Luciana Caetano
Economista, Doutora em Desenvolvimento Econômico
O período 2003-2014, no Brasil, foi marcado por um conjunto de políticas públicas que cumpriam o propósito prioritário de reduzir a extrema pobreza e as desigualdades sociais. O propósito foi alcançado, embora o Estado de bem estar-social nunca tenha sido consolidado à semelhança dos países ricos. Redução da desigualdade remete à redistribuição da renda, contrariando interesses dos 10% mais ricos que concentram mais de 40% da renda produzida no país.
O golpe de 2016 foi planejado para elevar os ganhos das grandes corporações e reposicionar os mais pobres na condição de extrema pobreza. Em 2018, o país voltou a ocupar o mapa da fome. O que essa discussão tem a ver com os combustíveis? TUDO. A elevação de preço dos derivados do petróleo, transfere renda da classe trabalhadora às corporações que assumiram uma fatia desse mercado, a partir das concessões ao setor privado, incluindo a Shell.
A partir de 2016, Michel Temer alterou a política de preço dos derivados do petróleo, adotando os preços de paridade de importação (PPI) para diesel e gasolina, ao condicionar os preços dos derivados ao preço do barril de petróleo no mercado internacional e à taxa de câmbio. O custo de produção deixou de ser referência, mesmo o Brasil sendo autossuficiente na produção e no refino, atualmente.
Em 2019, Jair Bolsonaro estendeu essa mesma política de preços ao gás de cozinha (GLP), que tinha preços estáveis entre 2007 e 2014. Nesse período, o gás ficava entre R$ 37,0 e R$ 45,0 e comprometia, aproximadamente, 6% do salário mínimo (R$ 724,0). Atualmente, o mesmo botijão compromete 9% do novo mínimo (R$ 1.100,0) e concorre com outros produtos que sofreram reajustes ainda mais elevados (carne bovina, derivados do leite, feijão, óleo de soja, arroz etc.). Para piorar, o número de desempregados aumentou 111,5% passando de 6,66 milhões (3º trimestre/2014) para 14,1 milhões (3º trimestre/2020), deixando grande parte da população em condição de absoluta miséria.
Pela atual política, toda vez que o dólar ou o preço do barril sobem, os combustíveis ficam mais caros, embora o movimento inverso nunca resulte em queda de preços no mercado varejista, na mesma proporção. Essa rigidez dos preços à queda e a hiper sensibilidade ao movimento de alta proporcionam às empresas do setor uma capacidade extraordinária de acumulação às custas dos salários corroídos pela elevação do custo de vida dos assalariados.
Segundo Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), no Brasil, o barril de petróleo tipo Brent iniciou o segundo semestre de 2014 cotado a US$ 112 (BOOK_BOLETIM_PREÇOS2015_ANP_17x25cm.indd), mas Dilma Rousseff usou o poder de acionista majoritário da Petrobras para controlar os preços, não permitindo que a volatilidade do mercado internacional interferisse nos preços do mercado nacional, garantindo à população brasileira preços justos.
A partir de julho/2014 (ver gráfico), o preço do petróleo começou a cair no mercado internacional, chegando a US$ 60 por barril em nov/2014. Nesse mesmo período, o preço da gasolina estava em torno de R$ 2,85 no Brasil, 44% acima do preço do mercado internacional. Atualmente, o preço do barril está custando US$ 60, mas o consumidor está pagando 82,5% mais caro (R$ 5,20), com a mesma carga tributária. A subutilização da planta industrial para favorecer concorrentes estrangeiras e forçar o país a importar petróleo refinado é um crime de lesa pátria.
Comportamento dos preços dos contratos futuros do petróleo, 2011-2014.
Fonte: Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis.
Aberração tributária
Em 2017, o governo Michel Temer concedeu isenção fiscal a empresas privadas concorrentes da Petrobras, abrindo mão de bilhões de reais, com a sanção da Lei 13.586/2017 que institui regime tributário especial para atividades de exploração, desenvolvimento e produção de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos. Com essa artimanha, deu a Shell uma fatia de mercado que corresponde a 400 mil barris/dia com absoluta renúncia fiscal, enquanto subutiliza a capacidade instalada da Petrobras. Com seus grupos lobistas, são as empresas privadas que definem o preço dos combustíveis no Brasil.
Atualmente, o governo federal tenta atribuir à carga tributária a culpa pelos preços elevados ao invés de fazer o debate sobre a política de preços. É preciso compreender a armadilha desse discurso. Para não contrariar interesses das corporações privadas e dos grandes acionistas do setor, o governo federal desafia governadores a baixarem o ICMS, sob a garantia de baixar os impostos federais, nesse período crítico de perda de receita fiscal nas três esferas de governo.
A redução ou isenção de Confins, ICMS, CIDE, PIS/PASEP não irá segurar os preços por muito tempo e diminui a capacidade de intervenção do Estado na recuperação da economia. Em um país com o nível de desigualdade social como o Brasil, a renúncia fiscal tende a produzir sérios danos colaterais, notadamente, aos mais pobres. Mas isso não é um problema dos acionistas da Petrobras nem das empresas privadas do setor, é um problema dos movimentos sociais e sindicais, é um problema da classe trabalhadora.
Desde o golpe de 2016, a agenda neoliberal tem guiado as decisões do Congresso Nacional de modo que recursos essenciais à vida e estratégicos à soberania nacional têm sido alvo de uma campanha agressiva de privatização, com o apoio da mídia tradicional, em detrimento dos interesses da sociedade brasileira. A financeirização dos recursos naturais resultou em preços abusivos de água, energia elétrica, gás, diesel e gasolina. O Estado Nacional precisa retornar à política de preços anterior ao golpe de 2016 e estancar as privatizações, sob pena de continuar acentuando as desigualdades sociais.