O deputado federal Isnaldo Bulhões (MDB-AL) emprega em seu gabinete a fisioterapeuta Luciana Pontes de Miranda, esposa do secretário de Saúde de Alagoas afastado do cargo sob suspeita de chefiar um esquema de desvio de recursos do Sistema Único de Saúde (SUS). A Polícia Federal (PF) levantou indícios, no âmbito da Operação Estágio IV, de que ela é funcionária fantasma.
Documentos da apuração, aos quais o ICL Notícias teve acesso, revelam que, além de lotada na Câmara dos Deputados, Luciana mantinha outros dois empregos: trabalhava numa clínica privada (que é alvo da investigação da PF), administrava a própria empresa e ainda cursava medicina em Olinda (PE) — município que fica a cerca de três horas de carro da capital alagoana.
Segundo as investigações, a fisioterapeuta “foi beneficiária direta e indireta dos recursos desviados” na Secretaria de Saúde de Alagoas. A pasta era comandada pelo seu marido, o médico Gustavo Pontes de Miranda, desde 16 de maio de 2022. Ele foi afastado do cargo por 180 dias, após decisão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5).
Já Luciana, está lotada desde fevereiro de 2019 no gabinete de Isnaldo Bulhões como secretária parlamentar. Seu salário bruto é de R$ 9,3 mil, conforme o portal da transparência.
Bulhões é líder do MDB na Câmara e foi o relator do Orçamento da União para 2026. Ele não é investigado pela PF. O ICL Notícias tentou contato com o deputado, com Luciana e com a defesa de Gustavo, mas não obteve retorno.
Em nota divulgada após a Operação Estágio IV, o secretário afastado afirmou que tem mais de 30 anos dedicados à medicina e à atividade empresarial, “jamais sendo citado em qualquer investigação de natureza criminal”.
“Isso porque, simplesmente, nunca pratiquei absolutamente nenhum ilícito penal. Ao contrário, dedico minha vida a salvar outras, tanto na iniciativa privada como no âmbito da administração pública”, acrescentou.
O governo de Alagoas divulgou que o governador Paulo Dantas (MDB) determinou a criação de uma comissão especial para “acompanhar, colaborar e prestar todas as informações necessárias aos órgãos de investigação, garantindo o pleno respeito ao devido processo legal, ao contraditório e à presunção de inocência, princípios fundamentais do Estado democrático de Direito”.
PF pediu anulação de nomeação
A PF pediu à Justiça Federal a anulação do ato de nomeação de Luciana Pontes de Miranda na Câmara dos Deputados e de outros dois investigados na Operação Estádio IV de seus respectivos cargos comissionados. De acordo com a apuração, foi identificado “incompatibilidade de horários, cidade de residência, ausência de comparecimento ao suposto local de trabalho e impossibilidade fática de acúmulo de atividade”.
Além de Luciana, o inquérito menciona Andréia Cavalcante, apontada como suposta amante do Secretário de Saúde, e Raul de Lima, motorista e assessor pessoal de Gustavo. Ambos são empregados da Assembleia Legislativa de Alagoas.
De acordo com a PF, Cavalcante reside em Brasília, enquanto Lima acumula cargos na Secretaria de Saúde e na Prefeitura de Santana do Ipanema (AL) — administrada por Eduardo Bulhões (MDB/AL), sobrinho do deputado Isnaldo Bulhões.
Para a PF, “o contexto da investigação trouxe indícios de que nenhuma dessas pessoas exerce qualquer tipo de atividade nos órgãos públicos, recebendo remuneração apenas em razão de nomeações decorrentes de pedidos do secretário Gustavo Pontes”.
O juiz do TRF-5 responsável por analisar o caso negou o pedido de afastamento dos investigados de seus cargos, sob o argumento de que a situação não está diretamente vinculada ao objeto principal da investigação. No entanto, determinou o envio das informações ao Ministério Público do Estado de Alagoas e ao Ministério Público Federal, “para que adotem as medidas legais cabíveis em suas respectivas áreas de atuação”.
Desvio milionário
A Operação Estágio IV, deflagrada em 16 de dezembro, identificou o favorecimento em contratos emergenciais firmados pela Secretaria de Saúde de Alagoas, entre 2023 e 2025, com duas empresas — uma fornecedora de material hospitalar e uma construtora — que somam quase R$ 100 milhões. Estas contratações teriam gerado pagamentos de vantagens indevidas aos investigados.
Entre as empresas que estão na mira da PF, está a clínica NOT — Núcleo de Ortopedia e Traumatologia, que tinha Gustavo Pontes de Miranda em seu quadro societário até um mês antes de ser contratada pela secretaria por ele comandada. A investigação aponta que Miranda nunca deixou de exercer a gestão da empresa.
A PF apura o desvio de recursos do SUS por meio de ressarcimento superdimensionado à clínica de consultas e procedimentos médicos que não teriam ocorrido, os quais somaram mais de R$ 18 milhões.
De acordo com a PF, a NOT declarou ter realizado 22,7 mil consultas de fisioterapia em um único mês, quando a única fisioterapeuta era Luciana Miranda. Considerando que os atendimentos ocorriam de segunda a sexta, das 7h às 19 h, isso resultaria em 1.137 procedimentos diários. “Ou seja, 95 por hora, quantitativo improvável para apenas uma funcionária, coincidentemente a própria esposa do secretário”, destacou a PF.
“Mais espantoso ainda se torna ao verificar na nuvem de Gustavo Miranda, que sua esposa Luciana Miranda, além do estafante desgaste pela quantidade de atendimentos diários de fisioterapia, teria tempo para realizar o seu curso de medicina na Faculdade de Medicina em Olinda/PE, e ainda exercer a sua profissão junto à Câmara dos Deputados em Brasília, bem como cuidar da administração de sua empresa Leite Spindola ltda em Maceió/AL”, acrescentou os investigadores.
Fonte: ICL






