A promessa inicial de apenas obstruir os trabalhos legislativos se transformou, nesta terça-feira (5), em uma ocupação inédita das Mesas Diretoras da Câmara e do Senado. A ação, articulada por parlamentares bolsonaristas em resposta à prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro — determinada pelo ministro Alexandre de Moraes —, suspendeu comissões, adiou sabatinas e travou ao menos 11 indicações para agências reguladoras como ANTT, ANAC, ANP, ANM e ANSN.
No centro da ofensiva está o chamado “Pacote da Paz”, apresentado pelo grupo oposicionista e dividido em três eixos: anistia ampla aos condenados pelos ataques de 8 de janeiro de 2023; fim do foro privilegiado para parlamentares, por meio de uma PEC; e impeachment do ministro Alexandre de Moraes.
Para o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), a anistia seria um “passo prático” para convencer os Estados Unidos a retirarem sanções impostas ao Brasil. Já deputados como Sóstenes Cavalcante e Altineu Côrtes avisaram que levariam o tema ao plenário caso assumissem, mesmo de forma interina, a presidência da Câmara.
A ausência do presidente da Casa, Hugo Mota (Republicanos-PB), que passou o dia em agenda na Paraíba e só retornaria à noite, alimentou suspeitas entre governistas. O temor é de que partidos como o União Brasil e o PP se alinhem à manobra.
Apesar do clima de tensão, líderes do Planalto avaliam que não há os 257 votos necessários para aprovar a anistia. Para um articulador da base, pautar o projeto sem maioria formada seria “bravata” — e até um favor ao Executivo, que eliminaria uma ameaça recorrente usada para barganhar emendas.
O líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), reagiu com firmeza. “Obstrução parlamentar é legítima e prevista no Regimento; bloquear o plenário é vilipêndio e afronta à democracia”, declarou.
Para ele, a ação é um “novo 8 de janeiro, organizado pelos mesmos de 2023” e um desserviço ao país, já que impede a votação de pautas econômicas como a correção do Imposto de Renda: “tenho certeza de que não é a posição da maioria desta Casa paralisar o Brasil. Impedir que milhões de brasileiros paguem menos imposto é um desserviço.” e completou: “queremos votar a correção do Imposto de Renda já. Isso alivia ou zera a conta para 40 milhões de brasileiros.”
Randolfe afirmou ainda que a meta é chegar a 90 milhões de isentos, retirando da tributação quem ganha até R$ 5 mil. Diante do impasse, reforçou que a Constituição permite a reunião do Congresso em qualquer local do território nacional para deliberar. Também prometeu que o governo não hesitará em subsidiar setores como o café ou o aço, caso necessário, para proteger empregos diante do tarifaço dos EUA.
Nos bastidores, um senador do Centrão avalia que a crise empurra Davi Alcolumbre (União-AP) para mais perto do Planalto.
O presidente do Senado divulgou, ao fim do dia, uma nota classificando a tomada das mesas como “exercício arbitrário das próprias razões, alheio aos princípios democráticos” e um ato que “inviabiliza o funcionamento regular do Parlamento”.
No texto, pediu “serenidade e espírito de cooperação” e reafirmou que o Congresso tem “obrigações com o país na apreciação de matérias essenciais ao povo brasileiro”. O senador apelou para a retomada dos trabalhos “com respeito, civilidade e diálogo”, advertindo que bloquear a pauta é ferir a missão constitucional do Legislativo.
Alcolumbre anunciou que convocará “reunião de líderes para que o bom senso prevaleça” e garantiu espaço para “todas as correntes políticas se expressarem legitimamente” nas sessões. Caso a ocupação persista, lembrou que a Mesa pode transferir a sessão para outro local — prerrogativa prevista no artigo 14 da Constituição.
Ele também pediu “serenidade e espírito de cooperação” e convocou reunião de líderes para quarta-feira, com a promessa de garantir espaço para todas as correntes políticas.
Na Câmara, mesmo ausente de Brasília, Hugo Mota afirmou não se abalar com ameaças de Eduardo Bolsonaro e assegurou que os trabalhos retomam normalmente nesta quarta. Governistas, porém, temem que a oposição explore brechas regimentais para atrasar a pauta econômica.
Com o Congresso paralisado, matérias como a MP que amplia a faixa de isenção do IR e o crédito adicional para o PAC ficaram em espera. Enquanto o PL promete manter a ocupação até que o “Pacote da Paz” seja votado, o Planalto aposta no desgaste oposicionista e relembra, em vídeos, as cenas do 8 de janeiro para associar a imagem dos adversários à tentativa de golpe.
A expectativa é de que Alcolumbre tente abrir sessão ainda na tarde desta quarta sob reforço de segurança. Governistas articulam para esvaziar o quórum oposicionista e negociar com MDB e PSD o sepultamento da anistia. Caso a oposição insista, corre o risco de sofrer derrota no plenário e sair do embate ainda mais isolada.
Fonte: ICL