Nunca antes tantos brasileiros viveram fora de seu país. Sobrecarregados pela insegurança e pelas dificuldades econômicas, a cada ano, dezenas de milhares de jovens e aposentados, ricos e pobres, fazem as malas para reconstruir suas vidas longe da maior economia da América Latina.
Historicamente uma terra de acolhimento de asiáticos, africanos e europeus, o Brasil agora vê seus filhos partirem: 4,2 milhões deles viviam no exterior em 2020, número que começou a crescer ininterruptamente desde 2016, quando o Itamaraty registrava três milhões de emigrantes.
A situação se aprofundou desde a chegada de Jair Bolsonaro à Presidência, em 2019.
“Não sei se diria que estava infeliz (…) mas não via futuro. Já estava pensando em ter uma família e pensei: ‘não posso fazer isso aqui’. Eu amo meu país, minha família inteira está lá, mas, por enquanto, meu marido e eu não estamos pensando em voltar”, disse Gabriela Vefago Nunes à AFP.
Como muitos que buscam melhores empregos e qualidade de vida, esta enfermeira de 27 anos deixou sua terra natal em setembro para se estabelecer em Québec, no Canadá, o nono destino mais procurados por migrantes brasileiros, com 121.950 pessoas registradas.
Com quase 1,8 milhão, os Estados Unidos encabeçam a lista, seguidos por Portugal (276,2 mil) e Paraguai (240 mil), onde houve migração de perfil rural na década de 1970, segundo relatório recente do Ministério das Relações Exteriores.
– “Nada em troca” –
Os altos índices de violência, inflação, desemprego e o impacto da pandemia da covid-19 são os ingredientes do maior êxodo do Brasil, que supera a fuga migratória surgida em meados dos anos 1980 (1,8 milhão), então motivada pela hiperinflação, concordam especialistas ouvidos pela AFP.
“Agora se trata, principalmente, de uma questão econômica, de falta de oportunidades de trabalho, da impossibilidade de crescer no mercado, de ganhar mais dinheiro, poupar, comprar uma casa”, explica Gabrielle Oliveira, especialista em migração e professora da Universidade de Harvard.
“As pessoas perderam a confiança e se sentem, de alguma maneira, traídas por seu próprio país. Pensam: ‘Eu dei tanto e não recebo nada em troca'”, acrescenta.
O engenheiro mecânico Marcos Martins, de 58 anos, considera-se um privilegiado por ter uma vida profissional “mais bem-sucedida” do que boa parte dos brasileiros. Ainda assim, também pretende partir. E, em abril, espera já ter trocado a “estressante” cidade do Rio de Janeiro por Lisboa, onde pretende continuar seus empreendimentos, junto com sua mulher.
O relatório do Ministério brasileiro das Relações Exteriores não especifica idades, nem condições socioeconômicas, mas Oliveira afirma que os migrantes que vão para Estados Unidos e Europa têm perfis muito variados. Ainda assim, esclarece a especialista, em sua maioria, são jovens e homens.
Na diáspora dos anos 1980, aqueles que deixaram o país eram, principalmente, pessoas de maior poder aquisitivo. Agora, alguns brasileiros pobres vendem seus pertences e até se endividam para poderem migrar, de forma irregular, ou legalmente, relata Oliveira.
– Risco futuro –
Em Portugal, há vantagens fiscais para aposentados e empresários brasileiros, diz a publicitária carioca Patrícia Lemos. Em 2018, ela montou neste país europeu uma empresa para ajudar seus compatriotas a se mudarem e se adaptarem.
“Aqui, uma pessoa de 50, 60 anos, consegue trabalhar. No Brasil, não consegue trabalho nem para vender pipoca”, diz Patrícia, destacando que muitos de seus compatriotas se estabelecem com mais facilidade na Europa por terem nacionalidade portuguesa, ou italiana, produto da colonização, ou da recepção de migrantes da Itália.
Segundo especialistas, além de perder mão de obra qualificada de setores com alta demanda, como o de tecnologia, o êxodo pode ser um risco para o futuro do país, devido às projeções recentes que alertam para um envelhecimento populacional.
Em 2100, o grupo etário a partir dos 65 anos poderá representar 40,3% dos 213 milhões de brasileiros, contra 7,3% em 2010, segundo um relatório publicado em outubro passado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), vinculado ao Ministério da Economia. O grupo abaixo de 15 anos cairá de 24,7% para 9%.
“É algo que, para o futuro, pode complicar muito, quando você vê muitas pessoas se aposentando e menos pessoas na idade produtiva”, alerta a especialista Gabrielle Oliveira.
Fonte: Swissinfo