RS produz mais de 70% do arroz nacional
O estudo “Radiografia da Agropecuária Gaúcha 2022”, feito pelo Departamento de Políticas Agrícolas e Desenvolvimento Rural, aponta que o Rio Grande do Sul é responsável por 70,4% da produção nacional do arroz. A região de Uruguaiana produz 32% da safra do Estado.
Fonte: CUT