Bolsonaro e Paulo Guedes agem a serviço dos interesses das empresas privadas.
Vicente Andreu, ex-presidente da Agência Nacional de Águas, denuncia uso abusivo das reservas hidráulicas pelo setor elétrico e propõe reforma profunda do sistema de energia.
No programa 20 MINUTOS ENTREVISTAS desta quarta-feira (27/10), o jornalista Breno Altman entrevistou o estatístico, ex-diretor-presidente da Agência Nacional de Águas e ex-secretário nacional de Recursos Hídricos Vicente Andreu sobre a atual crise hídrica e energética brasileira.
Segundo ele, nunca houve um risco de racionamento ou colapso do sistema, como dizia o governo: essa foi apenas uma estratégia para aumentar o preço das tarifas. O que há é uma fragilidade constante do sistema.
“O governo joga com a falta de chuvas para vender para o público que a culpa da crise energética não é sua. Mas a responsabilidade é do setor elétrico, que vivencia essa situação há anos, e esvazia os reservatórios para, no período de secas, aumentar as tarifas. Apesar de haver mesmo um evento climático extremo, a crise energética não se justifica, ela é uma ação deliberada para aumentar as tarifas”, enfatizou o especialista.
Segundo ele, essa é uma prática do setor elétrico, que se baseia num argumento teoricamente correto, de utilizar as usinas hidrelétricas optando pelas térmicas em casos emergenciais, para maximizar seu lucro.
Dado o histórico brasileiro, o governo deveria preservar os reservatórios mais cheios para não ter que contar com o uso das usinas térmicas, principalmente levando em conta que há anos de secas mais intensas, como o atual. Este ano, ao somar os interesses políticos por trás da crise e o período de seca grave que o país viveu, “o governo Bolsonaro nos empurrou para uma situação de insegurança hídrica, permitindo que os reservatórios operassem no seu limite físico, em vez de manter o limite em 15% dos reservatórios”.
“Criam uma margem se segurança energética com as usinas térmicas, mas não há uma margem de segurança hídrica se o reservatório se esvazia totalmente. Priorizar a energia não deveria estar acima da questão ambiental. Temos condições de operar de maneira mais eficiente as nossas hidrelétricas ou ainda optar por outras formas de energia renovável que não seja as usinas térmicas, mas no Brasil existe um lobby fortíssimo das térmicas”, denunciou Andreu.
De onde surgiu o sistema
O ex-diretor da ANA explicou que, antes do governo de Fernando Henrique Cardoso, o sistema de energia brasileiro era predominantemente hidráulico e estatal, contando com um mecanismo de equalização tarifária para manter os preços mais ou menos iguais para o país todo.
No entanto, com o argumento de que em alguns estados a distribuição não era bem gerida, deu-se início a um processo de privatização e desverticalização em 1995, “cada setor da cadeia energética começou a querer maximizar a sua renda”.
Foi ainda durante o governo de FHC que as usinas térmicas começaram a ser construídas. “Só que veio a crise de 2001 e as térmicas não resolveram o problema, o que resolveu foram as chuvas. As térmicas, na verdade, ganham para não gerar e, quando geram energia, sai muito mais caro. Terminamos com um modelo muito mal acabado criado por Fernando Henrique Cardoso”, explicou Andreu.
Ele lamentou que, durante os governos petistas, tenha sido perdida a oportunidade de repensar esse sistema. Em 2004, o governo se limitou a abaixar a tarifa para todos, o que acabou consolidando ainda mais o modelo criado nos anos 90: “Tivemos a preocupação de aumentar a geração de energia, mas não de combater a questão estrutural do sistema.”
A saída
Para Andreu, um novo governo de esquerda precisaria ter a questão energética e ambiental no cerne de sua estratégia de governo. “Claro, existem questões emergenciais que precisarão ser resolvidas primeiro, como o tema da fome, mas o governo terá de ter uma visão de longo prazo. Pensar numa transição energética e no meio ambiente também são formas de evitar a miséria e condições de vida precárias no futuro”, defendeu.
Por isso, ele reforçou que é preciso “humanizar” o setor energético, acabando com o Ministério de Minas e Energia e criando um Ministério de Transição Energética para criar um novo modelo que “remunere pela geração de energia efetivamente prestada e tenha a questão climática como centro da discussão”.
Para tanto, ele argumentou que será necessário conversar com os movimentos sociais, para entender como o modelo atual afeta a população e o que a população de fato precisa. O especialista citou, por exemplo, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e disse que o governo deverá ser mais ativo na busca por esses grupos e não pode ter medo de ser mais ousado na proposição de alternativas.
Fonte: Opera Mundi