A grande crise do sistema capitalista mundial atingiu proporções comparáveis às que precederam a Segunda Guerra Mundial, levando o mundo a uma reação fascista que culminou na morte de milhões. Hoje, mais uma vez, as elites capitalistas recorrem ao fascismo como estratégia para preservar o próprio sistema. Em diversos países, a burguesia tem apoiado partidos de extrema direita, que ganham força sobretudo em razão da crescente rejeição — ainda que passiva — às políticas de centro e da pseudo esquerda, muitas das quais se renderam à conciliação com os interesses da classe dominante.
A ascensão do partido ultradireitista AfD (Alternativa para a Alemanha), a eleição de Giorgia Meloni — que já teceu elogios públicos a Benito Mussolini —, além das vitórias recentes de Javier Milei na Argentina e Jair Bolsonaro no Brasil, são provas concretas do avanço da ameaça fascista em escala global.
Nos Estados Unidos — epicentro do imperialismo mundial —, a eleição de Donald Trump em 2024 marca o ressurgimento do autoritarismo no coração do capitalismo global. Sua vitória sobre a candidata democrata Kamala Harris foi, em grande medida, uma expressão da insatisfação popular diante dos ataques do governo Biden, incluindo o apoio incondicional ao genocídio promovido por Israel em Gaza, o financiamento da guerra na Ucrânia contra a Rússia e o aprofundamento de políticas que atacam os direitos da classe trabalhadora dentro dos próprios EUA.
Embora setores da classe trabalhadora tenham depositado em Trump a expectativa de mudança, é evidente que ele não fará nada de substancialmente diferente do que Biden já vinha fazendo. Pelo contrário: Trump representa uma ameaça concreta de aprofundamento do projeto fascista nos Estados Unidos.
Desde sua posse, Trump compôs seu gabinete com figuras autoritárias e reacionárias. Entre elas, Robert F. Kennedy Jr., notório negacionista e antivacina, foi nomeado chefe do Departamento de Saúde, enquanto Marco Rubio, uma das vozes mais conservadoras da política americana, assumiu o Departamento de Estado. Uma figura emblemática — ainda que hoje afastada de Trump — é Elon Musk, bilionário responsável pela criação do DOGE (Departamento de Eficiência Governamental), encarregado de cortar milhares de empregos em nome da “redução de custos”. Musk, cuja fortuna foi construída com amplo apoio de subsídios públicos, justificava o DOGE como uma forma de eliminar “cargos ineficientes e custosos”. Na prática, a medida aprofundou os ataques aos direitos sociais, desmontando programas como o Medicaid, o Medicare e a seguridade social.
O avanço autoritário de Trump atinge diretamente as instituições e a Constituição dos EUA. Desde o início de seu novo governo, ele intensificou a perseguição a imigrantes, em uma escalada que remete aos métodos nazistas da década de 1930. Imigrantes — documentados ou não — vêm sendo parados, detidos e deportados para verdadeiros campos de concentração, como as prisões de regime ditatorial em El Salvador. Foi nesse contexto que Kilmar Abrego Garcia foi sequestrado por agentes do ICE (Serviço de Imigração e Controle de Alfândega), sem qualquer direito ao devido processo legal.
Trump também tem atacado sistematicamente a liberdade de expressão, voltando-se nos últimos meses especialmente contra estudantes e professores universitários. Sob o pretexto de combater o antissemitismo, o ex-presidente tem ameaçado deportar estudantes que protestam contra o genocídio do povo palestino, acusando-os de “apoiar o Hamas” ou de “irem contra os valores ocidentais”.
Um dos casos mais emblemáticos é o de Momodou Taal, estudante da Universidade Cornell, que decidiu deixar os EUA após ser ameaçado de deportação por protestar contra os crimes cometidos por Israel. Centenas de outros estudantes estão tendo seus vistos cancelados por expressarem críticas à guerra imperialista. Nas últimas semanas, os ataques de Trump às universidades se intensificaram, com foco especial em Harvard, que se recusou a se curvar ao autoritarismo, ao contrário de outras instituições.
Esses ataques não se limitam a estudantes, imigrantes ou trabalhadores. Juízes e políticos que resistem ao autoritarismo e às ilegalidades do ex-presidente também têm sido alvo de intimidação, processos e até prisões. A juíza Hannah Dugan, do Tribunal de Circuito de Milwaukee, foi acusada de interferência em uma operação do ICE. Já o prefeito de Newark, Ras Baraka, foi preso em 9 de maio de 2025, no centro de detenção Delaney Hall, em Nova Jersey, após tentar visitar o local junto com membros do Congresso.
Nos últimos dias, Trump tem elevado o tom de seu confronto com a ordem constitucional. Na noite de sábado, 7 de junho, ordenou a federalização da Guarda Nacional da Califórnia, medida contestada pelo governador democrata Gavin Newsom. No domingo, cerca de 2.000 soldados da 79ª Brigada de Infantaria de Combate, a maior da Guarda Nacional da Califórnia, foram enviados a Los Angeles. Já na segunda-feira, 9 de junho, Trump sugeriu a prisão de Newsom, que havia desafiado a presença militar ordenada pela Casa Branca em resposta aos protestos de imigrantes.
A grave crise política nos EUA não é um fenômeno isolado. Assim como na Europa, Ásia e América Latina, ela é fruto direto da crise econômica do sistema capitalista. E assim como na década de 1930, a burguesia recorre novamente ao fascismo para preservar seus privilégios.
Trump, portanto, não é um acidente ou um desvio. Sua ascensão é resultado direto da falência do sistema político bipartidário americano que representa os interesses de Wall Street e do complexo militar. Tanto os democratas quanto os republicanos são cúmplices desse avanço autoritário. Na verdade, Trump apenas dá continuidade — de forma mais brutal — às políticas que os democratas iniciaram. Não é à toa que, mesmo após ter orquestrado uma insurreição em 2021 que culminou na invasão do Capitólio e na morte de civis e policiais, Trump voltou ao poder com a passividade — senão cumplicidade — do Partido Democrata. Até o momento, os Democratas ainda não chamaram Trump do que ele realmente é: um fascista.
E agora, quatro anos depois, Trump retorna para concluir o projeto autoritário que fracassou em 2021: transformar-se em um ditador. Diante da total ausência de oposição real dentro da elite política, cabe à classe trabalhadora se organizar e resistir. A luta contra o fascismo nos Estados Unidos precisa estar ligada à luta contra o sistema que o gera: o capitalismo. E isso inclui enfrentar também o Partido Democrata e a burocracia sindical, que atuam como barreiras contra a construção de um movimento de massas combativo, anti-imperialista, anticapitalista e verdadeiramente democrático.
Os protestos em Los Angeles são apenas o começo. Estamos diante de uma oportunidade histórica de reconstruir um movimento de luta que una estudantes, trabalhadores e imigrantes numa frente consciente contra o fascismo — e, sobretudo, contra sua verdadeira origem: o sistema capitalista.
Pablo Gomes é jornalista