Há pelo menos dois anos, quilombolas sofrem com invasões e ameaças em seu território
Há pelo menos dois anos, os moradores da comunidade do Quilombo Rio Preto, em Lagoa do Tocantins (TO), sofrem com a invasão dos seus territórios. Na mais nova investida, os invasores, identificados como funcionários da empresa Lagoa Dourada Participações e Serviços S/C Ltda., aterraram um brejo que era de uso da comunidade.
“As pessoas pegam água nele para beber”, conta Alice*, moradora da área. Nas imagens feitas por moradores, é possível ver um trecho do córrego totalmente coberto por terra, interrompendo o fluxo das águas.
A ação da empresa teve início no dia 30 de setembro. Os moradores da comunidade procuraram a Polícia Civil e registraram boletim de ocorrência denunciando a empresa Lagoa Dourada por crime ambiental e continuidade da prática de esbulho possessório.
De acordo com relatos dos quilombolas, os funcionários usaram uma retroescavadeira para lançar entulho no brejo e tornar o local transitável para veículos. Eles acreditam que a ação visa constranger e ameaçar os moradores da comunidade.
“O brejo ficou sujo. Atrapalha o curso natural da água”, conta Alice. Ela pede para ter o nome mantido em sigilo, porque já recebeu ameaças. Não apenas ela, mas muitos moradores da área se sentem intimidados e temem serem vítimas de violências.
O medo tem fundamento, afinal, desde 2023 a comunidade é alvo de investidas agressivas dos invasores. Na ocasião, quatro casas foram incendiadas. Algumas foram totalmente destruídas.
“Eles pegaram a casa, cortaram e juntaram tudo (…). Tocou gasolina e tocou fogo”, contou Dalva, nome fictício de uma moradora que pede para não ter a identidade revelada por medo de retaliações, em entrevista ao Brasil de Fato em fevereiro de 2025. “E aí quando os quilombolas chegaram lá, filmaram. Ainda tinha fumaça”, disse.
A Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Tocantins (Coeqto) publicou uma nota denunciando o caso recente.
“Mesmo diante de sentença judicial que proíbe a empresa Lagoa Dourada de praticar qualquer ato de esbulho possessório contra os quilombolas, bem como de adentrar ou intervir na área da comunidade — sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais) —, a empresa segue descumprindo a decisão”, informa a coordenação.
As investidas contra o território quilombola estão sendo investigadas pela Polícia Federal, mas os criminosos seguem nos arredores da área.
“Devido à falta de punição e de medidas efetivas de proteção à comunidade, há mais de dois anos as famílias vêm sendo vítimas de uma série de ataques criminosos e violações de direitos”, alerta a Coeqto.
As terras ainda não estão devidamente tituladas, ou seja, os moradores não receberam o documento final que garante a eles a segurança jurídica para permanecer no território. Assim, ficam expostos às investidas dos invasores.
“Eles pararam de tocar fogo nas casas”, afirma Alice. “Mas encontraram outras maneiras de ficarem nos coagindo. E eu acho que eles continuam fazendo isso porque eles não foram penalizados”, diz.
Atualmente, cerca de cem pessoas habitam o território. Algumas famílias se mudaram dali por causa das ameaças.
Em agosto de 2023, uma equipe da Secretaria dos Povos Originários e Tradicionais do Estado do Tocantins esteve no local para elaborar um relatório antropológico. O documento lista elementos como o modo de vida comunitário, as manifestações culturais, o cultivo das roças, os utensílios e os relatos dos moradores. “A identidade negra quilombola da comunidade Rio Preto é indiscutível”, confirma o documento.
O cemitério da comunidade, Campo Santo do Bom Jardim, onde estão enterrados os antepassados dos atuais moradores, recebeu em 2023 o reconhecimento do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) como sítio arqueológico histórico, atestando, assim, a existência de uma comunidade quilombola naquelas terras.
Histórico do caso
Os ataques ao Quilombo Rio Preto se intensificaram em meados de 2023, após a Justiça revogar uma decisão anterior que concedia reintegração de posse a fazendeiros e determinar a manutenção da posse pela comunidade Rio Preto, bem como o fim da prática de esbulho na área.
O pedido negado havia sido feito por Cristiano Rodrigues de Sousa – político que tentou se eleger vice-prefeito da cidade pelo MDB em 2020 – e pela empresa Lagoa Dourada Participações e Serviços S/C Ltda. À época, o Brasil de Fato entrou em contato com ambos, mas não teve retorno. Sobre o caso atual, a reportagem enviou um e-mail, mas, até o momento, não recebeu resposta da empresa.
Naquele ano, além de incêndio em suas casas, os moradores da comunidade sofreram com mensagens ameaçadoras e sons de tiros vindos da mata perto da área das moradias. Desde então, as investidas mudam de forma, mas seguem com o propósito da tomada do território dos quilombolas.
De acordo com a Coeqto, o caso é de conhecimento das autoridades em todas as instâncias — estadual, municipal e federal. “No entanto, a situação de insegurança, ameaças e violações continua a ser praticada contra a comunidade”, alerta a coordenação.
Fonte: Brasil de Fato