Paulo Memória é jornalista e cineasta

Entre a prisão de Lula e a de Bolsonaro, passaram-se mais de 7 longos anos, período negro da história brasileira recente. Acredito que quem mais terá condições de explicar esta “era da insanidade” política e social não serão os historiadores, sociólogos, antropólogos, filósofos ou os economistas, mas eles, e tão somente eles, talvez consigam decifrar o que ocorreu com a sociedade brasileira neste período nefasto: refiro-me aos psiquiatras! Neste período ocorreram duas grandes tragédias de grandes proporções, uma involuntária e outra conscientemente, que foram a pandemia e o fascismo. Tenho algumas presunções que talvez colaborem na resolução, ao menos em parte, deste enigma: a manipulação midiática, digital e religiosa.

A dissonância cognitiva coletiva que se instalou no âmago da nossa civilização ainda é uma incógnita, que precisará de um grande exercício de análise científica e mais ainda de um profundo esforço de interpretação imaginativa, para chegarmos a uma conclusão sobre os fatos ocorridos neste período marcado por fakenews (uma releitura do conceito da “mentira repetida” inventada pelo marqueteiro nazista Joseph Goebbels), negacionismo e a perda de direitos sociais conquistados em décadas, com o apoio desta nova categoria social, classificada sociologicamente como “pobre de direita”, um fenômeno que só a psiquiatria mesmo poderá chegar a alguma conclusão, que explique os motivos da sua evolução.

É fato que o avanço da democracia brasileira ainda é uma conquista muito recente, só ocorrendo com a ascenção da “Nova República”, com a eleição de Tancredo Neves/José Sarney para a presidência da república em 1985, substituindo a ditadura militar, que chegou ao poder pelo golpe de 64 e se consolidou por 21 longos anos de repressão e totalitarismo. A verdade é que não conseguimos perceber a fragilidade do processo de transição institucional ao longo desses 40 anos da redemocratização brasileira. É preciso que também seja dito, que, apesar das profundas desigualdades sociais e econômicas, o país parecia ter solidificado o fortalecimento das instituições democráticas e do Estado de Direito. Esta certeza começa a ruir com o empoderamento da operação Lava-Jato, dos movimentos de direita e extrema-direita que começaram a colocar a cara nas ruas em grandes manifestações pedindo o Fora Dilma!

O golpe do impeachment da Presidenta legitimamente eleita Dilma Rousseff, baseada na falácia das “pedaladas fiscais”, sem um único crime de responsabilidades fiscal, a prisão ilegal, porque sem provas, do Presidente Luis Inácio Lula da Silva pelo tribunal de exceção comandado por Sérgio Moro, na “República de Curitiba”, abriu caminhos pra a eleição de um reles e mediocre deputado federal do baixo clero, identificado com um histórico e um discurso neofascista, chamado Jair Bolsonaro, para presidente do Brasil. O “óbvio ululante” se concretizou e o governo Bolsonaro se revelou um total desastre político, econômico e humanitário, com um ministério de “sem biografias”, composto por um bando de desonestos, desqualificados e desequilibrados.

Apesar de uma eleição marcada por uma série de irregularidades e crimes eleitorais gritantes, apesar de Bolsonaro ter ampliado sua votação em 2022 em relação a 2018, e, mais do que a sua gestão catastrófica da pandemia, o deboche como tratou os 700 mil mortos vitimados pela covid-19, deram a terceira vitória presidencial a Lula, ainda que por uma apertada margem de voto. O mito, como os bolsonaristas se referem ao seu líder maior, após derrotado, tentou articular um Golpe de Estado para assaltar o Palácio do Planalto, que restou, como tudo proposto por ele, em um retumbante fracasso, cujo desfecho foi sua prisão, condenado a uma pena de mais de 27 anos de reclusão, com grandes chances de serem cumpridas na Papuda. E assim será o fim do “capitão”, destinado ao esquecimento e ao lixo da história. Falta ainda, entretanto, derrotarmos o bolsonarismo, que continua pulsando em segmentos expressivos da sociedade brasileira.

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