Colapso funerário faz crescer nº de sepultamentos em covas rasas. Espaços destinados ao passeio público se tornam corredores de caixões, que ficam a apenas 50 cm da superfície.

Todos têm direito a funeral e sepultamento dignos, conforme suas crenças e vontades, como garantido pela Constituição Federal Brasileira. Em Maceió, no entanto, para muitas famílias, esse direito tem sido violado, fazendo com que elas enterrem seus parentes nos corredores de cemitérios, em covas rasas, que ficam a apenas 50 cm do chão.

Ao cruzar os muros desses locais, é preciso ter cuidado para não tropeçar em um dos caixões expostos após ação do vento e das chuvas, que acabam tirando a fina camada de areia que os separa da superfície. E nem é preciso ir longe para constatar esse fato. No Cemitério São José, no bairro do Trapiche da Barra, isso se tornou uma constante.

Há algum tempo, a capital alagoana vive um cenário de colapso funerário. Com oito cemitérios públicos, dos quais um está interditado para sepultamentos por ficar localizado em uma região afetada pelas atividades da Braskem, não há mais vagas disponíveis para quem não tem um jazigo garantido e nem recursos para pagar pelo espaço em uma gaveta. A Prefeitura de Maceió já anunciou um projeto para ampliar um desses cemitérios, inclusive com a aquisição de um terreno, mas até agora, a ideia não saiu do papel.

Somente em 2023, conforme dados da Autarquia Municipal de Desenvolvimento Sustentável e Limpeza Urbana (Alurb), foram realizados 1.855 sepultamentos em covas rasas nos cemitérios públicos de Maceió, uma média de 5 por dia. Os dados de 2024 não foram divulgados pelo município, mas esse tipo de situação acontece diariamente.

Na última quinta-feira (21), por exemplo, o motorista por aplicativo Márcio Vieira, assassinado enquanto trabalhava, foi sepultado em uma dessas covas rasas abertas no Cemitério São José. Já em agosto deste ano, a bióloga Neirevane Nunes sentiu na pele a dor de sepultar um parente em cova rasa neste mesmo local. Ela teve um primo, Maycon Nilo Cavalcanti de Moraes, enterrado nessas condições e não esconde a revolta pelo ocorrido.

“Além da dor de perder o parente, estamos nos deparando com uma violação de direito, com o constrangimento de não ter como sepultar os nossos familiares de forma digna, que é um direito de todos, garantido na Constituição. Os cemitérios públicos estão superlotados e os sepultamentos são feitos, em sua maioria, de forma precária, em covas rasas, cobertos por areia em meio à área que era destinada ao passeio público. Meu primo Maycon estava desaparecido, foi encontrado morto e sepultado em cova rasa. Vocês sabem o que é isso? Essa superlotação é também uma questão de saúde pública e sanitária. Isso é revoltante”, afirma.

Ela demonstra indignação, também, com a existência de uma fila de espera para que os sepultamentos aconteçam, o que prolonga ainda mais a dor e o sofrimento das famílias. Em alguns casos, os sepultamentos chegam a ocorrer três ou quatro dias após a morte. “Hoje tem até fila para sepultamento e isso não deveria existir. Eu tenho acompanhado o sofrimento de muitas famílias. É um absurdo o que tem ocorrido em Maceió”, completa.

Junto com Neirevane, o também biólogo e professor José Balbino tem liderado um movimento pelas melhorias das condições de sepultamento na capital, desde que o Cemitério Santo Antônio, no bairro de Bebedouro, foi interditado. Ele conta que o problema é bastante antigo e revela que, em 1910, há 114 anos, o Cemitério de Nossa Senhora da Piedade, no Trapiche da Barra, enviou um documento à administração municipal relatando não ter mais espaço para novos corpos.

O mais recente cemitério de Maceió, o de Ipioca, tem cerca de seis décadas de construído, e foi feito para um público específico, que é a comunidade pesqueira da região. De lá para cá, além da falta de investimentos e da não criação de novos espaços, muitas coisas aconteceram para agravar a crise funerária, como a pandemia da Covid-19, que fez crescer consideravelmente o número de mortes na capital, deixando o que já era ruim, ainda pior.

O Cemitério São José, por exemplo, é descrito pelo professor como “campo de guerra”. Um local que oferece diversos riscos à saúde de quem passa ou trabalha por lá. Diante disso, até visitar um parente sepultado tem virado motivo de preocupação.

“Todas as famílias que não têm jazigo particular no cemitério público e também quem não tem vaga em cemitério particular, não encontram espaço para sepultamento. Maceió vive um colapso do serviço funerário há muitos anos, e isso se exacerbou ainda mais diante da pandemia. Começaram a destruir todos os acessos dos cemitérios, e a enterrar umas pessoas sob as outras, a 50 cm da superfície. É um campo de guerra e se tornou perigoso ir a esses locais. Um problema de saúde pública”, fala o professor Balbino.

Ele conta também que não tem ocorrido um diálogo com a prefeitura no sentido de se buscar uma solução definitiva para o problema. Em 2021, por exemplo, o professor, juntamente com outras pessoas da comunidade, encontraram um local, na região do Conjunto Eustáquio Gomes, na parte alta da cidade, para a construção de um novo cemitério, para abertura de mais vagas. O espaço estava sendo vendido por R$ 7 milhões.

“Apresentamos a proposta, mas eles nem sentaram para discutir. Se o município tivesse comprado a área, hoje estaríamos numa posição tranquila, sem precisar vivenciar um sepultamento no São José, pois é deprimente perder o ente querido e enfrentar, além da dor da morte, o constrangimento de não poder mais velar o corpo, de homenagear o parente e de vê-lo ser enterrado vários dias após a morte. Isso não é enterro, é se livrar de um corpo”, desabafa.

Solução temporária

No primeiro semestre deste ano, o município de Maceió anunciou a aquisição de um terreno na Santa Amélia, para ampliar o Cemitério São Luís, garantindo 1.100 novas vagas. A área para expansão foi desapropriada, porém, até o presente momento, a prefeitura ainda não efetuou o pagamento necessário para o início das obras. Caso isso não aconteça nos próximos dias, a Defensoria Pública Estadual (DPE) diz que vai ingressar com uma ação judicial para exigir que o município adote as medidas necessárias para iniciar a expansão do cemitério.

Para o defensor público Lucas Monteiro Valença, do Núcleo de Tutela Coletiva, a expansão do Cemitério São Luís é uma solução de médio prazo, pois, para resolver o problema de forma definitiva, será necessária a construção de um novo cemitério em Maceió. Ele destaca que outra medida importante seria a aprovação, pelo Município, de uma lei que permita a construção de cemitérios verticais.

“Isso dobraria a capacidade de sepultamento em áreas já existentes, como no caso do São Luís. Portanto, a solução definitiva passa pela construção de novos cemitérios, pela aprovação da legislação que permita o uso de modelos verticais e pela implementação dessas medidas no planejamento das obras de expansão do Cemitério São Luís”, fala.

Conforme a Alurb, para ampliar as vagas nos cemitérios, também está sendo realizada a desapropriação de jazigos inadimplentes ou que estejam em estado de abandono, conforme as disposições legais e regulamentos aplicáveis para se ter a concessão.

Para DPE, a situação dos cemitérios públicos de Maceió é altamente precária e muito aquém do necessário para atender a população. “Há uma necessidade urgente de criação de novos equipamentos públicos para ampliar a oferta de vagas. Atualmente, as famílias enfrentam uma lista de espera para sepultamento, precisando aguardar a liberação de uma vaga, o que muitas vezes não ocorre de forma imediata”, diz.

“A Defensoria tem acompanhado a questão e enfatiza a necessidade de acelerar o início das obras de expansão do Cemitério São Luís como medida emergencial. Atualmente, sem a criação de novas vagas, é impossível atender à demanda de sepultamentos de forma digna e eficiente”, completa.

Fonte: Gazeta Web

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