A redução da jornada de trabalho, que especialistas veem como positiva, pretende servir de estímulo ao aumento da produtividade e combater mudanças demográficas prejudiciais à economia do país
O Japão é, hoje, a quarta maior economia do mundo em PIB nominal. Até o fim de 2023, antes de passar por mais uma queda abrupta de crescimento (com uma redução avistada de 0,4% no PIB), o país ocupava a terceira posição — que agora é da Alemanha.
A mudança no cenário de crescimento japonês está associada a fatores socioeconômicos específicos, como a transição gradual da sua demografia, com o aumento do envelhecimento populacional e a queda das taxas de natalidade, e as consequências derivadas no mercado de trabalho, que já foi considerado um dos mais rigorosos do mundo.
Até 1987, os trabalhadores no Japão tinham uma jornada média de trabalho de 46 horas por semana, uma das mais altas entre os países desenvolvidos. A maioria das pequenas empresas determinava uma semana de seis dias trabalhados — a escala conhecida como 6×1, em que há apenas um dia de descanso semanal. https://97da78d0b8d0c781c10ba6ba76d2625c.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-40/html/container.html?n=0
Mas uma percepção tem sido progressivamente desfeita na cultura de trabalho do país: a de que muitas horas trabalhadas são sinônimo de mais produtividade. https://d-163496063905627030.ampproject.net/2410292120000/frame.html
De acordo com índices econômicos para as 7 maiores economias do mundo (G7), a produtividade média do trabalho no Japão tem alcançado os piores índices, desde a década de 1970, em vista de horas de trabalho mais longas.
Apesar disso, ao longo das últimas décadas, o país tem avistado uma diminuição considerável de sua jornada de trabalho — já em 2019, de acordo com dados da OCDE, os trabalhadores japoneses atingiram o marco de 1.644 horas trabalhadas, um número menor do que aquele avistado em países europeus, como Espanha e Itália. Nos EUA, a média foi de 1.779 horas.
Escala 4×3
A mais recente mudança no panorama de trabalho japonês foi a adoção, que deve ocorrer em Tóquio a partir de abril de 2025, de uma nova escala de trabalho de quatro dias, com três folgas semanais (a escala 4×3).
A nova política foca na melhoria dos índices de produtividade do trabalho e no combate a problemas socioeconômicos que têm sido um empecilho no crescimento do país — especialmente as baixas taxas de natalidade, o rápido envelhecimento populacional e as discrepâncias na divisão de responsabilidades entre homens e mulheres.
A escala 4×3 já tem sido testada em diversos países, sobretudo os da União Europeia. Após 2020, com as mudanças drásticas causadas pela pandemia de COVID-19, adaptações na carga e no formato do trabalho (como a escala híbrida, que intercala o trabalho presencial e o home-office) têm gerado resultados positivos no bem-estar e na felicidade do trabalhador, fatores essenciais à produtividade, em países como Noruega, Dinamarca e Áustria.
“Embora contrarie a lógica convencional, evidências sugerem que, quanto menos horas trabalhadas, maior é a produtividade por hora”, afirma Ângelo Vieira Jr., professor e especialista em Inovação. “Trabalhar quatro dias por semana promove maior foco, melhor gerenciamento do tempo e, consequentemente, redução de atividades improdutivas”.
Além da possibilidade de três dias de folga por semana, o governo de Tóquio ainda quer instituir outras medidas de ajuste entre vida e trabalho, que permitam uma melhor divisão de responsabilidades entre homens e mulheres e um equilíbrio entre carreira e maternidade — a fim de estimular o aumento da fecundidade.
Uma dessas medidas é a opção de trocar parte do salário por uma jornada de trabalho mais curta, oferecida a pessoas com filhos que frequentam a escola primária, até a terceira série.
Para a governadora de Tóquio, Yuriko Koike, a revisão e a flexibilização do trabalho devem beneficiar sobretudo as mulheres, para que “não tenham de sacrificar suas carreiras devido a eventos da vida”, como o parto e a criação dos filhos, afirmou em entrevista ao Japan Times.
Em 2022, de acordo com dados do Banco Mundial, a taxa de nascimentos por mulher no Japão era de 1,26 filho, e uma em cada 10 pessoas tinha 80 anos ou mais — posicionando-o como o segundo país com a população mais velha do mundo, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS).
“No Japão, muitas mulheres e famílias optam por abrir mão da maternidade para focar na vida profissional, pois o trabalho doméstico e de cuidadoras é muito intenso e as impede de progredir nas suas carreiras e ter independência financeira”, aponta Thais Requito, especialista em produtividade sustentável e futuro do trabalho. “Isso faz com que a população envelheça e haja menos nascimentos. O benefício de reduzir a carga de trabalho é dividir de forma mais igualitária as responsabilidades do trabalho doméstico. Com a divisão de tarefas, mais mulheres optariam por ter filhos.”
Burnout: trabalho à exaustão
No Japão, o termo “karoshi” designa um fenômeno que passou a ser comum a partir de 1987, quando o governo japonês começou a registrar formalmente as mortes associadas à exaustão por jornadas de trabalho excessivas. O termo se refere a um cansaço crônico e por vezes fatal, que pode ser traduzido, de maneira mais simples, como “morrer de tanto trabalhar”.
Hoje, o Conselho Nacional de Defesa para vítimas de Karoshi oferece compensações às famílias japonesas afetadas por essa espécie mais grave de burnout. Em 2015, de acordo com o Ministério do Trabalho japonês, os pedidos de indenização de mortes por exaustão atingiram o marco recorde de 2.310 por ano.
“O Brasil ocupa o segundo lugar no mundo em casos de burnout, atrás apenas do Japão. Essa condição apresenta sinais e sintomas preocupantes, e os impactos das questões de saúde mental nos negócios são evidentes”, prossegue ela. “Por exemplo, dados da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG) apontam que problemas relacionados à saúde mental impactam em 4,7% do PIB nacional, ou cerca de R$ 397 bilhões por ano. Esse impacto inclui perda de produtividade, aumento de licenças médicas, rotatividade de funcionários, perda de talentos e redução da vantagem competitiva das empresas”.
No Brasil, uma emenda constitucional em trâmite, apresentada pela deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP), quer reduzir a jornada de trabalho legal no país de seis para cinco dias por semana (de 44 horas para 36 horas semanais). A PEC recebeu mais de 2 milhões de assinaturas em abaixo-assinado de apoio.
“Já houve, no Brasil, um piloto da semana de quatro dias, e muitas empresas aderiram, o que gerou dados bastante interessantes”, diz Requito. “Os resultados apontam para um aumento significativo na produtividade, redução dos níveis de estresse, melhora da cultura organizacional e até na criatividade dos trabalhadores. Esses dados são especialmente relevantes diante do cenário alarmante de burnout, a síndrome de esgotamento profissional reconhecida pela OMS como um fenômeno ocupacional”.
“Enquanto discutimos a escala 6×1 e se as pessoas merecem dois dias de folga, vemos países que já estão à frente, considerando a felicidade, os resultados e o futuro, ao invés de simplesmente aumentar a carga horária de trabalho”, nota Ângelo Vieira Jr. “Isso mostra uma reflexão sobre as pessoas e suas necessidades, o que é uma questão importante dentro do processo capitalista”.
Fonte: Revista Fórum