Os policiais Renato Torquatto da Cruz e Robson Noguchi de Lima, da Rocam, já presos preventivamente, poderão responder por homicídio doloso duplamente qualificado contra Igor Oliveira de Moraes Santos, de 24 anos

Por Paulo Batistella — Ponte Jornalismo

O Ministério Público de São Paulo (MP-SP) denunciou, nesta segunda-feira (21), quatro policiais militares (PM) pela morte de Igor Oliveira de Moraes Santos, o jovem de 24 anos executado em uma operação no último dia 10 de julho na comunidade de Paraisópolis, na zona sul de São Paulo. Imagens da câmera operacional corporal (COP) de um dos PMs mostraram que a vítima foi baleada quando já estava rendida.

Os policiais Renato Torquatto da Cruz e Robson Noguchi de Lima, ambos já presos preventivamente, poderão responder por homicídio doloso duplamente qualificado — por motivo torpe e mediante recurso que dificultou a defesa da vítima —, caso a Justiça estadual aceite a denúncia do MP-SP.

Integrantes da Ronda Ostensiva com Apoio de Motocicletas (Rocam) do 16º Batalhão de Polícia Militar Metropolitano (BPM/M), o segundo batalhão mais letal do estado, eles foram os autores dos disparos que mataram Igor. Renato foi o primeiro atirar, com uma pistola Glock .40, mesmo após a vítima ter acatado a ordem para que levasse as mãos à cabeça, e Robson atirou em seguida, com uma espingarda calibre 12.

Também foram denunciados os policiais Hugo Leal de Oliveira Reis e Victor Henrique de Jesus, que, segundo o MP-SP, contribuíram para a execução do assassinato na medida que participaram da rendição da vítima. Eles ainda realizaram disparos de arma de fogo no mesmo cômodo em que ocorreu a morte.

“Os denunciados agiram impelidos por motivo torpe, deliberando matar o suspeito já rendido e subjugado em ato de desforra e de justiçamento, prevalecendo-se do poder estatal e com o uso indevido da força”, escrevem na denúncia os promotores de Justiça Estefano Kvastek Kummer, Enzo de Almeida Carrara Boncompagni e Marcelo Alexandre de Oliveira, à qual a Ponte teve acesso.

“Além disso, o homicídio foi cometido com emprego de recurso que dificultou a defesa da vítima, haja vista que a vítima já estava rendida e subjugada pelos denunciados, com as mãos levantadas à cabeça, quando foi covardemente alvejada por disparos de arma de fogo”, acrescentam.

Câmera desmentiu versão de PMs

Na ocasião em que foi morto, Igor e outros três homens fugiam de uma abordagem policial e invadiram a casa de uma moradora da comunidade, que não estava no local naquele momento. Eles foram alcançados, ainda assim, pelos quatro policiais envolvidos no episódio, em um quarto da residência.

Um boletim de ocorrência registrado no 89º DP (Jardim Taboão) trouxe uma primeira versão dos policiais sobre o ocorrido. Segundo eles, os suspeitos não obedeceram à ordem para se entregar. Igor teria se levantado, portando uma arma na cintura. Ao ver que o jovem teria feito menção de atirar, Renato disparou, conforme relatou à Polícia Civil. Os demais teriam se deitado e jogado as armas sob a cama. Além do revólver atribuído a Igor, duas pistolas e drogas ilícitas foram apreendidas.

Robson reforçou a versão de que Igor resistiu à rendição e, ao avistar o revólver na cintura dele, “foi necessário efetuar disparos contra o indivíduo, para cessar a injusta agressão”. A delegada Maria Luiza Huff Ropsson determinou a prisão dos três homens que estavam com Igor e não contestou a versão dos PMs. Em sua justificativa, afirmou que as declarações dos policiais têm “presunção de veracidade até prova em contrário”. Dois dos presos não tinham antecedentes criminais.

As imagens da COP utilizada por Renato, no entanto, desmentiram essa versão. Elas mostram os policiais caminhando pelos cômodos da casa até chegarem ao quarto onde Igor foi morto. Assim que a porta do quarto é aberta, é possível ouvir os primeiros disparos, com os quatro homens no quarto já rendidos. Em seguida, um dos agentes ordena: “deite, deite” e entra no cômodo. Logo depois, um PM dispara novamente e, ao sair do quarto, repete em voz alta: “as COPs, as COPs”. Mais um disparo é ouvido.

Ao analisar as imagens, a própria PM-SP realizou a prisão em flagrante dos agentes. A hipótese de legítima defesa foi descartada, já que Igor estava rendido e desarmado. “As imagens registradas com o advento das câmeras não evidenciam qualquer excludente de ilicitude, pois em nenhum momento o civil Igor demonstrou resistência ativa ou passiva à ação dos policiais, tampouco qualquer ameaça concreta à integridade física destes”, escreveu o 1º tenente João Paulo Ferreira Cabreira no auto de prisão.

Os dois policiais presos foram encaminhados ao Presídio Militar Romão Gomes e permaneceram em silêncio durante o interrogatório da autoridade judiciária militar. A investigação foi remetida depois à Justiça Comum por decisão do juiz Luiz Alberto Moro Cavalcante, com base em entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) de que a Justiça Militar não pode deliberar, nem em fase de inquérito, sobre a ocorrência de eventuais excludentes de ilicitude. A decisão foi publicada no dia 11.

PM-SP divulgou, erroneamente, que local da execução era casa-bomba

Naquele mesmo dia, a Ponte conversou com a moradora do imóvel onde Igor foi executado, localizado em uma viela próxima à Rua Rudolf Lotze. Inicialmente, a PM-SP divulgou que o local seria uma “casa-bomba”, termo usado para designar entrepostos do tráfico, mas voltou atrás.

A moradora estava no trabalho quando passou a receber ligações de parentes avisando que a imprensa dizia que a casa dela era usada pelo tráfico, com base apenas na versão da PM. “Cheguei e perguntei o que estava acontecendo, e [os policiais] foram muito arrogantes comigo, falaram que eu tinha aberto a porta para eles [os homens perseguidos pela PM] entrarem”, disse. “Meu quarto está cheio de tiro e de sangue. O dinheiro do aluguel, que deixei perto da Bíblia, levaram. Não consegui dormir até agora.”

A morte de Igor gerou protestos na comunidade de Paraisópolis, com barricadas de fogo, saques e confrontos durante a noite. Segundo a PM, houve troca de tiros. Bruno Leite, de 29 anos, foi baleado e morreu. Moradores afirmam que ele estava ferido no chão e a PM impediu que fosse socorrido.

O que dizem os denunciados

A Ponte ainda tenta contato com as defesas dos denunciados. Se houver retorno, a reportagem será atualizada. O espaço segue aberto para eventuais manifestações.

Fonte: ICL

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