Nos últimos dez anos, pelo menos 50 mil pessoas podem ter morrido em acidentes de trabalho no Brasil. De acordo com dados oficiais, foram 23 mil mortes, mas pesquisadores afirmam que, entre 2012 e 2021, foi contabilizado apenas quem estava no mercado formal, ou seja, os números reais podem ser mais que o dobro. Por outro lado, registram-se déficit de auditores fiscais e queda de 70% do orçamento da área.
Dados do INSS compilados pelo Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho, iniciativa da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Ministério Público do Trabalho (MPT), mostram que, na última década, 22.954 pessoas morreram em acidentes de trabalho no país. No período, foram registrados junto ao INSS 6,2 milhões de comunicações de acidentes de trabalho (CATs).
O Brasil registra uma média de 7,4 mortes por acidente de trabalho por 100 mil habitantes. Para comparar, na Argentina são 3,7 e no Chile, 3,1 por 100 mil habitantes. No mundo, Armênia, com 13,6, e Uzbequistão, 8,1 por 100 mil habitantes, estão entre os países com as maiores taxas de mortes. Na outra ponta estão, por exemplo, Finlândia, com 1,4 morte por 100 mil habitantes, e Alemanha, com 1.
No mesmo dia em que esses números foram divulgados pelo jornal Valor, o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait) denunciou que, nos últimos dez anos, houve uma redução de cerca 45% do quadro de auditores no Brasil e de quase 70% dos recursos orçamentários da área. O último concurso público ocorreu em 2013, para preenchimento de cem vagas. Em algumas localidades, não há sequer um auditor para investigar denúncias de acidentes de trabalho atualmente, nem mesmo os fatais.
“Nenhuma morte causada pelo trabalho deveria ser considerada normal”
“Desde o ano 2000, são mais de 2.500 mortes em acidentes de trabalho por ano. Mas, se incluirmos também a população não coberta pela Previdência, esse número deve ser pelo menos o dobro e teríamos ao redor de 5.000 mortes anuais na última década”. A afirmação é do pesquisador René Mendes, do Instituto Saúde e Sociedade, da Unifesp, e coordenador da Frente Ampla em Defesa da Saúde dos Trabalhadores, em entrevista ao Valor.
“Nenhuma morte causada pelo trabalho deveria ser considerada normal”, afirma Mendes. Ele aponta que o Brasil reduziu os registros nos últimos 50 anos, mas as taxas sem mantiveram elevadas nas duas últimas décadas.
“Os números da Previdência são uma fração do universo da população economicamente ativa. Há também os informais e outras categorias que não são contempladas por essas estatísticas da Previdência, como autônomos, servidores públicos, militares. Por isso digo que a estimativa é que o número de mortes é, no mínimo, o dobro”, diz Mendes.
O INSS afirmou ao Valor que não dispõe de porta-voz para falar sobre o assunto e sugeriu contato com o MPT. A procuradora regional do MPT de São Paulo Marcia Kamei Lopez Aliaga disse acreditar que as cifras reais podem chegar ao dobro porque os informais não entram no cômputo do INSS e porque a subnotificação de ocorrências é grande. E mesmo os números oficiais já são alarmantes, avalia a procuradora.
Além dos acidentes fatais, o estudo do Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho mostra que, entre 2012 e 2021, o INSS concedeu 2,5 milhões de benefícios, como auxílio-doença e auxílio-acidente. No período, o gasto previdenciário com acidentes passou de R$ 120 bilhões. Em 2021, o número de benefícios para acidentados cresceu 212% em relação a 2020, passando de 72.367 para 153.333. Em 2019, antes da pandemia, foram 195.841.
Com a pandemia, devido à redução da atividade econômica, os números diminuíram, mas, com a retomada das atividades, voltam a subir. “Os gastos são preocupantes. Tivemos número reduzido pela queda da atividade econômica no período, mas quando retornamos voltamos ao patamar anterior, com setores em situação pior do que antes”, diz a procuradora Marcia Kamei Lopez Aliaga.
Sindicatos de Metalúrgicos de Osasco e Região denunciam falta de fiscais
Em São Paulo, maior polo industrial do país, a falta de fiscalização é uma grande preocupação de trabalhadores e trabalhadoras. De acordo com a Convenção 81 da OIT, da qual o Brasil é um dos signatários, o ideal é um fiscal por 10 mil habitantes; no estado de São Paulo, a média é de 1 fiscal para 72 mil habitantes. Há um déficit de 85% de auditores fiscais (bem acima do já alto índice nacional, de 45%). Conforme a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego no Estado de São Paulo (SRTE), o estado conta com 177 auditores responsáveis pela fiscalização do trabalho, em condições de receber ordem de serviço. Mas o ideal seria 1.141, conforme a legislação.
O Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco e Região fez um levantamento, em 2017. De 2010 a 2016, ocorreram 94 acidentes na categoria, com média de 3 mortes por ano; 54% das vítimas tinham entre 16 e 35 anos.
A Gerência Regional do Trabalho e Emprego de Osasco e região, que atende a 16 municípios, deveria ter 54 auditores fiscais, mas há somente 4. Três deles são capacitados para fiscalização quanto à legislação e 1, para fiscalização na área de saúde e segurança, mas, por estar com atividades restritas, não pode fazer trabalho de campo. Ou seja, não fiscal para ir aos locais em caso de acidente. Foi o que aconteceu em 22 de fevereiro. Houve um acidente fatal em uma fábrica de Taboão da Serra, mas apenas um mês depois um fiscal foi local, deslocado de Bauru, distante 350 quilômetros.
O coordenador da subsede do sindicato em Taboão da Serra, Marcelo Mendes, disse ao Sintrajufe/RS, por telefone, que a situação piorou ainda mais com a reforma trabalhista de 2017, que permite acordos entre empresários e trabalhadores sem a presença do sindicato. “O processo de sucateamento do Ministério do Trabalho vem de muitos anos, mas piorou”, diz Mendes.
“O discurso é que tem muito servidor, que a máquina está inchada, mas é o contrário, precisa ter concurso para repor esse quadro”, diz Mendes. Ele afirma que “a situação é dramática” e que só se consegue a presença de um auditor fiscal nas fábricas quando há acidente fatal “e só um mês depois”. O sindicalista ressalta que os trabalhadores vivem em risco, porque não há fiscalização dos locais, das máquinas: “a fiscalização das relações de trabalho é mais que fundamental”.
O Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco e Região fez uma campanha denunciando o desmonte do sistema de fiscalização. Em março, apresentou um documento à Federação dos Metalúrgicos do Estado de São Paulo, a fim de que o movimento sindical se articule para cobrar do governo federal, do Ministério do Trabalho e Emprego, do Ministério da Economia, do Congresso Nacional, “a criação de concursos públicos para contratar auditores em número suficiente para atender as necessidades das Superintendências de todo o país, e contratar funcionários públicos para atividades administrativas”. A entidade também destaca ser necessário “aumentar os recursos e tomar medidas para adequar a estrutura desses órgãos às necessidades da fiscalização e a defesa das demais condições de trabalho e legislação trabalhista”.
Diversos sindicatos se uniram e, com o Comitê Intersindical de Saúde e Segurança no Trabalho, denunciaram a situação junto à Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de São Paulo.
Fonte: Sintrajufe/RS