Das 290 famílias que vivem nos seis assentamentos alagados, apenas 38 conseguiram voltar aos seus lotes
As lavouras que dão ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) o título de maior produtor de arroz orgânico da América Latina submergiram com as enchentes que assolam o Rio Grande do Sul (RS) desde 27 de abril. Somando as áreas dedicadas ao cultivo de arroz orgânico, em transição agroecológica e convencional, o movimento viu 2358 hectares serem tomados pela água.
Os seis assentamentos atingidos nas cidades de Nova Santa Rita, Guaíba, Taquari e Eldorado do Sul eram também a morada de 870 pessoas, ou 290 famílias. Destas, apenas 38 conseguiram voltar para seus lotes, nos assentamentos Santa Rita de Cássia e 19 de Setembro.
“As águas estão começando a baixar num nível lento. E os trabalhadores estão voltando aos poucos. Mas os dados são alarmantes ainda”, atesta Maurício Roman, da coordenação nacional do MST do RS.
As 252 famílias que seguem desalojadas são dos assentamentos Integração Gaúcha (IRGA), Colônia Nonoaiense (IPZ), Sino e Tempo Novo e estão espalhadas entre abrigos e outras comunidades do MST. Não sabem quando vão voltar. Na realidade, nem se voltarão.
Em nota, o movimento pondera que “apesar de haver um percentual de famílias que retornaram já para seus locais de origem, há outras famílias que não querem mais retornar, assumindo a realidade enquanto refugiados climáticos, cientes da recorrência das enchentes na região”.
De setembro de 2023 para cá, foram três as inundações na região. Não à toa, em março deste ano a tradicional Festa da Colheita do Arroz Agroecológico foi cancelada, dando lugar a um ciclo de debates sobre os impactos da emergência climática na agroecologia.
A colheita, que não foi realizada na janela agrícola de costume, aconteceria agora. Foi atropelada pelo que já é considerada a maior catástrofe climática da história do Rio Grande do Sul.
O Assentamento Filhos de Sepé em Viamão (RS), que no ano passado sediou a vigésima edição da festa com a inauguração de uma fábrica de bioinsumos, agora é palco da distribuição de alimentos aos atingidos das chuvas.
Na cozinha solidária recém montada, estão sendo produzidas 1.500 marmitas por dia. Parte delas está indo para as famílias do Assentamento Padre Josino, que apesar de não terem tido suas casas alagadas, estão ilhadas.
Prejuízo de R$ 17 milhões com perda do arroz
Duas semanas após o início das enchentes, ao ser questionado sobre a situação da sede da Cooperativa dos Trabalhadores Assentados da Região de Porto Alegre (Cootap), o coordenador comercial Nelson Krupinski comentou que as notícias que tinha era de um amigo que tinha conseguido passar na frente de jet ski. A água batia no segundo andar.
A sede da Cootap, bem como os assentamentos IPZ e IRGA, este último onde estão instalações da produção de arroz do MST, ficaram submersos pelas águas do Guaíba e do rio Jacuí. Estão em Eldorado do Sul, uma das cidades mais afetadas pela tragédia. Nesta sexta-feira (17), a prefeitura anunciou que três a cada quatro moradores da cidade estão desalojados.
“Nossa extensão de cultivo de arroz é de aproximadamente três mil hectares. Tudo o que não conseguimos colher ficou debaixo d’água”, conta Salete Carollo, da direção estadual do MST no RS. “E ainda corremos o risco de perder o que está nos silos do arroz, por conta da falta de energia”, completa.
O movimento calcula que o prejuízo do arroz perdido, somado ao que foi gasto como adiantamento em insumos para os produtores, é de R$ 17,6 milhões.
Quatro metros de água sobre as hortaliças
Das 200 famílias assentadas do MST dedicadas à produção de hortaliças e frutas na região metropolitana da capital gaúcha, 170 perderam tudo. A destruição da lavoura nesta área de 250 hectares representa, nos cálculos do movimento, cerca de R$ 35 milhões.
“Todas as nossas hortas ficaram submersas a quatro, seis metros de água. O prejuízo é enorme. É incalculável, porque além de financeiro, tem a relação com nossos clientes das feiras. Nós abastecemos 42 feiras agroecológicas em Porto Alegre”, conta Salete.
Além disso, 95 bovinos morreram e cinco agroindústrias do MST – dedicadas a ovos caipira, panifícios e alimentos diversos da reforma agrária – foram inteiramente devastadas.
A perda de animais, pastagens, galpões e leite não entregue é estimada em R$ 2,9 milhões. A Cootap informa, ainda, que havia antecipado R$ 8,5 milhões para fomentar agricultores e produtores de leite. Parte deste recurso veio de empréstimos bancários.
Um cálculo preliminar somando os prejuízos do MST ligados à cadeia produtiva de arroz, hortaliças, frutas, pecuária e avicultura chega ao montante de R$ 64 milhões.
Lançada na internet, uma campanha de doações às famílias do MST atingidas pelas enchentes atingiu, até o momento, cerca de R$ 267 mil. Saiba aqui como contribuir.
Ações do governo focadas em crédito
Questionado sobre medidas do governo federal para apoiar os agricultores familiares, o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) elencou três. A primeira é a prorrogação de dívidas com bancos: instituições financeiras estão autorizadas a prorrogar em 105 dias as parcelas de crédito rural.
A segunda é a liberação de crédito emergencial para agricultores familiares. O governo vai aportar R$ 600 bilhões para subvenção econômica no âmbito do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf).
Por último, acesso a mercados. “O governo federal libera a comercialização interestadual de produtos de origem animal do Rio Grande do Sul. A medida beneficia muitas agroindústrias familiares, principalmente produtoras de queijos e outros produtos derivados do leite”, afirmou o MDA em nota.
“Outras medidas estão sendo construídas em diálogo constante com demais ministérios e movimentos sociais e devem ser anunciadas nas próximas semanas”, informou a pasta ao Brasil de Fato.
Ao listar as perdas “com a catástrofe”, Salete Carollo diz que, “o principal de tudo” são as casas. “Nós não temos mais a moradia. A maioria das famílias em Eldorado do Sul, da agrovila, não tem mais como retornar às casas. Ficaram 6, 8 metros debaixo d’água. O telhado apenas que aparecia”, descreve. “É uma reconstrução desde o início”, resume.
Fonte: Brasil de Fato